Justiça determina que Prefeitura de Maceió devolva pertences apreendidos de população em situação de rua e cesse novas ações

Determinação é resultado de Ação Civil Pública promovida pela Defensoria Pública Estadual contra abordagens violentas

Poucos dias antes do emblemático 19  de agosto, data que faz alusão ao Dia de Luta pela População em Situação de Rua, a justiça alagoana determinou que a Prefeitura de Maceió cesse com as ações de zeladoria direcionadas à população em situação de rua, que abrangem a tomada de pertences e remoção forçada das pessoas. A decisão ocorre em resposta a uma Ação Civil Pública promovida pela Defensoria Pública Estadual contra as recorrentes denúncias de abordagens agressivas cometidas pela Guarda Municipal, e também delibera que os objetos pessoais já apreendidos – como colchões, roupas, cobertores e até documentos pessoais – sejam devolvidos num prazo de dez dias.

A sentença foi celebrada pela Defensoria, que tem acompanhado  mais de perto os casos de remoção forçada, apreensão de bens pessoais e abordagens ostensivas, desde 2022. O defensor público Isaac Vinicius Costa Souto, que produziu a Ação Civil Pública, também assinada pelo defensor Ricardo Melro, considera a sentença como o resultado de uma luta contra as violações, e dá o recado: as instituições têm estado mais atentas ao que ocorre nas ruas de Maceió.

“Foi uma decisão muito importante nesse sentido de ser um ponto de resistência no combate às violações aos direitos humanos e a essa população tão vulnerabilizada, que é a população situação de rua. O sistema de justiça como um todo vem estado de mãos dadas nesse objetivo de garantir e proteger esses grupos em vulnerabilidade social econômica”, relata Isaac Costa, exemplificando uma situação de violência na Praça Sinimbu, em que vários órgãos foram chamados a agir, a exemplo do Ministério Público Estadual.

A articulação entre os órgãos vêm num contexto de persistência dos casos. Frequentemente representantes do Movimento Nacional da População em Situação de Rua denunciam que, enquanto reuniões  para debater a violência contra a população em situação de rua aconteciam pela manhã com entidades, na noite do mesmo dia, agentes de segurança avançavam contra as pessoas.

O defensor Isaac Costa enumera diversas situações em que as ações aconteceram, como na Praça Marcílio Dias, em dezembro de 2022. “Tomamos conhecimento e, em janeiro de 2022, entramos com ação. Desde lá, temos lutado por uma apreciação desse processo. Outra situação ocorreu ali próximo ao Posto sete, também de remoção forçada de pessoas em situação de rua, e de bens e dos pertences delas, inclusive de animais. E aí fizemos outra solicitação, por fim aconteceu”. Na última quarta-feira, no dia 14 de agosto, após outra ação ostensiva, a Defensoria decidiu reforçar a reclamação na Justiça.

“Na própria quarta-feira, a gente entrou com ação, com requerimento nessa ação já existente, reforçando o epiddo de tutela de urgência, diante de mais um fato superveniente. E hoje nós temos essa decisão excelente, que realmente inclui o que foi solicitado, inclusive determinando a restituição dos bens em 10 dias, estipulando multa, basicamente dentro do que diz a ADPF 976”.

A decisão recebe ainda mais boas vindas ao acontecer no mês de Luta pelas Pessoas em Situação de Rua, cujo dia oficial é nesta segunda, 19 de agosto, e faz referência ao massacre ocorrido na Praça da Sé, em São Paulo. Em Maceió, uma atividade foi organizada na Praça Sinimbú. “Estaremos pegando os relatos de pessoas que foram vítimas dessa ação, e também atendendo as pessoas em situação de rua”.

A ação judicial ainda chegou a registrar que foram produzidos ofícios solicitando explicações à Prefeitura, além de medidas corretivas, entretanto, o Município não se manifestou, “permanecendo inerte e continuando a executar as mesmas ações”. A Mídia Caeté procurou a Prefeitura, por meio de assessoria de comunicação, que limitou-se a responder que: “A Secretaria Municipal de Segurança Cidadã (Semsc) esclarece que a Guarda Civil Municipal de Maceió (GCM) não realiza qualquer ação de zeladoria e recebe com surpresa a referida decisão. A GCM reafirma o compromisso de garantir a segurança de servidores e da população maceioense.”

Decisão judicial

Durante a decisão, o juiz Leo Denisson relata que a situação narrada trata-se de uma “grave violação ao direito à dignidade humana garantido pela Constituição Federal, demandando uma resposta judicial célere e eficaz”. Citando a ADPF 976, que registra a necessidade que o Judiciário atue mais incisivamente para a proteção dos direitos das pessoas em condição de vulnerabilidade  – na ocasião, mencionando as pessoas encarceradas – diante das omissões estruturais do poder público que afeta diretamente a dignidade dessas pessoas. O magistrado acrescenta:

“Este entendimento pode ser aplicado, por analogia, à situação das pessoas em situação de rua, que também enfrentam um estado de coisas inconstitucional devido à omissão do poder público”. Por fim, também cita diretamente  a Resolução nº 425/2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que institui a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua, pouco antes de confirmar a concessão da tutela antecipada de urgência determinando ao Município de Maceió, a imediata cessação das ações de zeladoria urbana direcionadas à população, a imediata restituição, no prazo máximo de 10 (dez) dias, dos bens pessoais apreendidos de Rua, e finalmente, que o Município de Maceió adote, no prazo de 10 (dez) dias, todas as providências indispensáveis para assegurar a segurança e a integridade física das pessoas em situação de rua, incluindo a disponibilização de abrigos temporários adequados, conforme a demanda, e o fornecimento de alimentação, vestuário e itens essenciais de higiene pessoal”.

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