Barriga seca não dá sono: quase 60% da população alagoana enfrenta insegurança alimentar moderada ou grave

Estado também figura com a maior porcentagem de endividamento do país, segundo a pesquisa
Insegurança Alimentar em Alagoas é a terceira maior do país. Foto: Wanessa Oliveira

Barriga seca não dá sono. O verso da canção de Flávio José ajuda a ter em mente o quanto os números que vêm a seguir doem, angustiam, adoecem. Com 59,9% da população enfrentando insegurança alimentar moderada ou grave, Alagoas é o terceiro pior estado do país a estampar um dos aspectos mais aterradores da desigualdade social, da ineficiência na execução de políticas públicas e outras particularidades sociais. É ainda o estado com maior porcentagem de pessoas endividadas do país.

As informações foram coletadas pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e constam como suplemento do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil e destrincha as condições específicas de cada estado, além do Distrito Federal. Essa é a segunda edição do documento, que trouxe resultados em cima de 12.745 domicílios situados em áreas urbanas e rurais do país, 451 delas em Alagoas. Já a primeira pesquisa foi publicada ainda em 2021 e trouxe dados nacionais.

A renda é uma grande indicadora e a comparação com outros estados torna ainda mais explícita a discrepância: se em Sergipe, apenas 6% da população tem a menor faixa com até um quarto do salário mínimo por, em Alagoas o número sobe para 43,7%. O número extrapola em mais de três vezes o nacional, que está em 14,5%. A diferença se destaca, inclusive, dentro do próprio Nordeste, que figura com 20% de pessoas convivendo com até 1/4 do salário.  Chama atenção ainda o endividamento: é o maior do país, com 57,5%.

Endividamento nos domicílios tem também a maior proporção em Alagoas. Foto retirada do Suplemento.

Quem segue na linha de frente enfrentando estas condições é o perfil já conhecido de antes da pandemia: as mulheres pretas. A pesquisa consolida que as pessoas de referências nos domicílios são, em  57,4% dos casos, mulheres; em 77,3% pretas ou perdas; e, finalmente, em 67,9%  sem escolaridade ou com até oito anos de estudos.

O desemprego é então destacado pela própria pesquisa, de 12,0%, número muito acima dos 7,7% da região Nordeste. O número não considera as condições de trabalho ultraprecarizadas e de remuneração ínfima. Há uma categoria identificada como “outros” que o estado figura com 48%: não são formais, informais, nem desempregados, nem autônomos e nem agricultores.

Ao se debruçar sobre o período da pandemia, a rede de pesquisadores constatou uma piora no acesso aos alimentos confirmando como a fome volta a estender nas dimensões nacionais muito além dos grupos que historicamente já se encontravam nessa linha de vulnerabilidade imposta pela desigualdade social, e inclusive acentuada pela falta de políticas públicas nesse período de maior emergência.

Entre os destaques dados pelo documento, o estudo demonstra a relação entre a insegurança alimentar e o trabalho formal, e como os casos de insegurança alimentar estão diretamente associados aos níveis mais severos de insegurança, como é a situação de Alagoas com 61,5% dos casos.

Apesar do grande contingente de pessoas propícias a serem inseridas em programas sociais para suprimento mínimo da alimentação, nos moldes do Auxílio Brasil e do Programa Bolsa Família, o estudo mostrou que 49,7% das pessoas que convivem com insegurança alimentar, recebendo até metade de um salário mínimo, não recebeu benefício.

Alagoas teve destaque negativo constante no documento, mas o que o Suplemento demonstrou como conclusão chave foi a dinâmica comum entre diversos indicadores sociais e a relação com a IA, fornecendo subsídios para construção de políticas públicas focadas nos problemas que geram a insegurança.

“As diferenças entre os estados estão ligadas tanto aos processos históricos de suas dinâmicas populacionais, estruturas socioeconômicas e processos políticos, quanto à aderência das decisões político-administrativas
e das agendas de organizações sociais às necessidades de suas populações locais. Além de fomentarem reflexões sobre dinâmicas locais, as evidências aqui apresentadas permitem detectar similaridades entre estados e estabelecer conexões com os processos nacionais causadores das mazelas intrínsecas à Insegurança Alimentar”.

Dados da pesquisa mostram situação de Alagoas em relação ao nordeste em termos de Insegurança Alimentar.

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