Resumo
Os casos se acumulam no Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região. São inúmeros processos – contra ao menos três grupos de empresas de comunicação – que seguem emperrados na justiça, alguns deles há mais de uma década. As dívidas são milionárias e as que foram pagas se deram por meio de leilões ou acordos. Os réus são políticos de vasto patrimônio que seguem livres, apesar das ações deferidas em desfavor destes.
A Mídia Caeté fez um apanhado dos principais casos em Alagoas e relata a história do esquema que já atinge quase 300 jornalistas. O não repasse do FGTS e o não pagamento das multas trabalhistas são os principais meios do calote. Conheça os caminhos seguidos por essas empresas até a falência, os desdobramentos judiciais, como reagiram os jornalistas e o que dizem os réus em sua defesa.
Tribuna de Alagoas
Em Alagoas, o primeiro caso de calote coletivo contra jornalistas tem pouco mais de uma década e ocorreu no final do ano de 2006, quando profissionais do extinto “Tribuna de Alagoas” acumularam quatro folhas de pagamento em aberto. Naquela época, o periódico pertencia a familiares de Paulo César Farias, o PC Farias – ex-tesoureiro assassinado, do ex-presidente e atual senador, Fernando Collor de Mello.
“Em 1991, PC montou o Tribuna de Alagoas, jornal que no final dos anos de 1970 e início de 1980 pertenceu ao usineiro e ex-senador Teotônio Vilela [o pai], em oposição aos jornais vinculados aos políticos aliados da ditadura militar. Na década de 1990, com o aval de Collor, PC contraiu um empréstimo no Banco do Nordeste de cerca de R$ 5 milhões (a moeda era o Cruzeiro). Esse dinheiro foi usado para construir o prédio no bairro da Serraria e comprar equipamentos, inclusive a rotativa. Com a morte de PC Farias, a família resolveu manter a ideia e continuou o projeto do jornal Tribuna de Alagoas, que chegou a ser concretizado em 1996, em fase experimental, logo depois de PC ser solto pela justiça. Mesmo com a morte dele [em junho daquele ano], a família manteve o veículo funcionando. Porém, sem condições de pagar o empréstimo, resolveu pelo arrendamento de todo o projeto. Em 2001, o grupo de Fernando Collor, tendo como preposto o empresário Elionaldo Magalhães assumiu a ‘Tribuna de Alagoas’, alterando o nome da empresa. O intento era tornar Collor governador de Alagoas, mas o ex-presidente perdeu a eleição para Ronaldo Lessa. Com a derrota de Collor, o projeto voltou para as mãos dos Farias (Augusto César, Luís Romero, Rogério e Cláudio) que em 2005 arrendaram a estrutura da Tribuna de Alagoas para o grupo do governador Ronaldo Lessa, tendo como preposto o irmão, Geraldo Lessa, que se aliou na gestão ao empresário Robert Lyra, filho do usineiro Carlos Lyra. A intenção era garantir a vitória de Ronaldo Lessa ao Senado, porém ele perdeu o pleito eleitoral para Fernando Collor, em 2006. Sem a tutela financeira do governo, já que o grupo de Lessa não tinha mais o controle do Estado, ocorreram atrasos salariais, de pagamento aos fornecedores e o aumento das dívidas trabalhistas que se somaram aos débitos das gestões dos Farias e de Collor. Então o grupo de Lessa abandonou o projeto, junto com os Farias, sem pagar ao BNB (Banco do Nordeste)”, conta Flávio Peixoto, diretor administrativo do Jornal Tribuna Independente.
Quando os profissionais perceberam não se tratar de uma má fase nas finanças do diário e entenderam que o caminho para a falência era dado como certo, agiram energicamente, decretando greve, ocupando o prédio e impedindo a retirada de qualquer objeto por parte dos arrendatários. Alguns meses depois, já em abril de 2007, e seguidos pelos gráficos – que também não receberam seus passivos – os jornalistas fundaram a Jorgraf, a primeira Cooperativa de Jornalistas e Gráficos de Alagoas. Todos os cooperados acionaram a Justiça do Trabalho e no processo foram incluídos os nomes do ex-governador Ronaldo Lessa, José Amaro Cavalcante e Lucas Normande Costa, considerados pela Justiça do Trabalho prepostos administrativos dos grupos de Ronaldo Lessa e de Roberto Lyra, em nome da ETN-EDITORA TRIBUNA DE NOTÍCIAS, empresa criada dentro do arrendamento. Usando a estrutura do extinto “Tribuna de Alagoas”, o grupo fundou o “Tribuna Independente”. O primeiro exemplar foi às bancas no dia 1° de maio de 2007. A cooperativa segue ativa com 60 cooperados, dez funcionários e gerando dezenas de empregos indiretos.
Mas apesar do caminho encontrado pelos jornalistas, e de parte da dívida, hoje imensurável, muitos trabalhadores seguem sem receber. “O valor da dívida trabalhista se tornou incalculável, porque ocorreu criação de empresas dentro de outra empresa, por meio dos arrendamentos. Portanto, foram muitos os funcionários que trabalharam nesses grupos. As dívidas eram resultantes de salários atrasados, falta de recolhimento do FGTS e da alíquota previdenciária. O grupo que criou a cooperativa já faz parte de uma quarta geração de profissionais com alguns poucos nomes que atuavam desde o início do projeto, em 1992. Além do mais, os verdadeiros responsáveis não assumiram as dívidas e os prepostos (empregados de confianças) que foram incluídos como parte questionada, não tiveram patrimônios questionados porque a justiça trabalhista não encontrou bens em nomes dessas pessoas. Na época do fechamento, a dívida trabalhista passava de dois milhões de reais, porque já havia processos em tramitação no TRT, além de atrasos salariais que já beiravam os seis meses”, explica Flávio.
Entretanto, mais de uma década depois, poucos trabalhadores receberam seus direitos trabalhistas. O prédio onde funcionava o “Tribuna de Alagoas” foi leiloado recentemente e acabou arrematado por cerca de R$ 1,8 milhão. Esse valor deve pagar parte do débito. “Esse pagamento pela Justiça do trabalho já começou e obedece alguns critérios de prioridade de acordo com idade ou problemas de saúde, alegados pelos reclamantes. Só que os valores pagos, em sua grande maioria, não representam nem 20% do montante reclamado com devida correção,” esclarece Flávio.
O Jornal
Embora a falência do grupo sucroalcooleiro liderado pelo empresário João Lyra tenha sido decretada somente no ano de 2012, desde novembro de 2008 a Laginha Agro Industrial S/A se encontrava em recuperação judicial – apenas dois anos depois de o empresário e ex-deputado federal João Lyra torrar parte de seu patrimônio em uma disputa eleitoral pelo governo de Alagoas, contra Teotônio Vilela Filho, e perder ainda no primeiro turno. Os negócios de João Lyra desandaram depois da alta soma investida na tentativa fracassada de se tornar governador.
Porém, somente em 2012, “O Jornal” sentiu de modo intenso os primeiros reflexos. Além dos salários atrasados, o periódico implantou um sistema de rodízio de pagamentos parcelados. A situação se agravou e, em resposta, os trabalhadores realizaram uma assembleia geral, na qual foi definido estado de greve. A mobilização ocorreu em uma sexta-feira (16) de novembro daquele ano, e a edição do sábado (17) acabou não indo às bancas. De modo precário, usando a ajuda de freelancers e alguns profissionais que furaram a greve, “O Jornal” publicou uma edição de domingo (18), que informava o fim de suas atividades, 18 anos depois de sua abertura. No dia 21, o fechamento se oficializou. “Numa nota de capa e no editorial, ‘O Jornal’ deu a lamentável notícia do encerramento das suas atividades, um golpe para os jornalistas que fizeram a história da empresa e para a sociedade alagoana, esquecendo o lema que sempre estampou: “Respeito ao leitor”, diz nota do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, emitida logo depois do episódio.
O “Grupo João Lyra” foi fundado em 09 de abril de 1951. Surgiu como uma companhia açucareira, a Usina Laginha, que nada mais era do que um pequeno engenho localizado em União dos Palmares. O Grupo cresceu e diversificou seus setores de investimento, tornando-se o terceiro maior grupo empresarial de Alagoas. Além do “O Jornal”, na área de comunicação o grupo controlava as rádios Jornal AM e FM; uma empresa no setor automobilístico, a MAPEL; uma empresa de táxi aéreo, a LUG; uma indústria de fertilizantes, a JL comercial agroquímica; além de cinco usinas no segmento sucroalcooleiro: Laginha, Uruba e Guaxuma, em Alagoas, e Triálcool e Vale do Paranaíba, em Minas Gerais. Juntas, as empresas geravam mais 14 mil empregos diretos e suas unidades industriais abocanhavam 20% das exportações brasileiras de álcool e 11% das exportações de açúcar do setor sucroalcooleiro do Nordeste.
Além dos erros administrativos e do capital investido em campanhas políticas (João Lyra já havia investido grande soma na campanha de Cícero Almeida para a prefeitura de Maceió e na sua própria ao governo, da qual saiu derrotado), uma enchente que assolou estados nordestinos em 2010 destruiu a Usina Laginha, em União dos Palmares, aumentando o prejuízo do Grupo que já passava dos R$ 2 bilhões. Mesmo em recuperação judicial, João Lyra decidiu reconstruir a Laginha e o fez em tempo recorde. A decisão de reconstruir a usina foi vista por muitos como mais um erro de gestão do empresário. A essa altura, o colapso nas empresas era inevitável. Quando a falência do grupo foi decretada, em 2012, suas usinas foram paralisadas e impedidas de moer cana de açúcar. Guaxuma e Laginha foram ocupadas por trabalhadores rurais. Uruba foi arrendada a uma cooperativa. Triálcool e Vale do Paranaíba foram vendidas em leilão no ano de 2017.
Em 08 de março de 2018, uma decisão da justiça afastou João Lyra e tirou dele o controle de seus bens. A curadora para fiscalizar a massa falida, depois de longa disputa judicial, é a filha do ex-usineiro, Maria de Lourdes Pereira Lyra, a Lourdinha Lyra, ex-vice-prefeita de Maceió. A família tenta reverter o processo de falência em recuperação judicial.
Procurado pela Mídia Caeté, um dos sócios da Lindoso e Araújo Ltda, José Luiz Mendonça, que gere a massa falida Laginha Agro Industrial S/A, explicou que é difícil, quase impossível, fracionar as ações trabalhistas ligadas somente ao segmento de comunicação do grupo. Ele explica que não há detalhamento de ações que envolvem jornalistas, mas esclarece que o número total de ações trabalhistas do grupo é de 9.779, com base no número de processos cadastrados no sistema. “No caso do ‘O Jornal’, infelizmente não temos esse número, pois a empresa não está sujeita à falência. O total de passivo da Massa Falida Laginha – que contempla os credores que pediram o redirecionamento das execuções do ‘O Jornal’ para a Massa Falida Laginha – é de aproximadamente R$ 2 bilhões, sendo aproximadamente R$ 300 milhões de natureza trabalhista”, esclarece Mendonça. A vultosa quantia chegou a colocar o grupo entre as dez maiores empresas devedoras do Brasil.
Hoje, sete anos depois do fechamento do “O Jornal”, a massa falida já pagou em ações trabalhistas o referente a R$ 235 milhões, que representa perto de 80% do total do débito. Parte desse valor foi paga a profissionais da imprensa.
O relatório completo sobre a massa falida Laginha Agro Industrial S/A está disponível no endereço eletrônico grupojl.com.br
Gazeta de Alagoas
Dono de uma TV afiliada à Rede Globo e com patrimônio de causar inveja, o senador Fernando Collor de Mello, ex-presidente do Brasil, nono senador mais rico do país – em patrimônio declarado – e principal acionista das Organizações Arnon de Mello (OAM), segue o mesmo esquema de calote. Suas empresas estão agora em recuperação judicial. Além da dívida milionária com débitos não previdenciários que chegam a R$ 247,6 milhões, sendo R$ 24,5 milhões referente a créditos trabalhistas, R$ 191,6 milhões quirográficos e R$ 1,4 milhão ME/EPP. Somente de ações trabalhistas a OAM acumula 199. Estima-se que destas, 173 sejam de jornalistas. O número total de ações trabalhistas foi apresentada pela própria Organização e prestadas na petição inicial da recuperação judicial.
Contudo, os números divergem dos divulgados pelo sindicato patronal, que em julho desse ano divulgou informações sobre dívidas trabalhistas da OAM. Segundo o Sindjornal, somente referente aos atrasos do repasse de direitos trabalhistas do “Jornal Gazeta de Alagoas”, “Rádio Gazeta “e “TV Gazeta”, a dívida chega ao montante de R$ 256 milhões. De acordo com dados do Cadastro Virtual de Atendimento ao Consumidor (e-CAC), da Receita Federal, o calote de Collor referente aos funcionários do jornal “Gazeta” soma R$ 112,5 milhões. Já a “TV Gazeta” deve R$ 138,5 milhoes, “Rádio Gazeta” e outros R$ 5,2 milhões.
O fato é que os desfalques financeiros na OAM se tornaram mais evidentes a partir de 2015, quando as demissões começaram a ser recorrentes e no ano de 2018 ocorreu a primeira leva de demissões em massa, quando o periódico “Gazeta de Alagoas” passou a ser semanal, após 88 anos desde a sua primeira publicação. Trinta jornalistas foram demitidos sem nenhum direito trabalhista pago. E após a greve realizada em julho deste ano, outros 15 (entre apresentadores, produtores e cinegrafistas). Dessa leva, todos tiveram que ser reintegrados, mas 11 foram demitidos cerca de um mês depois.
Despreocupado, ao registrar sua candidatura ao Governo de Alagoas em 2018, Collor declarou seus bens ao Tribunal Regional Eleitoral. Seu patrimônio? R$ 20,6 milhões. Entre os bens, 29 terrenos, 13 carros, motocicletas, caminhonetes, caminhões, lanchas, jet-skis e outros veículos declarados. Entre os automóveis, dois deles com valores entre R$ 943,6 mil e R$ 497,2 mil, os veículos não foram especificados, mas os valores não batem com a avaliação feita pela Polícia Federal, quando durante operação Lava Jato, em 2015, chegaram a apreender uma Lamborghini Aventador LP 700-4 Roadster, uma Ferrari 458 Italia e um Porsche Panamera Turbo, avaliadas em R$ 3,9 milhões, R$ 1,95 milhão e R$ 999 mil, respectivamente. Os mesmos veículos acumulavam uma dívida de R$ 335 mil em parcelas de IPVA atrasadas e a Lamborghini foi quase confiscada em 2016 pelo banco Bradesco por falta de pagamento das prestações. Os imóveis do senador são avaliados em R$ 2,8 milhões, incluindo um apartamento avaliado em R$ 1,8 milhão. Mas o senador também é adepto a empréstimos. Pelo menos nove em seu nome, totalizando pouco mais de R$ 8 milhões.
Mesmo com tanto dinheiro “voando” a Justiça do Trabalho não consegue garantir o pagamento dos credores. Até mesmo o leilão do prédio que abriga a sede da “TV Gazeta” e das duas rádios FM, previsto para o dia 30 de agosto do corrente ano, foi suspenso. Às 23:57 do dia 29, o ministro do STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva, suspendeu o leilão depois de as empresas do senador entrarem com pedido de recuperação judicial. Além da TV, outras sete empresas do “Grupo Arnon de Mello” estão inseridas no pedido, entre elas o jornal “Gazeta de Alagoas”, que agora é digital, o portal “Gazetaweb” e a “TV Mar”.
A Lindoso e Araújo Ltda, mesma empresa que cuida da Massa Falida Laginha Agro Industrial S/A, de João Lyra, é interventora da recuperação judicial da OAM e também falou com nossa equipe sobre o assunto. “No caso da OAM, sabemos que no curso da recuperação judicial, nos autos deste processo, ainda não houve qualquer pagamento aos credores, pois ainda não teve seu plano aprovado em Assembleia Geral de Credores. Contudo, não temos como responder por atos praticados antes da recuperação judicial”, explica Mendonça.
Enquanto isso, os jornalistas seguem sem receber.
“Ganhou, mas não levou”
A situação jurídica é tão complexa que os processos foram fatiados, entre ações do Sindicato dos jornalistas, Ministério Público do Trabalho e ações individuais de jornalistas. De forma que não há um número ou montante exato de ações trabalhistas envolvendo os três grupos.
Há um entendimento jurídico de que para evitar ações de desconsideração da personalidade jurídica (quando em uma decisão judicial os direitos e, mais comumente, deveres de uma pessoa jurídica, passam a se confundir com os direitos ou responsabilidades de seus proprietários) e outros atos adotados pelo Juízo Trabalhista, muitos empregadores colocam seus bens em nome de terceiros. Daí surgiu a expressão “ganhou, mas não levou”. A análise de juristas é de que sentenças trabalhistas transitadas em julgado se tornaram um dos maiores problemas da Justiça do Trabalho. Os exequentes passam a ter posse de títulos executivos judiciais inócuos.
A fraude, portanto, antecede as demandas do processo judicial. Ela começa bem antes de se tornar uma fraude contra credores ou uma fraude de execução. A discussão é de como o empregador não tem meios para pagar os empregados, mas esbanja uma vida de luxo?
Há uma discussão jurídica que trata o salário como um direito social das normas da ordem pública e, portanto, como um direito inviolável que integra os direitos fundamentais do indivíduo. O Art. 5º da Constituição diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”
O termo “obrigação alimentícia”, porém, não deve ser resumido à “pensão alimentícia.” “Obrigação Alimentícia é toda obrigação que determinada pessoa (física ou jurídica) tenha para com outra (onde se pode incluir o nascituro) que envolva subsistência de uma pessoa ou de um conjunto (pessoa mais os dependentes).
Portanto, há no país juízes como Jorge Luiz Souto Maior e Manoel Carlos Toledo Filho que pensam o seguinte sobre o assunto: “A dívida trabalhista, na sua essência, principalmente, os salários e as verbas rescisórias, é de índole alimentar. Repare-se, a propósito, que o legislador deu tratamento praticamente isonômico à pensão de alimentos e à dívida trabalhista. Cabe verificar, com efeito, neste sentido, a similitude entre o rito preconizado pela Lei 5.478/68, que dispõe sobre a ação de alimentos, e o rito da CLT. A semelhança é tanta, que se poderia dizer estarmos diante de dois diplomas germanos”. Os juízes defendem, portanto, a prisão civil por obrigação alimentícia, em casos de não pagamentos de dívidas trabalhistas.
Mas esses juízes são exceções. A regra é que o patronato consegue arrastar por anos suas dívidas na justiça do trabalho, algumas vezes não pagando-as. Porém, mesmo nos casos em que pagam, a prisão é incerta. Em entrevista à “Folha de São Paulo”, o ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ronaldo Lopes Leal, chegou a declarar anos atrás: “Há um espantoso conservadorismo entre os juízes do trabalho, que estariam sendo processualistas demais e esquecem de que são destinatários de normas constitucionais e de direitos humanos.”
Não bastassem as emboscadas as quais os jornalistas foram vítimas, em 2019 uma batalha judicial foi travada entre a categoria e os empresários da comunicação. No dissídio coletivo, a proposta do patronato era a redução de 40% do piso dos jornalistas que deram início a uma greve histórica, aderida por 95% da categoria – incluindo trabalhadores das três principais emissoras de TV – que durou nove dias e terminou com a vitória dos jornalistas após decisão da Justiça do Trabalho. Esta, não apenas inviabilizou a redução do piso, como garantiu um aumento percentual. Em retaliação, os donos de veículos demitiram massivamente jornalistas das redações de TV, impresso, rádio e web.
A Mídia Caeté procurou o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas e tratou de alguns desses temas jurídicos, sobretudo das ações resultantes da greve de 2019. Na atualidade, o MPT possui uma ação civil pública, que ainda tramita no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e que trata do descumprimento do dissídio coletivo dos jornalistas, tendo como base e conduta antissindical da não estabilidade provisória. O motivo é que havia um pedido do MPT que assegurava garantia de emprego aos jornalistas pelo prazo de 90 dias no pós-greve. O Tribunal Regional do Trabalho julgou o trecho da sentença favorável aos trabalhadores, mas não apreciou todos os pedidos. A partir daí foram apresentados embargos de declaração. A TV Gazeta e TV Mar (do grupo Arnon de Mello) conseguiram liminar de efeito suspensivo que garantia a estabilidade e não a garantia dos empregos, ficando livre, portanto, o patronato de demitir, desde que devidamente pagos os direitos trabalhistas de seus funcionários, entre eles os 90 dias (trabalhados ou não). A liminar tem efeito suspensivo à decisão do juiz de primeira instância, da qual, mais uma vez, a OAM se favoreceu da decisão e demitiu uma lista contendo 11 trabalhadores, que seguem com seus direitos trabalhistas sonegados até os dias atuais. O MPT aguarda, portanto, o julgamento do embargo e o julgamento em segunda instância do mérito do recurso, ainda não pautado pelo Tribunal.
Logo depois desse imbróglio, foi julgada a ação de recuperação judicial em favor da OAM. Aquela assinada às 23h57, do dia 29 de agosto de 2019, pelo ministro do STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva, suspendendo o segundo leilão de prédios da OAM depois de as empresas do senador entrarem com pedido de recuperação, obstruindo, novamente, o direito de os jornalistas receberem seus créditos trabalhistas.
Jornalistas se reinventam
Mas o tiro parece ter saído pela culatra. Se o objetivo era enfraquecer a categoria, unidos, os jornalistas, no Brasil e no mundo, têm se reinventado e fundado veículos alternativos e independentes, com linha editorial e arrecadação de fundos próprios. Sem a presença dos patrões, meros atravessadores, o novo modelo de jornalismo deve democratizar a informação e diminuir os ruídos, infortúnios e limitações transferidos às linhas editorias dos jornais, sempre regadas dos interesses pessoais dos donos. Livres, os jornalistas garantem liberdade às pautas e suas abordagens.
Em Alagoas, a Mídia Caeté é um desses veículos independentes e inaugura seu portal esmiuçando a trajetória empresarial de alguns desses patrões, como eles conduzem suas empresas e como violam direitos trabalhistas, contaminando a informação e quem as produz.
Defesa dos réus
O ex-governador Ronaldo Lessa se defendeu das acusações e alegou se tratar de erro grosseiro cometido pela Justiça. Lessa nega ter sido dono de qualquer veículo de comunicação e, portanto, não assume a dívida. Lamentou que a interpretação da Justiça tenha sido a de que ele era um sócio oculto da empresa e alegou que não tinha sequer dinheiro para recorrer da decisão. Ressaltando ainda, ser esse “outro erro do país”, referindo-se ao depósito recursal, necessário a quem deseja recorrer de uma decisão judicial em uma nova instância. Por fim, Lessa alegou não ter nada a dizer, a não ser lamentar o ocorrido e o envolvimento de seu nome.
A Mídia Caeté também tentou contato com Maria de Lourdes Pereira de Lyra, a Lourdinha Lyra, gestora dos negócios do ex-deputado João Lyra, desde a interdição parcial do ex-usineiro em razão do seu estado senil, garantida pela 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Alagoas. A Mídia Caeté entrou em contato com a secretária de Lourdinha, que atendeu nossa ligação, mas alegou estar em reunião e que não poderia tratar do assunto no momento. Enviamos mensagens de texto e tentamos outras ligações, sem sucesso.
Procurada por nossa equipe, a assessoria do senador Fernando Collor (PROS) nos repassou o contato do Diretor Executivo da TV Gazeta, Luiz Amorim, para tratar do assunto. Amorim não respondeu nossas mensagens e também não atendeu ou retornou nossas ligações.