Eleições do CREMAL: gestão é contestada por estimular métodos ineficazes e promover desinformação na pandemia

Às vésperas das eleições para a diretoria do conselho, atuação controversa da gestão na ocasião voltou à tona

Nos dias 14 e 15 de agosto (segunda e terça da próxima semana), acontecem as eleições para a composição da diretoria do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (CREMAL).

Para o pleito, duas chapas foram formadas, sendo uma delas (Chapa 01 – Evoluir com Ética e Responsabilidade) a representante oficial da atual gestão do conselho, que está há várias décadas na posição e cuja atuação – ao longo da pandemia de Covid-19 – foi contestada e gerou uma série de questionamentos de acadêmicos e profissionais da área.

Arte de divulgação que circulou pelo WhatsApp durante a pandemia. | IMAGEM: divulgação.

“Durante a pandemia, aqui em Alagoas, sentimos pouca valorização da ciência, na busca de uma medicina que fosse minimamente ligada ao social e que baseasse em evidências científicas sólidas”, relatou um médico alagoano que preferiu ter sua identidade em sigilo.

Entre tais críticas, uma que ganhou evidência foi em relação à promoção, defesa e participação direta em métodos comprovadamente ineficazes para a cura da doença: o famigerado “Tratamento Precoce”, que utilizava substâncias como Hidroxicloroquina, Ivermectina e Azitromicina, além de Vitamina D e Zinco. Integrantes da chapa também criticavam abertamente o isolamento social.

Durante a pandemia, uma clínica na capital ofereceu abertamente o “tratamento” como método de prevenção, cobrando o valor de R$ 200 pela consulta com um dos “especialistas”.

Uma arte com os médicos responsáveis e o número de contato foi compartilhada em grupos de WhatsApp em Maceió. Nela, constava também o texto “Centro de Tratamento Precoce para Covid-19. Protocolo atualizado de tratamento precoce para Covid-19”.

Além desse material, era possível ler ainda a descrição de um dos contatos dessa clínica, que dizia “Ao apresentar sintomas gripais, a 1 suspeita é Covid-19. Procure imediatamente um médico que trate precocemente! Não ignore a doença!”.

Entre os médicos responsáveis – e que também estão presentes na arte de divulgação – estão Abílio Lopes e Rodrigo Temóteo, que integram a Chapa 01 e aparecem no vídeo abaixo, que promove o tratamento precoce e o uso de medicamentos sem eficácia e desestimula o isolamento social. No vídeo, também há apoio declarado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos maiores incentivadores da conduta na época.

VEJA VÍDEO:

Durante o período, em entrevista ao Portal Uol, a pneumologista Carmen Valente Barbas, do Hospital das Clínicas de São Paulo e do Hospital Albert Einstein, afirmou que grande parte dos pacientes diz que tomou o “Kit Covid” e alerta para os riscos do consumo desses compostos.

“Esses remédios não ajudam, não impedem o quadro de intubação e trazem efeitos colaterais, como hepatite, problema renal, mais infecções bacterianas, diarréia, gastrite. E a interação entre esses medicamentos pode ser perigosa”, ressalta Barbas, que também é professora da Universidade de São Paulo (USP) e referência internacional em ventilação mecânica”.

O à época presidente do Conselho Regional de Farmácia de Alagoas (CRF-AL), Robert Nicácio, reforçou a preocupação com o uso dessas medicações e corroborou que – não existia base científica que comprovasse que elas eram 100% seguras, seja para tratamento precoce ou para tratamento tardio.

Programação da live sobre Tratamento Precoce, com o nome de Fernando Pedrosa e de Emmanuel Fortes. | IMAGEM: Reprodução.

“A Hidroxicloroquina, por exemplo, é totalmente contra indicada ao paciente que tem problema cardíaco. A Ivermectina é um antiparasitário de baixo potencial de toxicidade – desde que ele seja indicado e usado da forma correta – contudo, o que temos observado é uso indiscriminado deste medicamento e o resultado tem sido hepatite medicamentosa em alguns pacientes. A própria fabricante já informou que não existem evidências do medicamento no tratamento da Covid-19.”, frisou Robert.

Nunca é demais lembrar que o “Kit Covid” não foi reconhecido, sendo até contra-indicado não apenas pela OMS. Outras entidades como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da Europa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) também se posicionaram contra. 

GESTÃO DO CREMAL E A AMPLA PROMOÇÃO DO “KIT COVID”

Médicos e renomados e com grande influência dentro do CREMAL e que ajudam a encabeçar a Chapa 01 são o atual presidente da entidade, Fernando Pedrosa, e o ex-presidente do conselho, Emmanuel Fortes. Fortes também tem forte vínculo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), ocupando um dos cargos de vice-presidente.

Por mais estarrecedor que seja, Alagoas chegou às manchetes nacionais de uma forma extremamente negativa no período. A repórter Bruna de Lara, do The Intercept Brasil, publicou uma matéria que revelava a participação de Fernando Pedrosa em uma live promovida pelo grupo Médicos pela Vida, que estimulava abertamente o tratamento precoce e que agregava os demais médicos e integrantes da Chapa 01 citados acima.

LEIA AQUI A REPORTAGEM COMPLETA

VEJA NA ÍNTEGRA A PALESTRA DE FERNANDO PEDROSA.

Outro ponto que merece menção é que inicialmente, Fernando Pedrosa não participaria do evento, que contaria com a presença exatamente de Emmanuel Fortes. Também vale ressaltar que o CREMAL promoveu o seu próprio “Treinamento para o Tratamento Precoce de Covid-19”.

Programação do curso promovido pelo CREMAL. | IMAGEM: divulgação.



Vale recordar que a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou, no auge da pandemia, um boletim oficial, onde condenou o uso de remédios sem eficácia contra a Covid-19.

“Reafirmamos que, infelizmente, medicações como Hidroxicloroquina/Cloroquina, Ivermectina, Nitazoxanida, Azitromicina e Colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da COVID-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, diz o texto da AMB.

DADOS OFICIAIS QUESTIONADOS E “ESQUEMA”

Fernando Pedrosa concedeu entrevista ao jornalista Arnaldo Ferreira, da Gazeta de Alagoas. | IMAGEM: Gazeta de Alagoas.

Durante a pandemia, recorrentemente, o número de mortes registrado era divulgado através Boletim Epidemiológico informado pela Secretaria do Estado da Saúde (Sesau), porém – em uma dada ocasião – o presidente do CREMAL, Fernando Pedrosa, rebateu laconicamente o levantamento e afirmou que os dados faziam parte de um “esquema”, como fora noticiado pela Gazeta de Alagoas. Segue trecho da reportagem:

“Não é esse o total de morte”. O último registro é de um paciente que chegou na unidade infartado”. Pedrosa disse ter certeza da afirmação, porque a vítima fora atendida por dois conselheiros do Cremal que são cardiologistas. Ele considerou que o número de mortes pode fazer parte de um “esquema” e avisou que “desse tipo de esquema estou fora, não precisam me chamar”, desabafou ao lembrar o caso de duas mortes que os parentes confirmaram que as vítimas, de 64 e 78 anos, sofriam de outros problemas graves e tiveram dificuldades de encontrar leitos para internação. Ele também condenou a estratégia do governo de transformar duas UPAs de Maceió em centros de internação de pacientes com Covid 19. “A UPA não é para internar ninguém. Ali é pronto atendimento”.

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ALINHAMENTO POLÍTICO

Mais um aspecto controverso que é atribuído a integrantes da Chapa 01 – e consequentemente à atual gestão – é o alinhamento político e a aproximação com o antigo Governo Federal, comandado por Jair Bolsonaro (PL).

Amplamente divulgado pelo Governo – principalmente pelo então Presidente da República, o “tratamento precoce” foi um dos mecanismos que contribuíram diretamente para a subida exponencial da curva de casos, que consolidou o Brasil como epicentro mundial da doença, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), e culminou em mais de 700 mil pessoas mortas.

Emmanuel Fortes ao lado de Pazuello. | FOTO: Redes Sociais.

Em uma de suas lives semanais, Bolsonaro chegou a desdenhar das orientações da OMS e do seu diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus.

“Pessoal fala tanto em seguir a OMS. O diretor presidente da OMS é médico? Não é médico! Sabia disso? É a mesma coisa de falar, aqui no Brasil, que o presidente da Caixa não fosse alguém da economia. Não tem cabimento. Se eu fosse presidente da Caixa, com todo respeito, não ia fazer nada lá. Se você viesse para o exército, não ia fazer nada lá também”, disse a seus seguidores.

Situação semelhante ocorreu com um dos integrantes da Chapa 01, em entrevista dada à Mídia Caeté em 2021. Nela, Rodrigo Temóteo (que já apareceu anteriormente nessa reportagem) questionou a idoneidade da OMS e de outros órgãos, quando indagado acerca da ineficácia do tratamento precoce.

“Eu nem considero essas entidades. Para mim, são entidades que não têm idoneidade para fazer recomendação. Eu sigo a recomendação do Ministério da Saúde e de todos os trabalhos que estão sendo divulgados e da experiência clínica”, disparou.

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Em um vídeo compartilhado durante as eleições de 2022, Abílio Lopes declarou seu apoio à reeleição de Jair Bolsonaro e convidou os demais médicos a comparecer ao QG local da candidatura.

O médico Emmanuel Fortes foi outro que demonstrou aproximação com as ideias de Bolsonaro, tendo comparecido a Brasília para se reunir com o então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello – como divulgado pelo próprio médico em suas redes sociais.

Além disso, Fortes teve outra “aparição de destaque”, ele foi citado diretamente pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) na CPI da Covid. Carvalho solicitou que um vídeo do médico defendendo o tratamento precoce fosse transmitido durante a sessão no Senado Federal.

VEJA OS VÍDEOS ABAIXO.

 

 

O QUE DIZ A CHAPA 01

A Mídia Caeté entrou em contato diretamente com diversos integrantes da Chapa 01 para relatar os fatos mencionados acima, dar espaço para um posicionamento oficial da chapa, perguntar se essas linhas de pensamento se mantém e se existiu ou existe de fato algum alinhamento político na entidade.

O único a responder foi Emmanuel Fortes que disse que não daria nenhuma declaração e informou ainda que nenhum outro integrante da Chapa 01 falaria conosco. Mesmo assim, tentamos o contato com outros membros: Fernando Pedrosa e o médico Abílio Lopes não nos deram retorno até a publicação desta reportagem, bem como a médica Bertine Malta.

O QUE DIZ A CHAPA 02

Também procuramos integrantes da Chapa 02 (Renova Cremal), atual oposição. Que repassou o seguinte posicionamento.

“O grupo visa implementar a modernização necessária, reforçar as bases éticas da profissão, a valorização das vacinas, dos médicos atualizados e capazes de aprimorar seus conhecimentos de forma crítica, baseados em evidências científicas sólidas, para exercer a medicina com efetividade e eficácia, atentos ao cumprimento do Código de Ética Médica”.

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