O que é prioridade? Se olharmos o conceito ao pé da letra no dicionário, trata-se de uma condição do que ocorre em primeiro lugar, o primeiro em relação aos demais. Sendo assim, logo pensamos que a prioridade de um país deve ser aquilo que atende diretamente às necessidades do povo. Porém, na prática, a coisa funciona de um modo bem diferente aqui na política brasileira.
Em uma nação onde – de acordo com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) – mais de 33 milhões de pessoas passam fome, pautas teoricamente sem propósito ganham força, ocupam espaço indevido e escancaram uma negligência cruel e articulada. Temos exemplos evidentes desse cenário ao acompanhar os debates, os Projetos de Lei (PL) e as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que tramitam em nossas esferas legislativas.
Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 4188/2021, que possibilita que bancos e instituições financeiras possam penhorar o único imóvel de uma família para quitar dívidas. O PL cria um marco legal das garantias de empréstimos e modifica a Lei 8009/1990 que trata da impenhorabilidade de imóvel. O projeto foi aprovado por 260 a 111 e seguiu para o Senado.
Nesta terça-feira, veio à tona a informação de que o Centrão continua com a sua guinada sem pudores e flertando com o autoritarismo. O Estadão noticiou que o famigerado grupo elaborou uma PEC que concede o poder de reversão ao Congresso, ou seja, ele poderia reverter decisões não unânimes tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Se vigorar de fato, a proposta permitiria que deputados e senadores interferissem diretamente em temas polêmicos discutidos pelo STF, até mesmo alterando eventuais condenações, sob o frágil e falacioso argumento de “balancear os poderes”. Um retrocesso enorme e que abre precedentes muito perigosos, segundo juristas.
Mas, como não poderia ser diferente, o Executivo também atua com suas prioridades nefastas. O PL 4188/2021, citado acima, é de autoria do governo de Jair Bolsonaro (PL), por exemplo. Temos ainda a farra com os gastos do cartão corporativo e as motociatas surreais, entre outros absurdos. Além disso, a maneira displicente e debochada com que o Planalto vem tratando as buscas por Dom Phillips e Bruno Pereira não deixam dúvida sobre o que é prioridade: a morte, o descaso e a barbárie. Versões desencontradas, descredibilização de informações divulgadas e declarações insensíveis são marcas da condução desastrosa.
Todo esse escárnio só corrobora que priorizar a violência, a miséria e o elitismo não é coincidência e sim uma tática sectária e focada no extermínio. É triste comprovar todos os dias o que já dizia Noam Chomsky: “a vitória do neoliberalismo destruiu a política como refúgio dos vulneráveis”.