
Se “a primeira condição para modificar uma realidade consiste em conhecê-la”, conforme a declaração emblemática de Eduardo Galeano, em meio a tantas decisões políticas operadas por desinformação no mundo, as cobranças por transparência se tornam parte fundamental da mobilização por mudanças. Em Alagoas, o momento é de consolidação de uma rede que começa, agora, a se articular para pleitear – ou, antes disso, começar a difundir e conhecer – sobre os dados abertos e sua relevância local.
Afinal, de quem são e para que servem as informações públicas que circulam nos governos, ou nos poderes legislativo e judiciário? É de imediato que a diretora do Labhacker, Evelyn Gomes, responde: os dados são nossos. Ao realizar, na última sexta-feira, 21, o Open Data Day – que é a agenda de celebração mundial de dados abertos – o Labhacker reuniu integrantes da sociedade civil organizada.
Ao promover esse encontro com especialistas, servidores públicos, e pessoas que, na militância ou na profissão, produzem, lidam, e utilizam dados públicos no cotidiano, promoveu também sentimentos de reconhecimento e sobressalto entre os presentes: estas informações sempre estiveram aqui? Por que algumas são tão fáceis e nunca soubemos? Por que algumas são tão difíceis a impressão que dá é que nunca entenderemos?
“Quando estávamos em São Paulo, sempre fizemos o Open Data Day como um encontro sobre o que acontecia na cidade. Ao chegarmos aqui, achamos melhor convidar pessoas que veem a importância da abertura de dados e também pessoas que estão trabalhando a abertura de dados em seus sistemas. Então, a gente montou uma agenda de manhã até a noite para que vários atores na cidade, jornalistas, ativistas, estudantes, curiosos, pudessem estar aqui entendendo um pouco mais sobre o que é a abertura de dados a parte da programação a parte do que é a legislação e o que os órgãos estão pensando como abertura de dados”.

Certo que os dados são nossos. O problema é que muitos deles, senão grande maioria, são pouco acessados pela população. “Aqui em Alagoas tem um cenário assim. Quem sabe, sabe. Quem não sabe, não sabe nem como chegar a saber” comenta Evelyn. “Então, assim, eu acho que é justamente nisso que a gente quer colaborar. Construirmos a trilha juntos. Entender o que está faltando para que mais pessoas entendam, para que mais pessoas possam ir atrás dos dados. Ou, se esses dados não existem, como é que a gente pode cobrar, via legislação que a gente tem e que protege, que diz que todo dado que é público, deveria ser público, né? Como a gente cobrar dos agentes que ainda não publicam esses dados”.
O desafio é grande, e alguns esforços são ressaltados, como é o caso do Alagoas em Dados, que apresenta dados levantados majoritariamente pelo Estado, e os apresenta de forma organizada e em desenho de fácil manuseio. Outra iniciativa celebrada é o DadosJus BR, uma iniciativa da Transparência Brasil junto ao Instituto Federal de Alagoas e a Universidade Federal de Campina Grande. O projeto utiliza a inteligência de dados para apresentar de forma mais sistematizada, acessível e didática, informações sobre os gastos de órgãos que compõem o sistema de justiça brasileiro.
Transparência não é só amontoar os dados online
Num universo onde a “luta anticorrupção” se torna pretexto para justificar realização de golpes e perseguições políticas – o movimento mundial de transparência apresenta uma mobilização de enfrentamento concreto (e real) contra práticas de corrupção, do ponto de vista da justiça e participação social nos debates sobre alocação de recursos e políticas públicas. Do global ao local, o movimento alcança diversos pleitos na legislação e nos costumes, para a conquista de dados abertos à população. E assim chegamos a leis importantes como a Lei de Acesso à Informação (LAI) que obriga o Estado a apresentar a destinação dos recursos públicos.
“Todo município precisa ter sua lei de abertura de dados. Queremos fazer um mapeamento dos municípios em Alagoas, mas sei que o estado vem nos últimos anos colaborando nesse fortalecimento da transparência de dados do estado, e da agregação desses dados, que antes eram isolados por secretarias, e agora estão construindo novas plataformas que agregam esses dados com a visualização acessível. Isso significa que é mais palpável de um público leigo entender o que aquele dado realmente significa. Por outro ponto, quando a gente entra no portal da Prefeitura de Maceió, a gente já ouviu que para ter acesso a um determinado dado, você precisa de, no mínimo, 13 cliques. E já tiveram pessoas em altos cargos que falaram que teve que fazer 50 cliques para chegar em uma determinada informação. Isso diz como um padrão de não transparência. Por quê? Por mais que ele esteja lá, ele não está acessível. Quando você fala de que a pessoa precisa dar de 13 a 50 cliques, ele não está acessível para você descobrir e chegar nele rapidamente. Então, quando a gente fala de dados abertos, a gente está falando também de dados acessíveis, onde a gente possa chegar rápido em poucos cliques nele”.
Saber os dados, onde encontrá-los, e seus significados, é também ter condições de mobilizar por cobranças reais. “Para quem são os dados? Os dados são nossos. Todo dado que é público, é nosso. Ele é da sociedade civil. E somos nós a sociedade civil. A importância deles é que a gente pode, através deles, decidir se a quantidade de dinheiro que uma prefeitura gasta em um show, se ele deveria ir para outro investimento na cidade. Como educação, como transporte, melhoria, como delegacias de mulher para proteger as mulheres. Então, quando a gente tem acesso a esses valores e a esses dados, a gente pode ter uma melhor tomada de decisão”, explica. “Os dados abertos apoiam muito essa tomada de decisão qualificada. Onde a sociedade civil também pode olhar e monitorar. E se ela não está gostando de algo, ela pensar que ela precisa entrar com algum protocolo em algum ministério, fazer uma denúncia mostrando. Há irregularidade aqui. Então, ela pode monitorar e também falar. Também há irregularidade. Não deixar só para os outros órgãos”.
Uma rede já existe
Para diretor do projeto do Labhacker, Victor Guerra, ao realizar o Open Data Day em Alagoas nesse propósito de conhecer as demandas e quem anda produzindo e pesquisando, a resposta foi positiva.

“A gente viu que as pessoas se conhecem, mas ainda falta ali elo para elas estarem atuando. E assim como, por exemplo, a gente teve a participação da promotora Fernanda Moreira, que é do Ministério Público, tem uma atuação na área, até pensou que não entendia de tecnologia, porque muitos acreditam que se trata de tecnologia digital, mas não, é sobre articulação política para o entendimento de informação. Ela, como uma promotora do Ministério Público atuante, mostrou que seu envolvimento com debate sobre a transparência de dados é muito forte e o quanto pode contribuir”, exemplificou.
“Tivemos aqui o professor Daniel, da Ufal, que trabalhou a questão da informação a longo prazo, como memória. O Mateus, da Secretaria de Planejamento, que mostrou o Painel Quilombola, com informações muito relevantes que a gente pode acessar. A gente viu o Jessé, que é do IFAL, e trouxe a perspectiva mais técnica do Dado JusBR. e como a gente consegue acessar esses dados. Pela manhã, a gente teve a Natália, que falou sobre a importância de pegar esses dados e transformar em conhecimento. Tivemos a Isabelle, que fala sobre o bibliotecário, Muitos acham que é só uma pessoa que fica ali para pegar e e devolver livro. Na verdade, é um pesquisador que estuda informação, que estuda o arquivo, que estuda como a gente tem que criar processos pra arquivar e cuidar desses arquivos. Tivemos a Evelyn, que trouxe aqui a perspectiva de dezesseis anos de ativismo na cultura digital”, citou.
“Então, assim, a gente conseguiu reunir pessoas diferentes através de uma conversa. A gente tem rede, só falta talvez organizá-la melhor, formalizar ela, garantir que esses encontros aconteçam com mais frequência”, explicou.