A falsa simetria e a falácia da imparcialidade jornalística

É um ledo engano achar que a imprensa é isenta em suas análises; um bom jornalismo não precisa ser imparcial, precisa ser honesto intelectualmente

Jornalistas e veículos de comunicação têm obrigação de ser imparciais. Muitas pessoas acreditam piamente nessa máxima e bradam aos quatro ventos que haja uma cobertura totalmente isenta do que acontece na sociedade. Ao propormos um debate mais aprofundado sobre isso, nos deparamos com uma análise extremamente reducionista da prática jornalística. 

O que existe é uma confusão de concepções. Não há quem seja totalmente imparcial, não há jornalista que comece um texto a partir de uma tábula rasa, sem levar em consideração experiências e o contexto dos acontecimentos. É ingênuo demais pensar dessa maneira. 

O jornalismo deve se basear na veracidade dos fatos, deve trazer a notícia de acordo com a verdade. Isso não significa ser imparcial, isso significa não ser desonesto intelectualmente. São coisas diferentes – muito diferentes aliás. 

Horkheimer (à esquerda) e Adorno (à direita) na Escola de Frankfurt. | FOTO: Reprodução.

Em A Dialética do Esclarecimento, Theodor Adorno e Max Horkheimer trazem à tona o debate sobre o uso da técnica e da tecnologia como instrumentos de dominação e difusão da informação. Dentro desse cenário, consolida-se a relação entre a Indústria Cultural e o viés de controle ideológico da mídia.       

Tal controle tem como intuito claro fazer o seu modo de pensar atingir o maior número de pessoas através da repetição sistemática de conceitos, dados e ideias. A manutenção do status quo é o objetivo, transformando grande parte da sociedade em um sujeito passivo, que consome e acredita no que lhe é transmitido.  

Essa é uma visão pragmática e utilitarista que acontece até hoje. Há problema em os veículos terem um posicionamento político definido? Claro que não. O problema é quando a realidade é distorcida somente para consolidar uma vertente ideológica ou haver uma tentativa direta de fortalecer uma falácia.      

Podemos enxergar como exemplos as “escolhas difíceis” do Estadão em seus editoriais. O primeiro deles saiu em outubro de 2018, quando o jornal afirmou que a escolha entre Fernando Haddad (e o PT) e Jair Bolsonaro era algo complicado, forçando irresponsavelmente uma falsa simetria.

Criar uma dualidade entre Lula e Bolsonaro é desonesto e prejudica o debate público. | FOTOS: Reprodução / Divulgação.

Nessa sexta-feira (14), o veículo voltou a ser infeliz e inconsequente, para não ser mais incisivo. Novamente, o Estadão publicou um editorial estabelecendo um paralelo entre Lula (e o PT) e Bolsonaro. Mas isso não é direito deles? Sim, é. Porém, não é por termos o direito de falar uma bobagem que devemos falar sem considerar os seus impactos. 

Estamos nos aproximando dos 500 mil mortos por Covid-19, sob um um governo cruel, desumano e vil, que faz questão de demonstrar a sua incapacidade de ser empático e democrático. É evidente que essa equiparação é desonesta, confunde e contribui para trazer Jair Bolsonaro novamente para o campo do aceitável. 

Por fim, só mais uma constatação: os veículos de comunicação não são e nem nunca foram imparciais. Exatamente por isso, saiba muito bem onde e o que você está lendo.

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