Estado paralisa obras na Escola da Aldeia Tingui-Botó e crianças iniciarão ano letivo em posto improvisado

Secretaria diz que obras retornam em janeiro; MPF afirma não ter sido comunicado sobre paralisação

Por Vivia Campos e Wanessa Oliveira

A Secretaria Estadual de Educação paralisou mais uma vez as obras de reforma da Escola Estadual indígena Tingui-Botó, em Feira Grande. Com a estrutura desativada há anos, a comunidade escolar deverá retornar às aulas, em 2023, em um espaço improvisado e insalubre, mesmas condições em que se encontram há mais de dois anos.

O lugar onde as crianças deverão iniciar o ano letivo trata-se de um posto desativado da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), onde integrantes da própria comunidade organizaram uma sala de aula improvisada, e lidam, desde então, com as dificuldades provenientes da falta de espaço para atividades escolares básicas e para alimentação das crianças, uma vez que não há refeitório.

Em fotos tiradas em 14 de dezembro, já no fim do ano letivo de 2022, é possível verificar as más condições da cozinha do posto desativado; além do mais, as crianças também foram vistas se alimentando na calçada em frente ao local, por ser a única instalação fora da sala de aula com espaço suficiente para que a merenda seja servida.

Sem refeitório no local improvisado, crianças se alimentam na calçada de posto. Foto: Vivia Campos

Não é por falta de interesse por parte de lideranças locais que o problema ainda não foi resolvido. A própria comunidade encaminhou diversos documentos à gestão estadual. De acordo com o cacique Elisiano Campos, foram várias as cobranças direcionadas ao Governo do Estado e à Secretaria de Educação, mas até agora nenhuma solução foi apresentada; já houve até mesmo pedido de representação ao Ministério Público Federal (MPF), que acompanha a situação desde 2019.

“Agora, em 2022, chegou uma empresa para fazer o serviço da reforma. Primeiro colocaram para mim que não queriam ‘mão de obra de índio’, só de funcionários da empresa. Falei que tudo bem. Só que aí a empresa foi embora e deixou a gente no prejuízo, sofrendo com a situação, já que ficou tudo ainda pior. O piso quebrado e várias coisas erradas”, comenta. Conforme explica o cacique Elisiano, os transtornos não são maiores porque a própria comunidade se organiza para fazer limpezas eventuais no local desocupado.

Integrante do movimento indígena brasileiro e liderança sobre direitos indígenas, Ricardo Tingui-Botó conta que já foi aluno da escola durante a infância e a adolescência e lamenta as condições atuais do lugar. “A escola se encontra em estado deplorável , com estrutura física totalmente comprometida. Após muita luta e muita briga conseguimos, através do Ministério Público, o início de uma reforma, que logo parou”, conta. “Muito complicada a situação e não é por falta de luta das lideranças tradicionais, do cacique, do pajé e do conselho tribal. É por falta de boa fé do poder público”.

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O professor Aguino apresenta um histórico sobre a situação. “A Escola Estadual Indígena Tingui Botó foi fundada no ano de 2002 e começou a funcionar em 2003. Nesse período, o prédio escolar dava suporte aos estudantes. No decorrer dos anos, a escola começou a apresentar estragos em sua estrutura, o prédio passou por apenas uma reforma. No ano de 2019, a escola ficou sem condições de manter os estudantes”, conta.
Ainda segundo o educador, as lideranças indígenas então cederam o polo base da SESAI, uma vez que estava desativado por não ter condições de atender a equipe de saúde.

De acordo com pessoas da comunidade, já há algumas mães que estão desistindo das matrículas nas escolas de educação indígena (em razão da ausência de condições) e procurando unidades escolares fora da aldeia. Eduarda, que também é indígena e habita o local, lamenta a situação. “Estou muito triste por já ter sido aluna. Concluí o ensino fundamental na aldeia. Ter que hoje ver tantas crianças tristes por não ter escola, e termos uma que está nessa situação. Tenho primo, sobrinho, que não estudam. Estão agora em aula em um lugar improvisado por conta dessa escola, que não temos”, conta.

Secretaria diz que obras retornam em janeiro com prazo de 120 dias; MPF informa que não foi comunicado

A Secretaria do Estado da Educação respondeu, por meio de uma nota oficial, que as obras – orçadas em 800 mil reais, serão retomadas em janeiro de 2023. Segundo o órgão, a explicação para a nova paralisação é de que “a obra foi iniciada no mês de agosto deste ano e o contrato com a construtora responsável precisou ser renovado”. Ainda de acordo com a SEDUC, a “obra contempla a construção de mais 4 novas salas de aula e banheiros, além disso abrange a revitalização das duas salas de aula já existentes, cozinha, pátio e salas administrativas”.

Questionada se os estudantes continuarão estudando dentro do espaço improvisado, a SEDUC respondeu, por meio de assessoria, que o espaço possui infraestrutura necessária para as aulas. “Na verdade não é um posto de saúde, ele está desativado. O espaço é composto por três salas pequenas, com a infraestrutura necessária às aulas. São poucos alunos na comunidade e no momento estão de férias. Eles retomam em fevereiro, assim como toda a rede estadual, e permanecem na estrutura atual até o fim das obras da escola. Lembrando que as obras já serão retomadas agora em janeiro.”

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Apesar da declaração da Secretaria, membros da comunidade esclarecem que dificilmente as obras serão retomadas em janeiro, uma vez que este é o período em que o povo Tingui-Botó inicia as celebrações religiosas do Ouricuri, logo fica proibida a entrada de pessoas que não são indígenas na Aldeia; mesmo assim, caso a reforma seja retomada no fim do mês (como alegado pelo órgão estadual), ainda serão cerca de quatro meses mantendo as aulas no polo de saúde indígena.

Além do mais, os moradores da aldeia discordam da opinião da Seduc sobre o lugar possuir infraestrutura adequada para funcionar como escola temporária. “Muito apertado muito quente, existem até matérias que foram feitas por emissoras de TV Local mostrando o lugar. Tanto crianças, como comunidade escolar, professoras, merendeiras”, comenta, acrescentando que, por um tempo, as crianças chegaram até mesmo a estudar sob uma árvore, a Cajarana, símbolo da aldeia, por falta de opção.

A Mídia Caeté também procurou o Ministério Público Federal, que acompanha o caso. Segundo a assessoria, o órgão não recebeu a informação de que as obras estavam paralisadas. O MPF relatou ainda que existe um inquérito civil instaurado desde 2019, a partir de uma carta enviada pelo Conselho Escolar Indígena da Aldeia Tingui-Botó e que por conta disso, a Secretaria fica obrigada a informar em casos de paralisação de obra, o que não aconteceu.

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