Bandeira nacional: símbolo de coesão ou de tensão?

Ostentar bandeiras do Brasil tornou-se símbolo do bolsonarismo e revela as tensões do nosso cenário político. 

Texto de Renata Menezes.

Quem passou pela orla de Maceió – nos últimos dias – viu inúmeras bandeiras do Brasil expostas em varandas, janelas e tremulando nos postes que margeiam o calçadão. A intervenção na paisagem urbana, que se repetiu em outras cidades do país, poderia ser confundida com Copa do Mundo, mas, na verdade, é uma comemoração ao dia da Independência e revela as tensões do nosso cenário político.

O 7 de setembro se repete todos os anos, é claro, e sempre conta com celebrações nacionalistas para comemorar o momento quando o Brasil definitivamente deixou de ser uma colônia de Portugal. Por aqui, por exemplo, era uma tradição o desfile militar. 

Bandeiras e tratores. | FOTO: Bruna Chancelier.

No entanto, neste ano a data deixa um gosto amargo na boca: o presidente Jair Bolsonaro se apropriou da comemoração e convocou seus apoiadores a saírem às ruas para defender seu projeto político. Esses fazem questão de empunhar a bandeira verde e amarela como símbolo máximo dessa associação ideológica.

Do lado oposto, alguns militantes tentam, timidamente, tomar para si o direito de utilizar o auriverde pendão em suas manifestações e de vestir as cores nacionais. Afinal, se a bandeira é do Brasil, deveria ser capaz de representar todos os brasileiros!

Vemos surgir, então, uma disputa pelos símbolos nacionais que ilustra a crise de sentido que enfrentamos. Quem é mais brasileiro para ter o direito à bandeira?

A quem pertence a bandeira?

Olhando alguns séculos para trás, vemos que a construção das nações não aconteceu de forma espontânea, muito menos natural. Todas elas foram fruto de disputas políticas entre diferentes povos, que ora se aglutinavam para unir forças, ora lutavam pela separação. Em alguns casos, inclusive, essas disputas seguem se desenrolando, como é o caso da região da Catalunha, na Espanha.

Nesses processos de formação, os símbolos nacionais foram ferramentas fundamentais para promover o sentimento de pertença. Hinos, bandeiras e brasões foram criados como forma de delimitar territórios e identificar que grupos pertenciam a que local. Assim, as identidades nacionais se tornam coesas internamente pelo compartilhamento de símbolos oficiais e também culturais. 

A atual bandeira do Brasil, por exemplo, foi criada e oficializada às pressas, apenas quatro dias depois da Proclamação da República. Apesar de manter as cores e até mesmo formas da bandeira imperial, essa urgência demonstra a necessidade de romper com símbolos nacionais anteriores, já que o Brasil Império precisava ficar para trás nesse novo capítulo da história.

Apoiadores de Bolsonaro na orla de Maceió. | FOTO: Bruna Chancelier.

Dessa forma, enquanto brasileira, hoje em dia, eu devo me sentir representada pela atual bandeira verde e amarela e colocar a mão no peito ao início de “ouviram do Ipiranga as margens plácidas…”. Do lado da informalidade, samba, feijoada e caipirinha reforçam essa identidade tupiniquim e tudo isso vira uma grande festa na Copa do Mundo.

Esses campeonatos internacionais, aliás, servem como exemplo para mostrar como essa identidade nacional também depende da diferenciação. Afinal, é preciso demarcar quem somos nós ou quem são eles. Assim, se um brasileiro vê um gringo envolvido na bandeira Celeste, pode até não identificá-lo como argentino, mas sabe que ali não está um conterrâneo.

É por isso que, durante eventos como a Copa do Mundo ou as Olimpíadas, usamos e abusamos desses símbolos nos estádios e arenas. Marcamos nossa posição: estamos aqui pelo Brasil e torcendo contra nosso adversário, seja ele qual for, que também aposta nas suas cores nacionais para delimitar seu território.

O sinal de alerta surge, então, quando esse símbolo precisa ser acionado internamente e se torna objeto de uma disputa brasileiros x brasileiros. Se não estamos em conflito ou partidas de futebol contra outros países, qual a necessidade de reforçar o uso da bandeira nacional? Mais que isso, por que estamos brigando para saber qual grupo tem o direito de erguê-la?

Dessa forma, a cooptação desse símbolo nacional pelos apoiadores de Jair Bolsonaro revela a profunda crise de sentido em que estamos mergulhados. Um país que precisa determinar quem é o cidadão mais autêntico deixa claro o seu nível de desorganização interna. A associação da bandeira ao projeto político-ideológico em curso é prova da nossa fragilidade enquanto nação.

Se uma nação precisa ser coesa e manter seus cidadãos unidos para existir, o Brasil deixa claro agora que ainda não está pronto. Cinco séculos depois do início da colonização, as tensões sociais continuam abertamente expostas. Não existe coesão em um país onde as desigualdades só se aprofundam. O Brasil que desejamos ainda não foi inventado.

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