Banda De Mercado: jovens lançam EP e apostam na diversidade de referências para garantir o rock em Inhapi

Músicos do Alto Sertão relatam sobre as referências de temas e ritmos na construção da identidade
Banda Demercado: Jean Alencar, Alvani Jhonat, Gustavo Feitosa, Luiz Henrique Feitosa e André Alencar . Foto: Divulgação

“Sabe quando antigamente existia aquela expressão ‘bandas de garagem’, se referindo aos grupos que ensaiavam dentro das garagens de casa? Pronto, ao invés de ser banda de garagem, a gente se juntava e ia ensaiar no mercadinho. E quando estávamos desesperados sem encontrar o nome para a banda, o Tiago, que é nosso produtor e parceiro, começou a pensar e aí sugeriu o nome da Banda De Mercado”. Foi neste mesmo clima espontâneo relatado pelo vocalista Gustavo Feitosa, que foi se formando aquela que, até onde se sabe, é a primeira banda de rock na cidade de Inhapi, pelo menos dos últimos tempos. Com ensaios que começaram dentro do mercadinho fechado, o grupo é composto por cinco jovens que se conhecem desde a infância: os irmãos Gustavo e Luiz Henrique Feitosa, Jean e André Alencar, e Alvani Jhonat. No início deste ano, o grupo lançou este ano o primeiro EP com músicas autorais. Agora, guardam na manga pelo menos outras 20 músicas em fases diferentes, muitas já em finalização.

Segundo os artistas, a escolha do nome teve também outros motivos. “A gente sabe que não é o melhor nome, mas nos identifica. Não só pelo ensaio ser no mercado, mas pela questão dos ritmos. No mercado, você encontra toda uma variedade. E a gente também foi nessa intenção. A gente quer fazer som, falar das nossas verdades e tocar do jeito que a gente gosta com muitas influências diferentes, entre samba, forró, MPB, bossa. A gente quer fazer um rock com tudo isso”, explica Gustavo.

E assim o guitarrista Luiz Henrique menciona algumas das obras “Tem a ‘Vim te Ver’ que tem sotaque nosso, com baião. Tem músicas internacionais com notas mais dançantes. A gente faz música falada que parece com rap. É uma mistura grande de estilos, e músicas para todos os gostos, das mais românticas às mais pesadas e que falam de revolta”.

Rock no interior

São vários os planos e uma ideia certa: querem fazer tudo isso na cidade em que vivem. Situada no Alto Sertão alagoano, Inhapi tem hoje aproximadamente 18,6 mil habitantes e uma histórico relativamente recente de colonização – registrada pela primeira vez em 1902 – e de emancipação em 1962, quando desmembrada do município de Mata Grande. Como estampa a página oficial do município, seu nome vem do tupi com o significado de “Buraco sobre a Pedra” ou “Água sobre a Pedra”. É também Inhapi a terra em que o povo Koiupanká preserva a tradição e a história e enfrenta a resistência em defesa da etnia. Na cidade sertaneja, o povo vive principalmente de agricultura familiar e de atividades comerciais e pecuária. Inhapi tem festejos tradicionais, Carnaval fora de época no mês de maio, e artistas populares.

Os jovens artistas de Inhapi relatam que foi no convívio entre amigos e famílias que tudo começou. Jean Alencar, que vem sendo o articulador e relata que o grupo é composto por duas famílias, reunidas através do interesse pela música. “Descobri Gustavo por ser casado com a parente dele e então soube que ele estava compondo. Me interessei pela voz dele e começamos a compor junto”, conta.

Luiz Henrique, irmão de Gustavo, conta que estava aprendendo a tocar violão e cantar. “Como não conseguia fazer as duas coisas ao mesmo tempo, pedia para Gustavo cantar”. Alvani, por sua vez, teve influência do irmão e de Jean. Já André relata que toca desde 2001. Entre os diversos instrumentos, ficou com a bateria.

“A gente meio que se conhecia desde pequeno”, rememora Luiz Gustavo. ”Tínhamos nos reunido também pela música através da igreja, criamos os laços e começamos a trabalhar na própria música. Comecei a conversar e compor sozinho, depois fui marcando ensaios com Jean e os outros meninos”, conta. Sob influência do mais velho, Jean, o grupo foi pegando o gosto pelo rock nacional e pop rock, de Barão Vermelho e Legião. “E a gente começou a explorar também outros ritmos”, conta.

André conta que tudo aconteceu de forma bem espontânea. “Não tínhamos o projeto bem definido no começo. As ideias fluíam, sem ficarmos pensando muito. Jean e Gustavo faziam o arranjo principal, depois ensaiávamos e íamos nos influenciando assim. Uma das músicas, Você é Sol, só chegamos a passar duas vezes antes de gravar”, comenta.

Foto: cortesia

Sem tempo ruim, o grupo tenta aproveitar todo o processo e nem a pandemia atrapalhou a ideia. “Foi o período em que fizemos várias composições. Às vezes pelo WhatsApp, e às vezes juntos. Hoje, temos essa quantidade considerável de 20 músicas compostas, quatro gravadas que falta arranjar algumas detalhes”, diz Henrique.

Desafios

“Temos outras preocupações e não conseguimos só nos dedicar as ensaios”, conta Henrique. Além de integrante da De Mercado, também atua como professor de história em escola indígena e é agente indígena de saneamento – sendo ele e o irmão Luiz Gustavo também do povo Koiupanká, em Inhapi. Já Alvani tem uma padaria, Jean um mercado, e André atua com marketing digital e alguns outros trabalhos. É difícil conciliar coma vida pessoal, porque a gente também tem que se sustentar”.

Ainda assim, o grupo relata que já identificam certo reconhecimento, seja no crescimento de acessos nas plataformas digitais, seja nas ruas. O desafio da dedicação à música – quando cada integrante da banda desempenha outros ofícios para inclusive garantir a renda – é ainda mais acentuado quando se trata do “viver do rock” num município em que a cena não aparece. Luiz Henrique comenta: “Nos municípios do interior, o estilo mais predominante é o forró, ou o piseiro, muita gente gosta também de funk. Rock tem ouvinte, mas não tanto como esses estilos. Então, a gente pensa um pouco nisso e vem buscando espaços e contratos para começar a fazer as apresentações”.

Para Henrique, é preciso expandir o estilo musical para novos públicos. “Hoje, somos a única banda de rock numa cidade pequena. Penso que as bandas de rock podiam se inteirar com outros estilos, porque elas sairam do mainstream muito por preconceito da cena. Temos festivais como o Rock In Rio, que iniciou nos anos oitenta exclusivamente com rock, mas hoje tem atrações bem diferentes e artistas de outros estilos. Se você faz festival exclusivo de rock, só vai quem está acostumado a ouvir rock, não vai atrair pessoas novas, e ficam sempre as mesmas pessoas. Já quando é mais diverso, uma pessoa que curte sertanejo e ouve MPB e acha legal. Talvez, a gente se sabote nisso para ouvir sempre as mesmas pessoas”, conta.

Temáticas sociais

A diversidade de ritmos se mistura ainda às temáticas. “Falamos sobre nossa realidade, questões de conjuntura política, amor, trabalho, o esforço. Cada música tem temas muito variados mesmo”, relata Henrique. Gustavo completa: “A inspiração é mágica. Por vezes, vem com uma única palavra, uma imagem. Tem coisas que acontecem o tempo todo e ninguém fala a respeito. E acabam esquecendo o que está acontecendo”, completa.

Uma das canções mencionadas trata-se da “De Esmola”, cuja narrativa retrata o cotidiano de pessoas em situação de rua. “Como que alguém morre de frio ou de fome e isso não choca mais, a ponto de ninguém falar sobre isso? Entendo que a música pode ser uma ferramenta de fazer as pessoas refletirem. Por vezes, quando você fala algo que você pensa, as pessoas não pensam tanto no assunto, mas quem sabe quando você faz a música, talvez as pessoas reflitam mais”, relata.

Outra música mencionada é a do Circo. “Tem uma que é circo que fala da conjuntura em que os políticos brincam com as pessoas. Ela diz até ao respeitável público que o circo é da elite, mas os palhaços somos nós, brasileiros, mais humildes e mais pobres”, cita.

Outras músicas, no entanto, falam de assuntos mais diversos. “A gente tem músicas também que são mais para entretenimento e diversão outras que falam de relacionamento”, acrescenta André.

Para Jean, a forma como conseguem conciliar todas as ideias é o que resulta nas produções e torna o processo mais harmônico e leve. “É muito natural o processo e a gente consegue casar bem a composição em conjunto, sem forçar. Pensamos num tema, ouvimos a letra e as ideias vêm quase prontas. Tudo muito rápido. A gente complementa fácil e depois ensaiamos com o grupo todo”. Desde fevereiro, o EP está disponível em plataformas como Spotfy, além do canal do youtube.

 

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