Tá, mas e sua cidade também afunda?
Na última semana, o jornalismo alagoano voltou sua atenção e urgência em solidariedade a uma das nossas.
Gessika Costa deveria dispensar apresentações nesse momento. E nem me refiro aos prêmios (19 e contando!), ou a todo o tipo de merecido reconhecimento que seu talento e esforço, sua história e seus horizontes; seu gênero, raça, suas vivências, e seu meio mundo de canetas e blocos, todos juntos, alcançaram. Menciono suas escolhas. De todos os espaços corporativos que hoje lhe abririam as portas, ela decidiu o árduo caminho do jornalismo independente, crítico, questionador, popular e – portanto – muito pouco populista.
A questão é que escolhas como esta levam a caminhos onde as coisas vistas não podem mais ser “desvistas” – em que pese o trocadilho com o veículo que construiu, o Olhos Jornalismo. O pensamento crítico que salta os olhos, na real, incorpora na pele e no instinto, e dá consistência a cada palavra, expressão ou pergunta feita na lata, ainda que num breve comentário de rede social.
Bloquear, com todos os recursos que pudermos, a violência infligida contra Géssika – em razão da crítica social que realizou, é evitar um precedente perigoso. É impedir que a censura se crie com agressão racista e misógina, na certeza de uma impunidade que acortina o meio virtual.
Aliás, a história demonstra que a censura não depende apenas do censor institucionalmente alocado na função, mas de uma gama de traidores, oportunistas, desafetos, intolerantes, distraídos e bajuladores. A história também situa que a censura não se encontra apenas em regimes autoritários. Aparece, diluída, disfarçada, e cheia de luzes brilhantes, em práticas pseudodemocráticas, em cultos fanáticos de personalidades políticas: a grande maioria delas grandes infames.

O fato é que, hoje, a pauta sobre o Direito à Cidade e seus lutadores sociais vêm sendo a pedra no sapato de uma gestão municipal que mergulha em dinheiro resultante de dezenas de milhares de vítimas da mineração, e colhe os louros das parcerias com lobby imobiliário e turístico, com as vitórias meteóricas em eleição baseada em obras de caráter superficial, shows milionários anestesiantes e – socialmente – no descrédito em qualquer representatividade eleitoral que cumpra com soluções mais estruturais. Afinal, “pelo menos” ele fez a praça, trouxe a megacelebridade, e coisa e tal.
Os que instrumentalizam Maceió como fonte de exploração e lucro manuseiam a contra-crítica e a opinião pública com as narrativas festivas e causalidades, no mínimo, turvas: “turismo traz emprego”, “precisamos ver Maceió como cidade que “cresce e desenvolve”.
O problema é que é de uma incoerência impossível viver numa cidade onde cinco bairros foram arrasados pela mineração e cujo prefeito investe -e, portanto, também conquista – um abarrotamento de publicidade ao construir maquiagens instagramáveis em pontos específicos, criando ilusões de ótica e de cognição. Do nada, temos duas Maceiós. É isso mesmo? Uma que afunda, e outra que brilha? Isso é inconsistente, incoerente, impossível.
Então, uma página no instagram decide enaltecer aquela parte em que a cidade brilha com o parque do prefeito.
Géssika lembra, numa só frase, que não, não são duas Maceiós. Na verdade, esta que brilha, brilha enquanto afunda.
E não afunda porque alguém diz isso. Afunda porque os que nada dizem prosseguem jogando luzes e enfeites ao invés de reparar, com transparência, planejamento, e participação democrática, os efeitos do afundamento.
Maceió, tampouco, vai deixar de afundar porque as pessoas deixaram de falar no assunto, ou porque Géssika sofreu uma tentativa cruel de silenciamento. Aliás, efeito contrário em ambos os sentidos: silenciar uma crítica social só faz com que o problema persista sem resistência. Felizmente, tentar silenciar só faz com que a crítica ecoe ainda mais alto, forte, e plural, conclamando para que não haja mais interrupções. Aliás, ao contrário disso. Que Géssika fale até mais:

“Quando eu fiz aquela fala, foi uma alusão à falta de memória que existe na cidade. Enquanto, de um lado, o Natal está todo iluminado, a Orla está toda ornamentada e tem vida; do outro lado da cidade, nos bairros em afundamento e nos arredores que ainda não entraram no mapa de situação e que estão ilhados, eles não têm luz, eles não têm vida e as vidas que restam estão em sofrimento, ou seja, são dois Natais, são duas situações distintas.
Então, quando eu falei: ‘Tá, mas a sua cidade também afunda?’, era uma crítica ao esquecimento de que existem pessoas que estão sofrendo desde 2018 e que já saíram dos seus lares, estão em outros lugares e continuam sofrendo, e que existem pessoas que continuam, como o pessoal da Marquês de Abrantes, Flexais de Baixo e de Cima, Bebedouro, que estão isolados, querem uma solução, querem sair dali e são esquecidos. E claro, uma crítica também à gestão, que fez acordos escusos, que não tem transparência nas suas ações relacionadas ao que está sendo feito com dinheiro.
Então eu fiz uma crítica geral à gestão de Maceió, à gestão do prefeito, do processo do PL, e ao esquecimento, à gestão do esquecimento”.