Resumo
Se a vinda do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a Alagoas tinha o objetivo de produzir alguma mostra de poder e prestígio ao presidente, posicionando o estado no fogo cruzado de afronta coronelista, é possível afirmar que a sequência de acontecimentos foi no mínimo embaraçosa para o chefe do Executivo. Organizada por seus aliados, a visita nesta terça-feira, 13, tinha a justificativa oficial da entrega de 500 residenciais no Conjunto Oiticica I, no Benedito Bentes, em Maceió. Na prática, entretanto, o evento foi articulado politicamente para confrontar o governador Renan Filho (MDB), e o senador Renan Calheiros (MDB), este último relator da CPI que investiga Bolsonaro.
Em apenas um dia, Bolsonaro conseguiu: promover aglomeração sem usar máscara – enquanto é investigado por suas condutas diante da pandemia do Coronavírus e por ter recusado a aquisição de vacinas -, ser recebido com protesto de dezenas de movimentos sociais em toda a capital alagoana, ganhar um título falso de cidadão honorário, e finalmente inaugurar obras cujo crédito de sua gestão é, no mínimo, questionável.
Antes mesmo de sua chegada, integrantes de movimentos sociais de todo o Estado estiveram presentes no Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares, em Maceió, para protestar contra a visita do Presidente da República. Em suas redes sociais, a jornalista e presidenta do diretório municipal da Unidade Popular (UP), Lenilda Luna, compartilhou a ação da Polícia Militar contra os manifestantes. No vídeo, Lenilda afirma que a ação, identificada como ela como sendo do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) teve como objetivo oprimir os movimentos sociais.
“As ruas são do povo, a cidade é do povo. É para cima desse povo, que está lutando por direitos, que a polícia vai. Aqui está o povo lutando por direitos, lutando por vacina, lutando por moradia, lutando por empregos, pois temos milhares e milhares de desempregados. Agora é muita coragem [por parte dos policiais], para cima de uma senhorinha. Sempre tem um [policial] que é o maior corajoso para cima de mulheres, crianças, senhorinhas, para gritar”, relata a presidenta da UP em Maceió.
Lenilda Luna reclama ainda da presença de propaganda política em praça pública (próximo ao “viaduto da PRF). Na imagem é possível ver um outdoor do prefeito de Rio Largo, Gilberto Gonçalves (PP), parabenizando ao deputado e presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP).
“Agora é impressionante a mobilização para reprimir os movimentos populares, mas os políticos fazem tudo errado, inclusive ocupar uma praça pública com publicidade indevida e ninguém vê, ninguém tem olhos para isso. Só têm olhos para ver o povo lutando por direitos legítimos, por direito às vacinas. Mais de 420 mil pessoas que estão morrendo, muitas delas poderiam ser evitadas se a vacina tivesse chegado a tempo, se a gente tivesse um governo que se preocupasse com o povo”, informa Lenilda.
Integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Débora Nunes também estava no ato e utilizou as redes sociais do movimento para protestar sobre a visita do presidente Jair Bolsonaro.
“Falamos aqui de Maceió, direto de um dos pontos de concentração dos movimentos populares do campo e da cidade, também do movimento sindical, para protestar sobre a passagem do Bolsonaro aqui em Alagoas. Bolsonaro que supostamente veio a Maceió inaugurar obras que não foram feitas pelo seu Governo. Obras que tiveram seus últimos recursos liberados em 2018. Viemos para denunciar a política genocida desse Governo, nosso povo tá morrendo. Estamos nas ruas para exigir vacina no braço para todos e todas, exigir que o povo tenha comida e possa viver dignamente. Estamos aqui para dizer que, em terra de Zumbi [dos Palmares], genocida não se cria”, afirma Débora.
A Mídia Caeté procurou a Polícia Militar em busca de respostas sobre as denúncias de manifestantes, mas a corporação não respondeu.
Agenda
Oficialmente, o presidente Jair Bolsonaro veio a Maceió para uma agenda de inaugurações de obras. Com o prefeito João Henrique Caldas, o JHC (PSB), acontece a entrega de 500 unidades habitacionais no Benedito Bentes. O Ministério do Desenvolvimento Regional investiu R$40 milhões no residencial por meio do Programa Casa Verde e Amarela. A versão do atual governo para o Minha Casa, Minha Vida – que já havia iniciado a construção do residencial.
Foi inaugurado ainda o viaduto da Polícia Rodoviária Federal, com a participação de Tarcísio Gomes de Freitas, o ministro da Infraestrutura. O chefe da pasta ficou ainda mais conhecido ultimamente ao ser avistado na garupa da moto pilotada por Bolsonaro, no último dia 8, ambos sem capacete. A obra também teve participação do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), desafeto recente de Jair, que não compareceu ao evento. Nas redes sociais, Renan Filho também se manifestou:
Durante inauguração do viaduto, o presidente incluiu ainda em sua performance pessoal gestos de berrante – em uma analogia direta de chamado ao ‘gado’, e efetuando gestos de roubo.
Durante sua passagem pelo estado de Alagoas, Bolsonaro também usou o Exército como segurança – além do acionamento da PM para conter manifestantes. Em São José da Tapera, a inauguração do Trecho IV do Canal do Sertão Alagoano é o motivo da visita.
Os presentes
Além do cicerone JHC, o vereador Leonardo Dias (PSD) e o deputado Cabo Bebeto (PTC) – que pretende conceder o título de cidadão alagoano ao presidente – orquestraram uma aglomeração que estava estimada em torno de 5.000 pessoas para recepcionar Bolsonaro. Não houve esse contingente, mas o tumulto foi suficiente para intensificar os riscos de contágio em meio à pandemia.
A aglomeração intensifica diretamente o número de leitos ocupados, independentemente de quem as realiza. Entretanto, autoridades que deveriam trabalhar pelo direito à saúde da população – principalmente o presidente – deveriam seguir o proposto na Constituição Federal em seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Marketing, campanha, afago à própria imagem, ou afronta à desafetos políticos, o fato é que a vinda do presidente representou uma sequência de situações graves e desastrosas, que deverão ser acrescidas à sua responsabilização. Não garantir vacinas de modo hábil e recomendar irresponsavelmente cloroquina são exemplos do desrespeito à função, que vem culminado na investigação sobre sua postura na liderança da nação frente ao Covid-19. Em suas visitas a outras cidades (em Brasília também, é verdade), Bolsonaro aglomera e raramente usa máscara. E tem deixado seu rastro por onde passa.
Rastro de Morte
Um exemplo é o Acre, que teve uma representação pública encaminhada pelos procuradores do estado após a visita do presidente a Rio Branco e outras cidades. Após 15 dias das aglomerações promovidas pelo presidente da República, a cidade teve aumento no número de casos de Covid-19.
“O cenário de superlotação de leitos (acima de 80%) foi verificado na primeira semana de março – poucos dias após a visita da comitiva presidencial. Não é necessário qualquer tipo de raciocínio avançado para perceber que a ação dos representados ignorou totalmente as medidas destinadas a mitigar a pandemia” – disseram procuradores do Acre em trecho da representação contra Bolsonaro.
Ainda de acordo com o documento encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), o número de leitos de UTI ocupados dia 22 de fevereiro – dois dias antes da visita do presidente – eram de 94 (88,7% do total) e, no dia 8 de março, quinze dias após as aglomerações promovidas por Bolsonaro, a ocupação subiu para 102 de 106 leitos totais (96,2% de ocupação). No caso dos leitos clínicos, a ocupação subiu de 160 (de um total de 200) para 201 – houve a criação de 20 novos leitos até esta data.
Outras localidades como Cascavel (PR), Boqueirão (PB) e Uberlândia (MG), por exemplo, também demonstraram aumento no número de casos e mortes. Em Tianguá (CE), quinze dias após a visita presidencial, não possuía mais vagas em leitos e pacientes tinham que ser transferidos para Sobral – que alcançou a lotação máxima no período.
Nossos próprios erros
Se a responsabilidade de Bolsonaro deve ser colocada em evidência, é preciso ainda reportar como o exemplo das aglomerações geradas durante o período eleitoral no ao passado também resultaram na intensificação de casos. O Estado se encontrava na fase azul no mês de setembro. Em todos os municípios, a pandemia simplesmente era assunto que não recebia a devida importância e perdia espaço em meio as aglomerações geradas por candidatos.
No dia 29 de setembro, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) divulgou relatório com 156 novos casos e cinco mortes. A taxa de ocupação de leitos de pacientes com confirmação ou suspeita de Covid-19 era de 18%. Em leitos de UTI, a ocupação era de 35%. Em 13 de outubro, Alagoas confirmou 74 casos e sete mortes. A ocupação dos leitos estava em 21%, 36% considerando apenas casos de UTI.
Já no dia 13 de dezembro, quatorze dias após o segundo turno, 28 dias depois do primeiro, tivemos 435 novos casos e quatro mortes. Os leitos para o novo coronavírus estavam com 40% da capacidade ocupada. Um dia antes, a ocupação das UTIS era de 53%. A média móvel, segundo o consórcio de veículos de imprensa, teve alta de 22%. A taxa de mortes, que apresentava queda desde 20 de outubro, estabilizou e, em seguida, voltou a subir.
No boletim dessa última quarta-feira, 12, o estado confirmou 684 novos casos e 16 mortes. Contexto visivelmente pior. A ocupação dos leitos destinados a pacientes confirmados ou suspeitos de Covid-19 corresponde a 46%. Considerando apenas leitos de UTI, a taxa de ocupação é de 74%. Entre os mortos, uma mulher de 49 anos em Maceió e um homem de 30 anos em Satuba, ambos sem comorbidades.
Apesar disso, diferentemente de setembro do ano passado, estamos com teatros e cinemas voltando a funcionar e escolas com aulas presenciais no sistema híbrido. E, segundo o Governo do Estado, na fase vermelha.
A vinda de Bolsonaro é desastrosa, não em razão de sua afronta a Renan (pai ou filho), mas por fazer pouco de um povo que vem mostrado nas ruas e onde for possível que sabe como o país chegou ao patamar de mais de 420 mil mortes.