Vivendo há mais de 18 anos no acampamento Mandacaru, no município de Traipu, 72 famílias agricultoras sem terra estão sofrendo ataques e ameaças desde a última segunda-feira, 06, por um grupo armado. Entre os envolvidos reconhecidos pelos trabalhadores rurais, estão o ex-vice-prefeito de Girau do Ponciano, Severino Correia, conhecido como Severino do Chapéu, e o fazendeiro Antônio Monteiro, contra quem as famílias vivenciam o conflito pela terra judicialmente.
O ataque aconteceu ainda pela manhã, momento em que grande parte dos agricultores estavam no lugar de todos os dias: na roça, plantando palma, fumo, feijão, milho, abóbora, ou retirando leite os animais. “A princípio foram quebrando o mastro da bandeira e tirando a bandeira do acampamento. O acampamento tinha poucas pessoas e ele encontrou coletivo menor. Fez as ameaças. Disse que se os companheiros não saíssem do acampamento, seriam retirados com agressão, na base da bala. Deram recado e foram embora”, relata Ana Rojas, coordenadora do Movimento Sem Terra na região.
As horas seguintes também não foram fáceis. No início da noite, segundo os relatos repassados pelos agricultores, Severino do Chapéu – que já foi denunciado por violência doméstica em 2018 – esteve novamente no local, com mais ameaças. “Ele entrou, fez retorno por dentro, parou, e teve contato com um dos acampados mais antigos de lá, onde reforçou a ameaça. E sempre que alguém precisava sair de lá, se deslocar para comprar algo e ele tinha acesso à pessoa no trajeto, ele manda um recado”, diz.
Em uma das oportunidades, de acordo com a coordenadora do MST, Margarida da Silva, Severino ainda se pronunciou como proprietário. “Ele deu a entender que parte seria vendida para ele. Não sabemos se é isso o que está acontecendo”, conta.
Antes uma área inativa da denominada “Fazenda Balança”, de propriedade de Antônio Monteiro, hoje o produtivo acampamento Mandacaru teve processo de reforma agrária suspenso, como diversos outros pelo país. Um dos relatórios do Incra demonstra uma das vistorias efetuadas.
“Nesse ano, houve decisão judicial favorável à reintegração de posse em fevereiro, mas entendemos que a Justiça não considerou nossas alegações. Agora recorremos, inclusive em razão da suspensão de despejos durante a pandemia, e estamos aguardando a resposta da Justiça”, relatou Margarida.
Enquanto que a parte de Antônio Monteiro defendeu o direito à propriedade e a alegação de que “invasores não têm direito”, entre os argumentos na apelação, o MST reforçou que a decisão não considerou a função social da terra sobre o direito da propriedade que “No caso em tela, a propriedade não está cumprindo a sua função social, razão pela qual, os trabalhadores necessitados de terra para plantar para o seu sustento e da sua família, ordeiramente, promoveram a ocupação do imóvel que se encontrava sem cumprir sua função social”.
Em meio à espera pela decisão, no entanto, o grupo envolvendo o Antônio Monteiro e Severino do Chapéu decidiu apelar para a truculência, com uso de arma de fogo. “ Eles não quiseram esperar e decidiram ir armados ameaçar os trabalhadores rurais, que estão lá há 18 anos. Não são dias, nem meses”, contou Margarida.
Segundo Ana da Hora, o clima ainda é de tensão, como acontece continuamente em conflitos do campo. Em setembro deste ano, a Comissão Pastoral da Terra publicou o relatório de 2019 sobre os conflitos no campo, registrando um total de 1833 casos, 23% maior do que em 2018 e o maior número em 14 anos. Embora não haja dados atualizados de 2020, o Movimento considera que o aumento é perceptível.
“Não é só a pandemia, mas o próprio governo Bolsonaro que legitima esse tipo de ataque. Ele desmantelou mais ainda a reforma agrária, banalizou e naturalizou a violência no campo, criminaliza os movimentos sociais”, relata Margarida, citando ainda o desmantelamento do INCRA e o fim do crédito fundiário do ITERAL, que permitiria recursos para aquisição de terra.
Apesar disso, as famílias seguem resistindo no acampamento Mandacaru. “A tensão continua, mas todos seguem resistindo. Fomos para lá e estamos vendo sempre uma forma de tornar o acampamento mais massivo. Já conseguimos estar com mais pessoas lá dentro e a forma que os trabalhadores estão se mobilizando é se mantendo lá na terra”, explicou.
A Mídia Caeté tentou entrar em contato com Severino do Chapéu e Antônio Monteiro, mas não obteve êxito. O espaço permanece aberto, entretanto, para caso queiram responder às informações.