“A gente decidiu que não aceita mais um Brasil sem nós”, diz Tanawy Xukuru-Kariri

Aliança de povos indígenas explica o significado de Tanawy na coordenação do Saúde Indígena em Alagoas e Sergipe
Tanawy Xukuru-Kariri, durante celebração de nomeação como Coordenador Distrital do DSEI AL/SE (Foto: Wanessa Oliveira)

Foi longa a espera e intensa a pressão popular movida por toda uma aliança de povos indígenas para que Tanawy Xukuru-Kariri finalmente estivesse à frente do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Alagoas-Sergipe. Em um país cuja dança das cadeiras é historicamente mobilizada por uma série de apadrinhamentos de políticos de carreira, a almejada nomeação, ocorrida nesta terça-feira, 11 de abril, foi recebida com uma grande celebração na sede do Dsei, em Maceió. Das palavras que demonstram múltiplas expectativas, as mais reiteradas por diversas lideranças indígenas foi de que “nada mais sobre nós sem nós”.

As aclamações transcendem o sentido da representatividade, diante da expectativa de uma gestão colegiada entre aldeias e lideranças. Demonstram, ainda, a ruptura de todo um período em que a Saúde Indígena, além de estar em mãos de não-indígenas, ainda foi aviltada por gestores contrários às políticas públicas voltadas às comunidades. O sufocamento estrutural no orçamento e a desconstrução de órgãos, promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), localmente também se traduziam em uma gestão da SESAI marcada por situações de perseguição a profissionais de saúde indígenas, e uma série de outros problemas.

Secretário-Executivo de Controle Social da Saúde Indígena, Júnior Wassu, descreve as condições enfrentadas. “Foi momento muito crítico, principalmente na saúde indígena, e não só na saúde indígena como em todos os aspectos voltados a políticas para povos indígenas. Tanto que sofremos com a questão orçamentária, com a desassistência, não só em Alagoas como em todos os 34 distritos. Uma prova é o fato do que vem acontecendo aos Yanomami”, conta.

A desinformação promovida pela Sesai também foi destacada naquela situação. “Inclusive uma questão é que a própria Sesai de lá não repassava as informações do modo como aconteciam. Mostravam como se fosse uma região assistida. Foram informações contraditórias. Com a transição do governo e início das investigações, principalmente com a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), foram identificadas as situações gritantes e as mais de 500 mortes”, ressaltou.

Junior Wassu, que é também liderança indígena Wassu-Cocal e integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Maranhão e Espírito Santo (Apoinme), conta que no Nordeste a situação também nunca foi envolta por facilidade.

Junior Wassu relata como vivenciou o último período trabalhando na SESAI. Foto: Wanessa Oliveira

“No corpo da Saúde Indígena, a maioria dos profissionais de saúde são indígenas e aconteceram situações de assédio, com relação à questão da assistência à saúde. Quiseram nos impedir de dar voz, foram muitas negativas. Fui uma dessas pessoas que passou por essa situação. Tive que bater de frente com a gestão o tempo todo, durante os últimos quatro anos, pelo fato de ser liderança indígena e representante de movimento indígena, e, portanto, de identificar a desassistência e também o assédio com profissionais nesse período. Foi uma situação muito caótica, crítica, complicada, para a nossa região do Nordeste”, completa.

É neste sentido que Wassu reforça a comemoração de um coordenador indígena, aclamado pelos povos indígenas, como uma esperança de ruptura de todo esse período. Entretanto, também observa que para além da coordenação do DSEI, muitas decisões dependerão de recursos.

Entre os impactos da desassistência, Junior Wassu destaca o setor de Saneamento e Edificações. “O primeiro desafio é a própria assistência, fortalecendo as bases em nível distrital e regional. A Sesai tem responsabilidade com a assistência à saúde básica, e com saneamento e edificações. Não há como trabalhar um sistema de prevenção, sem ter instalação de qualidade na área de saneamento e de edificações, o que impacta diretamente nessa questão orçamentária, porque se trata da montagem de estrutura nas comunidades indígenas. É um ponto fundamental. Não tem como fazer atenção básica sem saneamento como porta de entrada. Se não se oferta qualidade de água para a comunidade indígena, não tem como trabalhar de fato numa atenção à saúde.

É nesse sentido que Wassu reforça a comemoração de um coordenador indígena, aclamado pelos povos indígenas, como uma esperança de ruptura de todo esse período. Entretanto, também observa que para além da coordenação do DSEI, muitas decisões dependerão de recursos. “Entre várias outras situações, como programas de saúde e atividades a serem desenvolvidas nas comunidades. Todas essas coisas dependem de recursos. Na medida que foi cortado, e o corte foi alto, impactou bastante”.

Desafio grande, mas não solitário.

Com gestão colegiada, o novo Coordenador Distrital da Saúde Indígena, Tanawy Xukuru Kariri, fica à frente de um dos órgãos que, como diversos outros de Saúde Indígena pelo país, foram tomadas por gestões locais de extrema-direita e anti-indigenistas. Foram várias as denúncias, inclusive, de gestores e servidores cerceados em diversas ocasiões para cumprir minimamente com as atribuições das respectivas pastas.

É nesse sentido que a posse de Tanaw é tomada como uma celebração e uma responsabilidade coletiva pelas lideranças presentes. “Estamos aqui para ver nossa renascenca, nossa sobrevivência. Por momentos como este e, em nome do meu povo Karapotó de Terra Nova, que fica em São Sebastião, venho dizer que a vitória não é só sua, é nossa. Nós indígenas. Não só pelo Mano, mas pelas representações que estão ocupando nossos lugares. É emocionante quando a gente ouve parentes dizerem aqui que é um momento maravilhoso porque está dando continuidade àquelas pessoas que construíram e deram o pontapé, e que eu fui testemunha. Testemunha de Maninha, minha amiga. De Cacique Jeova do nosso Cacique seu Genésio, e filha de seu Antônio Isidoro, que não se encontra mais aqui. Mano, com todas essas pessoas que estão aqui, tenho a liberdade de dizer que estamos juntos e vamos avançar”.

Em celebração, ancestrais são homenageados e lembrados por suas lutas. Quadro em homenagem a Nina Cacique, do Povo Katokinn de Pariconha. 

Já representando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Marcos Sabarú, também reforçou o apoio da aliança para o trabalho que se inicia, alertando ainda para a necessidade de acompanhar as ações com olhos atentos aos direitos. “É uma vitória dos povos indígenas estar ocupando posto importante de cuidado da saúde dos povos indígenas de Alagoas e Sergipe. Lembrando que é uma gestão participativa. É um colegiado de lideranças e de aldeias. Isso tem um significado muito grande, é a aliança entre os povos. Porém, sabemos que é um sistema. O Distrito está atrelado à SESAI, que por sua vez se vincula ao Ministério da Saúde, e tem toda uma trindade. Então, é complicado. Não é porque um indígena está lá sentado na cadeira fazendo o seu melhor, que vai conseguir sempre”, relata.

Representanto a APIB, Marcos Sabarú fala sobre as expectativas e a relação quanto à nomeação de Tanawy. Foto: Ademar Júnior

Sabarú atenta para toda a cadeia de decisões, sem, contudo, deixar de celebrar a vitória. “As licitações e orçamento são feitos por Brasília. Há muita interferência política, sim. Então, não podemos ser inocentes de achar que o fato de um indígena estar lá terá poder de resolver todos os problemas que 532 anos de poder fez nessa terra hoje chamada de Brasil, Ilha de Vera Cruz, Santa Cruz, e que é a Pindorama na verdade. É um pouco de inocência e de paixão achar que indígena por estar lá vai poder resolver todos os problemas, ou achar que será culpado também se algo der errado. Mas o que celebro é importante é os povos indígenas estarem ocupando esses 34 distritos no Brasil inteiro”, comemora. Não deixando de lembrar: “porém não é política pública para os povos indígenas. E o Brasil carece dessas politicas”.

Tanawy: “A gente decidiu que não aceita mais o Brasil sem nós”

Desde dezembro de 2022, movimentos indígenas vêm anunciando nomes para ocupar cargos estratégicos que dizem respeito aos direitos dos povos. Tanawy, que já coordenou a APOINME e também atuou enquanto assessor político da APIB, foi indicado pelas aldeias a partir do conhecimento em medicinas indígenas das etnias de ambos os estados, Alagoas e Sergipe, além de seu trânsito na articulação entre gestores e políticas de saúde.

Agora, enquanto coordenador distrital nos dois estados, Tanawy Xukuru-Kariri confirma o significado coletivo deste avanço. “Estamos iniciando hoje o que é um marco histórico, não só para os povos indígenas de Alagoas e de Sergipe, como no Brasil inteiro. A gente decidiu que não aceita mais o Brasil sem nós. Nem governo sem Ministério Indígena, nem a Funai e nem a Sesai sem nós. Estamos para prontos para assumir os espaços que são nossos, porque somos capazes de exercer essa função e queremos trabalhar diretamente com nosso povo. Sofremos perseguição durante muito tempo e sabemos a dor que sentimos. Portanto, merecemos ser protagonistas de nossa história”.

Lideranças indígenas são grande maioria em mesa de solenidade de abertura. Foto: Wanessa Oliveira

 

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