Prefeitura recua certidão de empresa que pretendia armazenar ácido sulfúrico no Porto de Maceió

Decisão ocorre após mobilização de sociedade civil organizada, preocupada com riscos de novo desastre ambiental

Após entidades da sociedade civil organizada se mobilizarem em confronto à possível instalação de uma unidade de recebimento e estocagem de ácido sulfúrico no Porto de Maceió, a Prefeitura de Maceió recuou a certificação que abria a permissividade para o empreendimento. Nesta sexta-feira (23), a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) publicou um ato decisório, no Diário Oficial do Município, que revoga a Declaração nº. 001/2022, diante da requisição de uso e ocupação do solo por arte da empresa Timac Agro Indústria e Comércio de Fertilizantes.

No documento, publicado nesta sexta-feira, a SEMURB declarou que: “Considerando que o objeto de armazenamento pretendido pela empresa Requerente é um produto de alta volatilidade, além de que nas proximidades o ambiente possui risco de explosividade, vez que existe armazenamento de produtos inflamáveis e outros desta natureza, o que com a sinergia pode causar um desastre de grandes proporções, pois mesmo o ácido não sendo inflamável, mas corrosivo, havendo a ocorrência de um incêndio, poderá tudo misturado causar uma verdadeira tragédia”.

Dias antes, a Prefeitura de Maceió já havia divulgado uma nota comunicando que não havia autorizado especificamente o licenciamento do tanque de ácido sulfúrico, restringindo a uma liberação apenas do uso e ocupação de solo.

O Instituto do Meio Ambiente (IMA) também se manifestou, declarando que a empresa não possuía, ainda, licenciamento para a estocagem e recebimento.  Após a audiência pública, o órgão informou, em nota oficial, que “em prazo de 45 a 60 dias, a comissão deverá se pronunciar sobre o andamento dos trabalhos. Entretanto, diante de dúvidas que têm surgido, é importante lembrar que a licença ambiental do Porto de Maceió não dá permissão para a instalação de outros empreendimentos em sua área. Cada empreendimento instalado requer licença ambiental específica”.

No mais, também declarou que cada etapa do processo exige uma licença ambiental específica. “No caso da empresa Timac Agro e do depósito de ácido sulfúrico, após o cumprimento das etapas de análises, o pedido pode ser indeferido ou deferido. No final, todo o processo é remetido, ainda, ao Conselho Estadual de Proteção Ambiental (Cepram).”

As declarações de Estado e Município vieram, entretanto, em resposta a uma série de mobilizações realizadas por entidades e grupos da sociedade civil que vinham demonstrando as preocupações em relação a mais um potencial risco de desastre ambiental na capital alagoana.

A empresa pretendia receber embarcações contendo ácido sulfúrico no terminal portuário de Maceió e instalar – dentro do local – um tanque de 8 mil metros cúbicos para armazenamento do produto químico, de modo a encurtar a distância de transporte terrestre até a fábrica, localizada na cidade de Santa Luzia do Norte, reduzindo os custos logísticos da empresa.

Slides mostram motivação da empresa durante audiência pública.

Os primeiros sinais de que maceioenses não estariam dispostos a correr mais risco de desastre ambiental foram percebidos durante a audiência pública promovida pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) e pela empresa Timac Agro Indústria e Comércio de Fertilizantes – como parte do processo de licenciamento para instalação do empreendimento.

Mesmo convocada com menos de 45 dias de antecedência, e realizada em uma sala com baixa capacidade de público, dentro do Porto, o evento teve ampla participação e veementes críticas da população presente, de especialistas e representantes de entidades, que confrontaram frontalmente as tentativas da TIMAC Agro de estabelecer uma atmosfera de segurança diante da presença de um depósito de mais de 8 mil metros de ácido sulfúrico na área urbana.

Sem ater profundamente sobre sua gravidade e definição, a empresa chegou a enumerar alguns dos riscos identificados como mais significativos: a contaminação do solo e das águas subterrâneas, de águas superficiais, alteração dos ecossistemas aquáticos e terrestres, mortandade da fauna e flora lindeira e a interferência sobre o tráfego marítimo nas atividades pesqueiras.

Apesar de mencioná-los, a apresentação do Estudo da Análise de Risco gerou grande controvérsia, ao começar minimizando os efeitos do ácido sulfúrico.

Estudo de Análise de Risco apontado pela empresa, durante audiência pública.

No mais, o representante da ENSIMA, empresa responsável pelo estudo dos Impactos Ambientais, Clayton Tavares, afirmou que as ações de mitigação tinham capacidade de anular completamente os riscos apresentados, causando ainda mais desconfiança entre os presentes. “Existem inúmeras medidas de mitigação adotadas pelo empreendimento a nível de infraestrutura e, aliadas ao controle que pretendemos colocar, acreditamos que todos esses riscos seriam totalmente anulados”.

As informações não convenceram a população e as entidades. Durante o debate, o empresário e morador da região, Alexandre Sampaio, iniciou os questionamentos levantando a insegurança quanto ao processo da industrialização em área urbana, trazendo à tona uma série de informações ausentes na apresentação.

“Não vi – na área de influência – o número de trabalhadores que trabalham no porto, o número de pessoas que circulam, o número de pescadores, turistas que eventualmente estejam no mercado das artes, no empresarial, entre outras coisas. Me impressionou quando os senhores disseram que o ácido sulfúrico é um elemento atóxico e que, por isso, ele praticamente não tem risco”

Presente na atividade, e representando os trabalhadores da Federação Nacional dos Petroleiros e do Sindicato dos Petroleiros, José Luciano emitiu mais uma série de questionamentos que não chegaram a ser contemplados na apresentação da empresa. “Em cidade com vocação turística em Maceió, e tendo em vista que o vazamento é inevitável que aconteça, um dia vai acontecer. Isso aqui vai vazar. Vale a pena correr esse risco de poluir o mar, de acabar com o turismo? Como serão tratados os pescadores de Jaraguá? Não foi dito”.

O promotor de Justiça Alberto Fonseca, do núcleo responsável pela defesa do Meio Ambiente, corroborou. “Com esta localização, a gente não está indo na contramão do que se pensa sobre sustentabilidade? Foram feitas alternativas locacionais? Recebi há dois dias 708 páginas de um estudo fantástico – mas de plano, eu faço a impugnação da localização do empreendimento no porto de Maceió, posto que é um risco que hoje não tem e passará a ter, apesar de todos os cuidados. Vejo isso como contramão e desrespeito à qualidade ambiental do maceioense”.

Bióloga e representante do Movimento Unificado de Vítimas da Braskem (MUVB), Neirevane Nunes, também apresentou as críticas à implantação e às informações colocadas pelas empresas que fizeram o Estudo de Impacto Ambiental e a RIMA.

“O ácido sulfúrico é altamente tóxico, e aqui diz que é atóxico. É hidroscópico, age com a água. Ele causa danos irreversíveis à saúde, podendo ser fatal. É uma substância altamente corrosiva e agressiva aos tecidos do corpo, causando queimaduras gravíssimas. Se inalado, pode afetar diretamente as vias respiratórias, pulmões e ser letal. Levar à morte. Também são cancerígenos os vapores desse ácido. Não foram colocadas estas informações. Qualquer pessoa pode fazer pesquisa nas literaturas disponíveis e facilmente vai saber disso”.

A representante do MUVB alertou, ainda, para o risco de mais um crime ambiental. “É um absurdo vermos Maceió caminhando para novo crime ambiental. Já tivemos crime da Braskem e agora outra situação de crime socioambiental iminente, em potencial”. Ao criticar a ausência de ampla divulgação da audiência, Neirevane Nunes também atentou para a necessidade de que a população tivesse tempo suficiente para debate. “Uma audiência pública para a discussão de um problema dessa magnitude era pra ser divulgado. Estamos falando de porto urbano, em área intensamente povoada”.

Empresa arrematou outorga de parte do Porto em 2020

Com fábrica em Santa Luzia do Norte instalada desde 2004, a empresa Timac Agro, que pertence ao grupo Francês Roullier, arrematou o terminal de granéis líquidos do Porto de Maceió por R$ 50 mil, com um contrato de 25 anos, em um leilão realizado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), em dezembro de 2020. Já à época, havia sido publicizado o plano da empresa de facilitação de transporte de ácido sulfúrico – matéria-prima para a produção dos fertilizantes.

Apoie a Mídia Caeté: Você pode participar no crescimento do jornalismo independente. Seja um apoiador clicando aqui.

Recentes