Crítica sobre o filme Entre Corpos, escrita por Maria Villanova.
Contando um pouco da história (ou melhor, das intimidades) da costureira Vânia, “Entre Corpos”, da diretora Mayra Costa Pires, é grotesco e fascinante: ao mesmo tempo em que suas cenas chocam, provocam, causam repulsa, elas também despertam a curiosidade do espectador, gerando desconforto – mas um desconforto bom, de indagações, dúvidas e até reflexões sobre a existência humana.
A filmagem em preto e branco, quase cinza, traz um tom de lembrança. Os cortes secos, abruptos e as imagens soltas, contribuem para isso, já que é assim que funciona a memória. Nunca lembramos de uma narrativa completa, apenas flashs e momentos. É como se o espectador mergulhasse nas memórias de Vânia e pudesse entender mais sobre aquela mulher e das situações por ela vividas.
Vânia auxilia seu tio no ateliê de costura, e a relação entre eles chama a atenção. É como se, além de chefe, ele também tivesse uma posse sobre ela. E isso impacta diretamente na relação que ela possui com outros homens, sejam os clientes do tio ou aqueles que vê em revistas e catálogos. Vânia não procura amores, não quer se satisfazer sexualmente – isso ela faz sozinha, enquanto olha as fotos que tira e recortes de homens em revistas – mas busca, como um fetiche, a dominação de corpos masculinos, que nos fazem vê-la como uma dominatrix fora do comum. Suas fotos pregadas a parede, de maneira inusitada, são tais quais troféus pela sua resiliência em aguentar, dia após dia, o trabalho no ateliê de costura e sua vida.
Outro fato que chama a atenção: Vânia é extremamente infantilizada, com pulseirinhas de miçangas, piranhinhas coloridas no cabelo, calcinhas de bichinhos e até sua bolsa é uma mochila fofa. Além disso, sua melhor amiga é a filha de sua vizinha, uma criança. Essa imagem externa, um tanto passiva e abobalhada, não condiz com as coisas que faz em sua intimidade e nem como trata aqueles homens. A mensagem que fica é que ninguém sabe como o outro é por dentro, quais segredos nos escondem; e nos leva a refletir sobre o que aconteceu na infância de Vânia, talvez alguma situação com seu tio.
“Entre corpos” é impactante. Seus detalhes, sutilezas e narrativa tornam-se a cada momento mais incômodo e mais interessante. Um filme para ser visto e para se refletir sobre a natureza humana.