Depois de três adiamentos, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas julgou nesta terça-feira (12) um agravo de instrumento provocado pela defesa de ex-funcionários da Organização Arnon de Mello (OAM), as Gazetas de Fernando Collor. Na condição de credores trabalhistas desde 2019, o grupo contesta o que considera uma série de irregularidades no processo de Recuperação Judicial, inclusive o estabelecimento de uma série de acordos que a empresa fechou com credores, em condições questionáveis.
Para o sobressalto de juristas e trabalhadores, a justiça alagoana, entretanto, decidiu, em benefício da empresa, que é válida a realização de mediações sem mediador, durante a Recuperação Judicial – ou seja, criar espaços de relação direta entre a empresa diretamente com o trabalhador, fora das assembleias de credores e outros institutos definidos pela lei da RJ.
A expectativa era grande aos credores desde as primeiras horas do dia, uma vez que o recurso a ser julgado foi feito ainda em maio de 2023, com sucessivas declarações de impedimento e pedidos de vista. Para se ter ideia, a corte chegou até mesmo a passar na frente o julgamento da Globo x Gazeta, cujo recurso foi produzido, em janeiro de 2024, e já foi decidido em junho do mesmo ano.
Embora uma vitória tenha sido alcançada, que foi a determinação de que fosse criado um comitê de credores para fiscalizar a administração da empresa, a defesa dos trabalhadores considerou que houve pontos gravemente ignorados pelos desembargadores. O maior deles trata-se da denúncia de que foram feitas uma série de mediações, antes e depois da assembleia de credores, todas sem a figura do “mediador”. Esse terceiro neutro garantiria um equilíbrio nos espaços de acordo previstos dentro da Lei de Recuperação Judicial, e maior proteção ao trabalhador, o que terminou por não acontecer, uma vez que a empresa tratou diretamente com os ex-funcionários, impondo o pagamento que quetiam e sem qualquer espaço para contestação ou negociação: era, resumidamente, pegar ou largar.
“Entendemos que o Tribunal de Justiça desconsiderou vários aspectos extremamente relevantes, entre eles o fato de que a mediação não tinha mediador. Não foi uma mediação de verdade, não havia terceiro neutro que estivesse ali realmente fazendo o papel de mediador. O que houve, na verdade, foi uma imposição, em que se deu muita força para que a empresa pudesse tripudiar de trabalhadores que estavam em posição de muita vulnerabilidade”, ressaltou o advogado Marcos Rolemberg, que representa o grupo e é, também, um dos credores e ex-funcionários da OAM.
“Bom frisar que estávamos vindo de pós-pandemia e ainda de pós-greve e demissão coletiva. Então muitos desses profissionais ainda não tinham conseguido se recolocar no mercado. Havia uma crise muito grande naquele momento, e estamos falando aqui principalmente dos jornalistas, mas é importante dizer que também havia muitas pessoas humildes que foram levadas a erro, que foram desassistidas de advogado e sem assistência de sindicato, e que, no desespero, da necessidade de conseguir algum dinheiro para trazer alimento para família dentro de casa, acabaram abrindo mão de direito já declarado pela pela Justiça do Trabalho, por sentenças transitadas em julgado”, acrescentou.
“Dizer que as pessoas podem dispor livremente de sentenças trabalhistas é grande desrespeito contra a Justiça do Trabalho e contra a vulnerabilidade dos trabalhadores. Não foi analisada a questão humana, e tampouco a questão social”, ressaltou, lembrando que os trabalhadores foram demitidos da empresa sem qualquer pagamento de verbas rescisórias, inclusive sem FGTS – que, embora recolhido mensalmente, não era repassado para a União. Todos saíram, inclusive, sem o pagamento do mês corrente.
A defesa dos credores rememora que, na oportunidade da aprovação do plano – que reduziu as dívidas a padronizados 10 salários mínimos parcelados – fez com que o próprio juiz determinasse à empresa que apresentasse uma proposta “mais razoável”, com melhoria para classe trabalhadora.
Apesar de aparentemente benéfica aos trabalhadores, a determinação do magistrado ignorou as denúncias de crimes e também retirou todo o processo decisório que caberia aos credores, passando para uma série de instituições sem qualquer previsão legal. Ao invés da assembleia de credores, quem participa do processo decisório na Recuperação Judicial tem sido a Justiça, o Ministério Público (MP), a própria Gazeta e seu Administrador Judicial.
Ainda de acordo com a defesa dos ex-funcionários, mesmo essa ordem do juiz de apresentação de plano alternativo não foi cumprida pela empresa.
Ao invés disso, a OAM solicitou suspensão do processo para realizar mais mediações: dessa vez, impunha o desconto (deságio) de 40% das dívidas trabalhistas – quase todas elas que já passaram por reduções significativas provenientes de acordo trabalhista anterior- além de serem parceladas em quatro anos.
Para o advogado Marcos Rolemberg, são flagrantes os desacordos com a Lei.
“Hoje deságio no crédito trabalhista é possível, desde que seja aprovado por maioria na assembleia de credores e apenas se o crédito for pago no prazo máximo de um ano. A lei permite que o crédito trabalhista possa ser pago no prazo de no máximo dois anos, mas nesse caso não pode ter nenhum deságio”, explicou o advogado Marcos Rolemberg.
Enquanto a empresa realiza estas mediações consideradas ilegais, o processo de recuperação judicial – iniciado pela empresa a partir de um pedido em agosto de 2019 – segue buscando atingir o seu sexto ano.
“Ou seja, desde maio de 2023, o processo está suspenso para que a Gazeta faça mediação. Sendo que isso não é permitido. A lei só permite que a proteção contra atos de constrição ao patrimônio da empresa na recuperação judicial dure no máximo 1 ano. No caso, a Gazeta está numa situação super confortável: a proteção ao patrimônio dela já dura 5 anos. O plano foi aprovado, mas a recuperação judicial propriamente dita ainda não começou. Só começa quando o plano for homologado. Nem os bancos que aprovaram o plano foram pagos, porque a recuperação judicial não começou ainda. E, também, em razão desta Recuperação judicial, ela está prendendo a Globo contra a vontade dela”.
Desde que a assembleia ocorreu, credores trabalhistas que se recusaram a participar destes acordos vêm denunciando as irregularidades. Neste momento, por exemplo, há um inquérito na Polícia Civil, que investiga crimes no processo de RJ. A empresa solicitou a RJ em 2019, teve a assembleia realizada em julho de 2022 e – embora a lei determine o prazo máximo de um ano para o início da recuperação propriamente dita – a OAM já segue há quase seis anos sem qualquer execução judicial de seu patrimônio, uma vez que não houve homologação do plano “aprovado”.
Montanha-russa e permissividades do Judiciário
Apesar da decisão ter, em grande parte, consternado a defesa dos trabalhadores, Rolemberg relata que uma vitória importante deve ser registrada. “A gente considera, em parte, uma grande vitória, porque faz muito tempo que nós estamos batendo na tecla da necessidade do comitê de credores para fiscalizar a Recuperação Judicial do Grupo Gazeta, que está aí cercada de irregularidades, de suspeitas. Então, a gente entende que, se a empresa defende que está tudo ok, então ela deve comemorar também que vai haver mais fiscalização sobre a administração. Porque, se está tudo certo, não haverá problema nenhum, não é verdade?”, questiona.
Entretanto, em meio a um duelo desigual de forças que vem se mostrando o processo de Recuperação Judicial – com morosidade judicial, denúncias graves de crimes falimentares, inclusive denúncia de repasse de recursos para os sócios no meio do processo de RJ, além de decisões sucessivas em prol da empresa – a defesa de credores trabalhistas têm buscado a Desconsideração da Personalidade Jurídica, procedimento que transfere a cobrança que vinha sendo feito à empresa, diretamente para o patrimônio dos sócios. Ex-funcionários que alcançaram o direito de retornar à Justiça do Trabalho têm alcançado uma série de vitórias, além de descoberto crescentes patrimônios acumulados por Fernando Collor, em meio à grave crise que alega enfrentar na empresa.
Noticiada nacionalmente, a penhora de cotas sociais de Collor se tornou notícia nacional, mas dias depois o juiz decidiu – em favor da empresa- mais uma negociação. A Justiça também concedeu em favor de Collor, um aviso prévio de que um de seus veículos seria procurado para o pagamento de uma das dívidas- uma uma SUV Toyota modelo Hilux ano 2013, avaliada em pouco menos de R$ 100 mil. Após o aviso, nenhum carro foi encontrado.
Os casos de ida e vinda têm sido acompanhados diariamente pelo jornalista Felipe Farias, em seu portal jornalístico.
Após caracterizar a montanha-russa enfrentada por credores, já em uma fase avançada do processo, para alcançar o pagamento das verbas trabalhistas, o jornalista sintetiza o aviso da Justiça a Collor:
“Além de esdrúxula, a medida que não está prevista em lei, acabou retardando a localização do veículo, uma vez que, como o blog também mostrou, há meses Collor não é localizado em Maceió, Brasília ou São Paulo. Na prática, nada de carro, nada de penhora.”
A Mídia Caeté procurou a defesa de Collor, informou o conteúdo da reportagem e solicitou respostas, mas não houve qualquer manifestação até a conclusão desta reportagem.