Especialistas contestam omissão de MPE, MPF e IMA em relação à obra da Prefeitura para retirar restinga da praia de Maceió

Intervenção é duramente criticada por ambientalistas, que alertam para danos severos à natureza em diversos níveis
Obra da Prefeitura retira restinga para “melhorar a experiência do turista”. | FOTO: Ascom Prefeitura de Maceió.

Não é segredo que a orla de Maceió é a menina dos olhos da atual gestão municipal, que prioriza ações muitas vezes imprudentes para maquiar diversos problemas da cidade. Um dos mais recentes atos nesse sentido culminou na retirada da vegetação de restinga em faixas de areia do Jaraguá até o Pontal da Barra – o intuito é fazer a substituição por grama e blocos de concreto.

Diante disso, no começo do mês, o Observatório Ambiental de Alagoas protocolou um ofício sobre tais “intervenções urbanísticas” junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que instaurou processo interno para apurar o caso. Também foram oficializadas denúncias no Ministério Público Estadual (MPE) e no Ministério Público Federal (MPF), que ainda não se mobilizaram para investigar e tomar as medidas cabíveis, mesmo diante de evidentes prejuízos ao meio ambiente. O Instituto do Meio Ambiente (IMA) também recebeu denúncias de especialistas.

LEIA A DENÚNCIA PROTOCALADA PELO OBSERVATÓRIO

Inicialmente, o MPE – por meio da Promotoria de Urbanismo – agendou uma reunião para apenas para o dia 08 de outubro, após as eleições, e logo depois emitiu um despacho adiando o encontro somente para o dia 16 – sob a alegação de que o titular da 4ª Promotoria do Meio Ambiente Natural da Capital, o promotor Alberto Fonseca, estaria em uma visita técnica na Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar, e não poderia comparecer.

CONFIRA O DESPACHO NA ÍNTEGRA

Pesquisadores alertam que a grama não possui a capacidade de se adaptar à salinidade imposta, ao vento forte e ao solo arenoso – algo característico da restinga. Assim, a manutenção da orla será ainda mais cara, dada a necessidade hídrica.

“A grama não é adaptada às condições de salinidade desse ambiente, a camada de terra vegetal utilizada é mais superficial e as placas de grama estão sendo aplicadas no período mais seco por estarmos no início da estiagem. Com isso, a demanda por água para irrigar essa grama aumenta e há um custo pra transportar essa água. A ação do vento, da salinidade e alta temperatura sobre a camada de terra vegetal e a grama serão intensas e determinantes para o fracasso desse projeto. Assim, o plantio de grama na área de restinga representa um retrocesso e desperdício de dinheiro público”, descreveu a bióloga e integrante do Observatório Ambiental de Alagoas, Neirevane Nunes.

Para ela, essa demora é extremamente prejudicial e pode acarretar em danos imensuráveis para a natureza.

“A demora pode ser prejudicial no sentido da obra avançar e assim a restinga ser mais degradada com a substituição por grama e no aumento dos gastos de manutenção principalmente com irrigação no período de mais seco e o gasto com reposição de grama (compra de mais placas de grama) tanto por perda por ressecamento e pelos furtos das placas de grama ocorridos recentemente”, explicou Neirevane.

Já o biólogo e mestre em Tecnologias Ambientais, Robert Germano, frisa o risco de uma intervenção nesse parâmetro.

“A troca da vegetação natural adaptada a condição marinha (restinga) por estrutura de concreto por si só já é um grave impacto, temos espécies da microfauna e da macrofauna que vivem naquele fragmento de restinga. Além disso, nenhuma obra de contenção física no Brasil tem dado certo, em geral precisam de manutenção constante, pois tendem a mudar a dinâmica das ondas e alterar correntes em maré cheia aumentando ainda mais a erosão da praia alvo da intervenção”, afirmou o biólogo.

E completou, temendo uma eventual falta de manutenção futura, o que pode causar mais degradação da paisagem e do ambiente. 

“Tememos ainda que, quando uma nova gestão vier ao executivo municipal, essa intervenção provavelmente será largada de mão por ser de outro gestor. E, sem as manutenções rotineiras, será comum os blocos de pedras começarem a quebrar e degradar o ambiente e a paisagem”.

FOTO: Ascom Prefeitura de Maceió.

MAQUIAGEM E DANOS AMBIENTAIS

Em nota recente, a Prefeitura de Maceió informou que especificamente a região do Pontal da Barra está “sendo preparada para ser um parque linear para beneficiar turistas e moradores”. Neirevane Nunes crê que esse posicionamento da Prefeitura não responde adequadamente os questionamentos realizados.

“A nota não esclarece todo o questionamento presente no documento que oficializamos. Não estamos falando apenas dessa intervenção no Pontal da Barra, com o plantio de grama para o Parque Linear, mas estamos exigindo explicações desde as primeiras ações na orla com o projeto de contenção marítima. Só em relação ao parque, há uma série de problemas: um deles é que ele vai começar praticamente na descida de um viaduto. Aí, vem nosso alerta pra questão da segurança dos que irão buscar ter acesso a esse espaço, porque não foi informado como vai ser a parada de carros e de ônibus. Se for algo voltado para o turista, onde ficarão os estacionamentos? Onde ficarão as paradas de ônibus? Onde ficará toda essa parte de logística de veículos que irão visitar o local?”, pontua.

De acordo com Robert Germano, a justificativa dada pela atual gestão é vazia, já que existe um calçadão em largura menor, que se revitalizado, poderia manter a restinga na praia, dissipando a energia das ondas e mantendo a erosão sob controle.

“O que a Prefeitura fez foi alargar o calçadão, invadindo o mar do Pontal em sua cota máxima. Em dias de maré alta, o parque será inutilizável com a água respingando. Além disso, a vegetação ornamental que está sendo utilizada não suporta a alta salinidade e a dinâmica de ventos. Não houve estudo de espécies adaptáveis para inserir no tal parque. Considero que seja só mais uma maquiagem”, diz.

Ao avaliar melhor a intervenção, os especialistas levantam dúvidas cruciais para entender melhor o objetivo do projeto.

“De quem é o projeto de paisagismo? De quem é o projeto de urbanismo? De quem é o projeto de arquitetura? De quem é o projeto de irrigação? Precisamos saber de todos os projetos necessários e quem são os autores dos projetos e onde estão os registros de responsabilidade técnica desses projetistas? Esses estudos e esses projetos atestam a viabilidade de uso de grama na praia, se sim, onde está o laudo que define que a grama não vai morrer? Se possui plano de manutenção da área, como vai ser feita a manutenção?”, questiona a bióloga Neirevane.

Para Robert Germano, a Prefeitura de Maceió não demonstra atuar com zelo pelo patrimônio natural da capital: “[Ela] altera tudo que pode. trocando por concreto e cimento. Apagou todas as árvores das margens do Salgadinho, que era uma APP. Se não tivermos cuidado, a restinga do Trapiche ao Pontal, que ainda resiste e segura a erosão costeira muito bem, também será logo trocada. Desde o início dessa obra, os blocos de cimento eram depositados em cima da vegetação de restinga, a qual nem foi alvo da obra, danificando parte. Na época, encaminhei fotos para o IMA, mas não tive resposta”, revelou o mestre em Tecnologias Ambientais.

Neirevane Nunes finaliza reiterando as consequências ambientais de obras com essa perspectiva, chamando a atenção para o caráter criminoso da ação e a necessidade de se recompor a vegetação da região.

“Sobre as consequências ambientais de projetos assim, alertamos para o fato de que a substituição da vegetação nativa de restinga por uma espécie exótica altera significativamente esse ecossistema costeiro. Isso – além de ser um crime ambiental – está contribuindo para acentuar o processo de erosão que só pode ser contido de fato pela vegetação de restinga. Por isso, insistimos que a prioridade pra o enfrentamento da erosão marinha é recompor toda a faixa de restinga da nossa orla”.

O QUE DIZ O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL (MPE)?

Após adiar, por meio do despacho mostrado no início da reportagem, o MPE emitiu um novo comunicado. Agora, por meio da 66ª Promotoria de Urbanismo da Capital, que informou que: “por se tratar de intervenção em terrenos de marinha, portanto em bem da União, a competência material, definida em lei, para conhecer e tratar da matéria é do Ministério Público Federal (MPF), e que a referida Instituição, através de seus Procuradores, já está atuando nesta demanda”.

Leia na íntegra:

“Com as desculpas pelo relativo atraso na resposta,  acuso o recebimento  do oportuno e bem fundamentado manifesto sobre as obras na restinga do Pontal da Barra. Em  que pese o interesse urbanístico também envolvido na questão, que poderia, em tese,  atrair a atuação desta 66ª Promotoria de Urbanismo  da Capital  no caso, impede esclarecer que, por se tratar de intervenção em terrenos de marinha, portanto em bem da União, a competência material, definida em lei, para conhecer e tratar da matéria é do Ministério Público Federal, e que a referida Instituição , através de seus Procuradores, já está  atuando nesta demanda, conforme documento anexo.

Informo, ainda, que segundo contatos  mantido com o Dr. Alberto Fonseca, titular da 4ª Promotoria do Meio Ambiente Natural  da Capital, o mesmo também teria instaurado um procedimento preliminar para colher esclarecimentos complementares sobre o assunto.

Em todo o caso, estou acompanhando os fatos  para contribuir, supletivamente, naquilo que for possível, no âmbito de minha promotoria.Prestadas  essas resumidas informações, coloco-me à disposição para eventuais outros esclarecimentos.

Atenciosamente,

Jorge José Tavares Doria

66ª PJC”

O QUE DIZEM OS DEMAIS ÓRGÃOS COMPETENTES?

O Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto do Meio Ambiente (IMA) não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.

Apoie a Mídia Caeté: Você pode participar no crescimento do jornalismo independente. Seja um apoiador clicando aqui.

Recentes