“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”.
O trecho acima está presente no artigo 196 da Constituição Federal brasileira, que estabelece ainda que não deve haver privilégio algum no momento do atendimento médico. Nesse contexto, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, garantindo o acesso à saúde integral, humanizada e de qualidade no Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS também garante o Processo Transexualizador, que assegura o atendimento integral a pessoas trans, desde o uso do nome social até a cirurgia de adequação do corpo biológico às identidades de gênero e social, passando pela hormonioterapia.
Aqui no Estado, o Hospital Universitário (HUPPA), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), dispõe de um espaço destinado ao atendimento da população trans para oferecer uma assistência digna e humanizada. Nomeado de Espaço Trans, o local é coordenado pela endocrinologista Izabelle Cahet, que conta mais sobre a iniciativa
“Iniciamos em agosto de 2021, com uma equipe técnica composta por mim (endocrinologista), uma assistente social, uma psicóloga, uma enfermeira e uma técnica de enfermagem (que inclusive é uma mulher trans). O primeiro contato é através de um acolhimento com a equipe, onde é feito um diagnóstico psicossocial. São rodas de conversa que chegam a durar até 1h30. A cada 20 pacientes, montamos um grupo para reuniões mensais, que discutem diversos temas relacionados. Então, preparamos o atendimento”, explica a médica.
Para Samantha, mulher trans de 19 anos acolhida pelo Centro de Acolhimento Ezequias Rocha Rego (CAERR), a assistência básica à saúde é um dos aspectos essenciais para a dignificação do(a)s trans na sociedade.
“[Qual a importância do Espaço Trans?] O alcance à saúde e a direitos básicos que pessoas trans e travestis infelizmente não possuem. Ainda encontramos dificuldades para alcançar esses espaços devido ao preconceito e à transfobia nítida. Porém, é de grande importância iniciativas como essas para a ciência de nossa existência e que vamos continuar nossa luta por respeito e inclusão”, afirma.
POR QUE UM ACOMPANHAMENTO ESPECIALIZADO É TÃO NECESSÁRIO?
O princípio de integralidade estabelecido pelo SUS determina que as dimensões biológica, cultural e social do paciente devem ser consideradas, o que reitera a relevância de um profissional de saúde que leve esses fatores em conta ao atender um(a) trans. A endocrinologista Izabelle Caet reforça esse pensamento.
“Ao abrir o Espaço Trans (nem chamo ambulatório, para não estigmatizar como se fosse um processo doença) facilitamos o acesso a uma unidade de saúde, que dá direito à atenção psicológica e psiquiátrica, ao acompanhamento com toda segurança no processo de transição com a hormonioterapia escolhida e às demais especialidades. Percebemos que, principalmente durante as reuniões de grupo, a troca e auto identificação têm sido cruciais para melhor atendermos”, pontua.
Izabelle lembra que é crucial toda uma preparação para as consultas e corrobora a necessidade de um olhar especial para os pacientes.
“Um atendimento a um(a) trans não só checagem de exames e prescrição de hormônios. A vida socioeconômica, a sua rede de apoio (devido ao alto índice de suicídios), o seu histórico patológico e familiar de doenças e seu estado psicológico são de vital importância. Riscos existem e estamos lá para assegurar um processo eficaz e seguro”.
EDUCAÇÃO COMO FATOR CRUCIAL PARA INCLUSÃO
A População Trans infelizmente convive constantemente com violações de direito na sociedade. Dentro da Medicina, não é diferente, o que faz com que haja a precisão de uma capacitação para preparar os profissionais. Izabelle Cahet ressalta essa necessidade.
“Saí do curso de Medicina sem ter nenhuma interação com algum(a) trans. E tem sido assim até hoje nas universidades. Fico muito feliz que o HUPAA, um Hospital Escola, onde circulam estudantes de diversas áreas (Medicina, Enfermagem, Farmácia, Psicologia, Assistência Social) tenha proporcionado esse contato. Só através da educação conseguiremos fazer com que as pessoas escutem, compreendam e finalmente respeitem”.
Já Samantha frisa a relevância da especialização de profissionais dessas áreas, uma vez que muitos não têm a sensibilidade fundamental para realizar uma assistência adequada.
“É muito necessário uma melhor preparação, pois os profissionais ainda não estão prontos para lidar com pessoas trans e travestis. Um dos nossos maiores anseios é o tratamento do nosso pronome corretamente e nosso nome social. Por isso, prezamos pela urgência e pelo cuidado no que diz respeito a esse assunto”, esclarece.
CARINHO, RESPEITO E ATENÇÃO AO ATENDER
A coordenadora do Espaço Trans, Izabelle Cahet, fala de como é essencial acolher e, acima de tudo, escutar os pacientes no momento inicial e recorda que procurar conhecimento sobre o tema só gera benefícios para todos os envolvidos.
“Acolher, desde sua chegada no hospital, foi preocupação de toda equipe. Antes de iniciarmos as atividades, nos preocupamos em fazer oficinas de sensibilização com os profissionais terceirizados (administrativo, segurança e serviços gerais), visando o uso correto do nome social, a orientação sobre diferença entre identidade de gênero e sexualidade. E a aceitação foi excelente. Quando um(a) trans vem ao HUPAA, ele(a) entende que não há o que temer em procurar unidades de saúde, sejam básicas, sejam especializadas. Ele(a) sente-se aceito(a) e seguro(a)”, comenta.
Samantha valoriza as conversas e o acolhimento proporcionados no Espaço Trans.
“A equipe multiprofissional do espaço faz mensalmente encontros com todos os acolhides para uma roda de conversa. É um momento de escuta, de identificação e de compreensão para outras vivências e de ciência de que não estamos sozinhes. É um momento de empatia e contribuição para aceitação e inclusão de outras histórias. Nós somos nossos suportes, nós somos existência’.
O Espaço Trans é vinculado à Unidade Docente Assistencial (UDA), unidade básica de saúde ligada à Faculdade de Medicina (FAMED) e à Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Para participar, o paciente deve levar RG, CPF, Cartão do SUS e Comprovante de Residência à UDA.
Unidade Docente Assistencial (UDA)
Endereço: Av Alice Carolina 339-455, Cidade Universitária,Vilage Campestre 2.
Horário: Todos os dias das 8h às 12h e segundas e quartas das 13h às 14h.
Telefone: (82) 3214-1756.