Empresários ignoram determinações da Saúde com carreata

Médico Infectologista e Presidente do Coren reafirmam que conduta adequada é manter isolamento
Arte/Mídia Caeté

Lava a mão. Em cima. Entre os dedos. Passa álcool em gel. Fica em casa. Só sai para o essencial, evita aglomerações. Todo mundo já está cansado de saber as recomendações básicas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, né? Não.

Um mês após a ação “Milão Não Para”, nesta sexta-feira (27), o prefeito da cidade italiana, Giuseppe Sala, reconheceu o erro da ação em manter as atividades locais funcionando. A ação visava deixar o comércio aberto, no início da pandemia na Itália. Não deu certo. Até a publicação desta matéria, o país europeu já contabiliza mais de 8 mil mortes por conta do coronavírus.

Na noite da última quinta-feira (26), a mídia já ventilava o que estava por vir: o Governo Federal do Brasil prepara a campanha “O Brasil Não Pode Parar”. Seria uma surpresa, se o presidente Jair Bolsonaro não tivesse cantado essa bola em toda entrevista coletiva que ele dava. Para ele, o isolamento social é uma histeria. Um exagero.

Mas pera aí…Milão não fez algo assim, há um mês, e não deu certo? Pois é. Karl Marx disse há tempos que “A história se repete. A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Independentemente de ser farsa ou tragédia, um grupo de empresários alagoanos parecem estar dispostos a pagar para ver. Eles estão organizando uma carreata na orla de Maceió, no próximo sábado (28), para pedir ao governador de Alagoas a abertura do comércio, com exceção das escolas.

Eles afirmam que vão tomar as medidas de segurança recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde para evitar a aglomeração de pessoas, e realizar uma manifestação que pede a liberação do comércio na capital alagoana, o que irá ocasionar, por sua vez, uma aglomeração de pessoas no centro da cidade. Deu para entender?

A Mídia Caeté conversou com dois empresários: um é da comissão organizadora do evento e o outro é participante. Ambos são a favor da abertura do comércio.

O empresário Sivaldo Domingos relata que o objetivo da manifestação é garantir a abertura dos estabelecimentos comerciais a partir da próxima segunda-feira (30), um dia antes do decreto estadual que suspendeu algumas atividades consideradas não essenciais.

“Não somos contra parar, temos o maior cuidado em relação ao vírus. Fazer a paralisação [das atividades] sem o apoio federal é inviável. Se o Governo Federal diz que devemos voltar as atividades, voltaremos. Não vai haver aglomeração de pessoas, porque estão todas dentro dos carros, sem exposição”, afirma

Domingos explica que não tem receio de contrair a Covid-19 e, ao ser questionado sobre o fechamento tardio de estabelecimentos na Itália, ele diz que condições climáticas podem alterar o comportamento do vírus.

Fabiano Correia Ramalho de Azevedo, que também é empresário, afirma que irá participar da carreata no próximo sábado. Com duas lojas em Maceió e uma em Arapiraca, ele informa que já demitiu quatro funcionários e irá demitir cerca de outros seis.

“Já não aguento mais. Sei que o momento é complicado, momento de saúde pública. Precisamos voltar a trabalhar. Já comecei a demitir essa semana. Demiti quatro em Arapiraca. Vou demitir uns seis da loja do shopping, funcionário da loja do Centro”, conta Azevedo.

“O da parte alta vai ser feita uma reunião em um auditório. Já vai de encontro a tudo devido a aglomeração”, diz, ao relatar uma manifestação com o mesmo objetivo no domingo (29). “O negócio é carreata, buzinaço, e todo mundo vai saber que queremos que o comércio e a indústria abram”, finaliza.

Quanto vale uma vida – O preço exato? É difícil estimar. Mas para muita gente ela vale muito. Principalmente para quem dedica a sua vida para salvar o outro. Para o infectologista Fernando Maia, a ação correta para se adotar é manter o isolamento.

Ele afirma ainda que acredita que o Estado fechou os estabelecimentos cedo demais, mas que deve manter a medida por, pelo menos, mais duas semanas.

“Não só eu, mas vários outros colegas infectologistas têm a mesma opinião. Eu acho que o isolamento começou cedo demais. Acredito que o momento de fechar é agora, em abril, porque é a nossa época das gripes, resfriados, e começa a chover mais. O momento de fechar é agora e não quando foi. O pessoal do comércio deve estar doido, porque não tem ninguém comprando e não tem dinheiro para fechar a folha”, diz Maia.

O infectologista explica que, a depender da evolução do coronavírus em Alagoas, os poderes públicos podem avaliar a abertura parcial do comércio.

“Como está fechado, a minha sugestão é que fique fechada por mais duas semanas. Precisamos analisar como a doença vai progredir e, a depender da solução, podemos pensar em uma abertura gradual, analisando caso a caso. Por exemplo, dá para abrir um lava-jato? Dá. Agora você vai abrir uma sapataria, por exemplo, com 15 vendedores, em um ambiente fechado? Cada caso é um caso. Entendo que temos que esperar e analisar”, conta.

Maia alerta ainda que, caso as medidas não sejam tomadas, os casos podem aumentar. “Se a doença estourar e aparecer um monte de gente doente, vão ter que fechar [novamente]. Agora se o caso for mais leve e a estrutura de saúde conseguir atender a isso, aí tudo bem. Agora uma coisa é certa, o grupo de risco tem que ficar isolado durante um bom tempo”, finaliza.

Quem está na linha de frente, não pode amarelar – Para muitos, o isolamento tem sido uma opção. Por mais que os decretos sejam publicados, algumas pessoas se sentem no direito de ir e vir. Ignoram todos os alertas sanitários expedidos no mundo. E, em sua bolha, acreditam que o vírus é uma coisa distante, fora da sua realidade.

Os servidores da saúde em todo o mundo – e de outras áreas essenciais – estão de parabéns. Seja por qualquer um dos inúmeros motivos para se estar ali, ele está, e tem o contato e a dimensão precisa do que o vírus –  ora tratado como resfriadinho, ora tratado como gripezinha – pode causar.

Em Alagoas, o presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-AL) do estado, Renné Costa, vê com preocupação o discurso de abertura dos estabelecimentos comerciais. A enfermagem é a maior mão de obra da saúde pública e, no estado, conta com mais de 27 mil profissionais cadastrados, entre enfermeiros, técnicos e auxiliares em enfermagem.

“Eu acho muito preocupante que um governante faça uma adesão a essa campanha de abertura, porque ela é muito grave para um determinado grupo de risco. E o fato mais importante é que todas essas medidas que estão sendo tomadas não são para que o vírus não prospere, mas para dar tempo de os serviços de saúde se prepararem para isso. Se essa pandemia estourar as pessoas vão ter que escolher quem vai morrer e quem vai viver”, conta Costa.

O presidente do Coren-AL afirma ainda que a preservação da vida deve ser prioridade, e que a economia irá crescer novamente.

“Quem pode sair de casa, que é o caso de profissionais da saúde, está sofrendo porque está diretamente exposto à doença. Quem está em casa, está perdendo, principalmente os autônomos. Acho que essa é a maior crise da história contemporânea da humanidade. Vamos sair muito mais fortalecido disso. O mundo todo está falando a mesma língua, tomando as mesmas medidas, pensando no outro, e a gente não pode quebrar esse legado”, finaliza.

Impedimento – A Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas (SSP-AL) emitiu uma nota, nesta sexta-feira (27), reforçando que todos órgãos ligados à pasta estão atuantes para o cumprimento do Decreto Estadual que fecha os estabelecimentos.

Ainda na nota, a secretaria informa que as forças de segurança atuarão para que a lei seja cumprida, e recomenda que a população evite aglomerações, passeatas, carreatas e qualquer forma de ajuntamento de pessoas, devido a disseminação do coronavírus.

Confira a nota na íntegra:

NOTA OFICIAL

A Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas (SSPAL) esclarece que todos os órgãos ligados à pasta estão atuantes para o fiel cumprimento do Decreto Estadual nº 69.541, de 19 de março de 2020, que declara situação de emergência em Alagoas e intensifica medidas de enfrentamento ao Covid-19.

A SSP reforça que as forças de segurança atuarão para evitar que haja descumprimento das recomendações e esclarece que não apoia nem participa de nenhuma manifestação contra o disposto no referido decreto.

Por fim, a Secretaria recomenda à população alagoana que evite aglomerações, passeatas, carreatas e outras situações em que haja ajuntamento de pessoas, em atendimento às recomendações das autoridades de saúde voltadas para evitar a contaminação e disseminação do coronavírus.

Jonathan Lins

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