A carta de indígenas de AL contra mineração de terras e Lira

Se aprovado, PL bloqueará demarcação e permitirá diversas invasões em terras indígenas

Mais de dez lideranças de povos indígenas em Alagoas assinaram uma carta confrontando a postura do deputado alagoano Arthur Lira (Progressistas) que vem impulsionado a aprovação do Projeto de Lei (PL) de nº 490 e a mineração de terras indígenas no país. Aprovado nesta quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o PL agora deve seguir para votação dos destaques e, em seguida, para o plenário. Até o momento, teve aprovação da Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural e rejeição pela Comissão de Direitos Humanos e Minoria.

Não é sem resistência, entretanto, que o PL vem tramitado no Congresso. Em Brasília, as manifestações que acontecem em frente à Câmara Federal, com indígenas de toda a parte do país, reivindicam participação na discussão, conforme Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ao invés de terem acesso ao direito, entretanto, os principais interessados no debate sobre terras indígenas – os povos indígenas – vêm sofrido uma série de ataques e violência policial e institucional em frente ao órgão.  A mobilização que iniciou pacífica, com danças, ritos e gritos de ordem, foi recebida com  armas e cacetetes. Manifestantes reagiram com flechas e muitos ficaram feridos.

Neste mesmo momento, também foi entregue ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),  a Carta dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) Levante pela Terra, reivindicando que o STF proteja os direitos dos povos originários.

O documento rememora que, no Brasil, existem “305 povos indígenas, falando mais de 274 línguas e 114 povos indígenas isolados e de recente contato, habitando 1.298 terras indígenas, sendo 408 homologadas e 829 em processo de regularização e/ou reivindicadas. Neste contexto atual, os povos indígenas sofrem com várias demandas
sociais, como: a falta de demarcação de suas terras, alto índice de invasões por parte de madeireiros e garimpeiros ilegais, as queimadas criminosas, alto índice de suicídio, desassistência à saúde e à educação específica, processo de criminalização e encarceramento de indígenas, mortalidade infantil, e assassinato sistêmico de lideranças indígenas. Todo esse contexto social está intimamente ligado ao conflito territorial, resultado do processo de perda de terra que se deu de maneira diferente em relação a cada povo”.

LEIA NA ÍNTEGRA A CARTA DA APIB. 

Membro da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), organização que também integra a APIB, Marcos Sabarú, reforçou as motivações das lideranças em Alagoas terem se reunido contra as ações de Lira, que retira o poder dos povos sobre suas terras, expõe o projeto contrário à esperada demarcação e, ainda, aprofunda a desigualdade e a miséria sofrida por várias comunidades que – com as terras historicamente roubadas – enfrentam hoje fome, falta de acesso à saúde e educação.

Em um efeito cascata e garantindo diversas estratégias ao mesmo tempo, os ataques contra os povos indígenas, que não são feitos em forma de violência truculenta, se concretizam em mais expropriação das terras e negação de direitos. Sem terra regularizada pela demarcação, a falta de reconhecimento se reflete e expande na ausência de políticas públicas e acesso a serviços fundamentais à população em saúde, educação, saneamento. Não é diferente em Alagoas.

“Existe uma demanda por demarcação muito grande em Alagoas. Na Zona da Mata, assim como no Agreste e no Baixo São Francisco, e no Alto Sertão. Há muito o que falar sobre a Amazônia, mas também existe a realidade alagoana, com índice de desnutrição muito grande, analfabetismo, carência por alimento e escola. Os povos ficam, cada vez mais, sem perspectiva e sofrendo o abandono. E o que vem de proposta do parlamentar alagoano é o garimpo. Se quer discutir onde se tem terras grandes, mas por que não discute sobre a situação de quem não tem nada?”.

É nesse sentido que Sabarú menciona os interesses da mineração local também. “Estamos falando de luta por terra indígena e isso afeta a todos nós. E existe interesse da mineração também nas aldeias em Alagoas. Tem pedra, cal, areia, argila”, menciona.

 

Arthur Lira vem se manifestado publicamente com ainda maior fôlego contra as demandas dos povos indígenas. Ao anunciar que pautaria a regulamentação da mineração, se comprometeu em construir um Grupo de Trabalho e destacou que esse era um projeto prioritário para o presidente Jair Bolsonaro – a quem Lira ainda é considerado um braço direito (confira reportagem da Mídia Caeté sobre o assunto). A celeridade com que pauta a exploração das terras indígenas vem sendo inversamente proporcional a qualquer movimentação no sentido de pautar algum dos 115 pedidos de impeachment contra o presidente, a qual Lira já avisou que são “inúteis”.

Bem longe do impeachment, o deputado federal vem se debruçando sobre a lista de prioridades do presidente, muitas entregue logo após sua eleição para a presidência da Câmara – conforme atesta o Observatório da Mineração, considerando aqueles que tratam da mineração como ainda mais urgentes.

“Falo dele nem como presidente da Câmara e mais como deputado alagoano. Ele está propondo algo muito danoso para quem está abaixo da linha da pobreza e marginalizado, discriminado, passando fome e sem acesso a políticas públicas ou água potável. Tem comunidades que hoje são dependentes de carro-pipa e de cesta básica. E o que ele está propondo não só não ajuda em nada como ainda piora a vida das pessoas que já está muito sofrida”, relata Marcos Sabarú.

O PL e outros ataques

Se são dificilmente numeráveis os tipos de ataques e investidas de roubo e exploração de terras indígenas no Brasil – e todo o enfrentamento lidado por povos originários ao longo de mais de 520 anos – a intensificação desse processo, nas últimas décadas, é igualmente identificada por quem convive com a resistência e entende como esta PL e mais uma nova vestimenta para práticas bastante antigas.

“Tentaram emplacara a PEC 215. Cada ano fazem uma roupagem e agora o PL, onde querem transferir para o Congresso Nacional o poder de fazer demarcação de terras”, diz o integrante da APOINME. “Quando deputados e senadores, em sua maioria latifundiários do agronegócio, da bancada da Bíblia, Bala e Boi, vai demarcar terra para indígena? A Constituição diz em algum lugar que cabe ao Congresso? Aí que é inconstitucional. Uma coisa é o legislativo e outra é o executivo. Cabe ao Ministério da Justiça e à Fundação Nacional do Índio fazerem estudo técnico com a mediação de vários profissionais para dizerem, segundo os critérios, se aquela terra é indígena, memorial, ou não”, reforça Sabarú

O Projeto de Lei 490 foi elaborado originalmente ainda 2007, dispondo sobre alterações no Estatuto do Índio de 1973. Entretanto, recentemente e após apreciação do relator do CCJ, passou por uma série de ampliações se tornando um substitutivo “guarda-chuva” de diversos projetos que tratam-se da matéria da mineração.

Assim, o PL se torna um obstáculo letal à demarcação ao consolidar ainda o marco temporal – reconhecendo como terras indígenas apenas aquelas por eles habitadas até a Constituição Federal (CF) de 1988, de modo a negar qualquer reconhecimento posterior e proibir novas demarcações -, a permissão para atividades de agronegócio, mineração e garimpo dentro de terras indígenas, além de conceder permissão de hidreléticas e obras dentro dessas terras. A autorização poderá ser dada, então, pelo Congresso.

Além de todas estas retiradas de direitos, o texto ainda expressa que o “usufruto usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional”. Dessa forma, permite a instalação de bases militares e outras intervenções, extensão de malhas viárias, instalação de Polícia Federal (PF). Tudo independentemente de consulta à comunidade indígena que lá exista.

A carta das lideranças indígenas alagoanas desenha como este PL pode se refletir entre as comunidades indígenas dentro do Estado.

“É inadmissível que o parlamentar alagoano ignore o sofrimento das comunidades do baixo são
Francisco, zona da mata, agreste e alto sertão alagoano, muitas delas se quer não possui uma escola, ou um palmo de terra para produzir seu alimento e não tem acesso a políticas públicas. O apoio ao PL nº490, e sua aprovação, irá aumentar a desigualdade social, e inviabilizará o processo de demarcação de terra indígenas no brasil, entendemos que a fala do deputado Arthur César Pereira de Lira não ajuda em nada a minimizar o sofrimento dos demais povos indígenas brasileiro, nem os alagoanos, pois até hoje, nós povos indígenas, não tivemos nossas terras regularizadas como manda a constituição de 1988, não temos a garantia da segurança alimentar, acesso à educação diferenciada como manda a lei, e em meio a pandemia de COVID-19 nem todos os indígenas brasileiros foram vacinados.”, diz Marcos Sabarú.

E Finaliza demonstrando o sentimento quanto à atuação de Lira. “O mandato do parlamentar nos causa decepção, pois ataca os povos originários, as minorias, não contribuindo para combater a desigualdade e dívida que o estado brasileiro tem para com os povos indígenas”.

A carta é assinada por lideranças dos povos Koiupanka, Katokin, Karuazú, Kariri xocó, Karapotó, Kalankó, Geripankó, Tingü-Botó, Xucuru kariri e Wassu Kocal.

Confira a carta na íntegra:

CARTA DE ALAGOAS Contra o PLnº490

Falta de escuta e ação truculenta

Segundo Sabarú, ao receber a informação de que o PL seria colocado na pauta de votação da Comissão, a reação foi imediata das comunidades. “Quando ele propõe que a discussão seja votada, ele furta as comunidades do direito de ser ouvido, do direito de expressar. Os povos indígenas vem sendo incapacitados de decidir suas vidas. Não podem opinar sobre sua casa e seu território. E isso vai de confronto com a Constituição Federal de 1988 que fala sobre a organização política de cada povo. E também confronta com a Convenção 169. Não houve audiência, escuta, consulta. Ferem a dignidade de uma forma que diz que o outro ser não deve participar de um debate sobre as terras em que eles vivem e que querem explorar”.

Para o integrante da Articulação, a participação de Lira é vem sendo determinante nesse processo. “Se o CCJ votou certamente é porque ele garantiu que iria colocar em pauta. Ele disse que iria bancar e mandou cercar o palácio, defendendo a violência truculenta da Polícia.”, ressaltou.

Na carta, o episódio também é relatado: “O mesmo se mostrou a favor da opressão feita pela Policia Militar (PM) do Distrito Federal contra aos anciões, criança e mulheres que estavam em frente a Câmara dos Deputados, protestando pacificamente, pelo direito a consulta, ampla, previa, informada e de boa-fé, assim como estabelece a Conversão 169 da OIT, onde as comunidades e a sociedade possa ter acesso e debaterem sob projetos que interfiram em suas vidas”.

O fato é que, se o povo não foi ouvido dentro da Casa, os gritos ecoaram do lado de fora. Além das manifestações em Brasília, em diversos estados houve protestos, trancamentos e outras mobilizações. Em Alagoas, o povo Wassu Kocal chegou a fechar a BR-101 em Joaquim Gomes.

Sociedade precisa parar de pensar que causa indígena é ‘problema de índio’

O alerta encaminhado por Sabarú é, por fim, que sociedade brasileira de fato participe do debate, com interesse ativo sobre a situação.

Foto: Marcos Sabarú (Arquivo pessoal)

“Esse não é um ‘problema dos povos indígenas’. Matança de índio, assassinato de liderança indígena, grilagem de terra. Aqui são mais de 520 anos de luta e resistência de indígenas. Será que sociedade brasileira não precisa refletir sobre a matéria? Não precisam refletir que os índios são guardiões de um patrimônio da sociedade brasileira, que é a terra?  Não gosto de falar da terra como ‘patrimônio’, mas quero dizer que se as terras são da União é porque é minha e sua também.  E já foi provado por grandes cientistas da discussão climática a contribuição [da proteção à terra] contra o aquecimento global, para a produção de água e oxigênio. Para a fauna e a flora também.”, reforçou.

“A sociedade precisa participar dessa luta e não ficar pensando que as causas indígenas e a defesa dos territórios é “problema de índio”, enquanto ficam na zona de conforto. Essa é nossa discussão. Na pandemia, o que a gente precisa é de alimento, vacina, apoio e conforto. Não de grilagem, garimpo e exploração”.

A Mídia Caeté procurou o deputado Arthur Lira (Progressistas), por meio de sua assessoria de comunicação, mas não obteve respostas.

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