Por Vivia Campos e Wanessa Oliveira
A delegação alagoana que participa do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, foi surpreendida – nesta quarta-feira (26) – com a notícia de que foi suspensa a assinatura de demarcação de terra dos povos Xukuru-Kariri, em Palmeira dos Índios, e Kariri-Xocó, em Porto Real do Colégio, prevista para acontecer ainda durante o ATL. O processo de homologação já havia sido anunciado no início do ano pelo Governo Federal, após comunicado da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, de que toda a documentação já estava pronta em pelo menos 13 terras, faltando apenas a assinatura do presidente Lula (PT).
Abaladas com a notícia, lideranças em Alagoas e Sergipe buscaram a ministra para buscar informações sobre a não assinatura, uma vez que o processo estava em vias de finalização. Guajajara, por sua vez, relatou sobre uma série de “forças contrárias” que também vêm se movimentado desde o anúncio das demarcações anunciadas.
“Nós temos feito o que é possível para destravar esses processos. Foram identificadas 14 terras no GT já na Portaria Declaratória, já anunciado que estava pronto. Quando a gente vê, não está. Porque ficaram seis anos paralisados, daí precisamos juntar e dar novo parecer. Tudo isso com FUNAI sucateada, sem equipe suficiente e o Ministério nem terminou de compor as equipes, inclusive de consultoria jurídica”, explica. “No Ministério, a orientação é de que nada pare. Chegou algum pedido de informação, a gente já trabalha para entregar. Entregamos, e daí vem articulações da Câmara, de Congresso, de Deputados. Assim como nós corremos para avançar, eles correm para dizer ‘aqui não pode’”.
Segundo a ministra, a expectativa era de que 13 terras – até então previstas como certas para homologação – receberiam assinaturas entre os primeiros 100 dias, outras em celebração ao 19 de abril e, por fim, algumas no dia Acampamento. Entretanto, em meio aos travamentos políticos, não conseguirão finalizar as 14.
“Vamos continuar trabalhando todos os processos, mas colocando devagar para evitar também a pressa, pois temos que ter segurança jurídica. Não adianta o Governo Federal assinar se qualquer um pode entrar com ação judicial para buscar impedir, como já temos várias judicializadas no Supremo. Conversamos no Supremo para informar sobre a retomada do processo de demarcação e que não queremos que estas terras sejam judicializadas”, relatou a ministra, em reunião com os parentes da comitiva alagoana.
Se há uma força-tarefa de fluxo de pareceres para agilização do processo por parte do Ministério, há – por outro lado – um intenso lobby contra a demarcação por parte de ruralistas, inclusive arregimentados por parlamentares declaradamente manifestos em políticas anti-indígenas, como é o caso do deputado federal Arthur Lira (Progressistas). Por todo o país, vem sendo constante a procura de políticos e empresários locais, além da bancada ruralista, no intuito de travar os esforços de demarcação.
É por isso que uma reunião que contou com a participação do prefeito de Palmeira dos Índios, Julio Cézar (MDB), do deputado federal Rafael Brito (MDB) – divulgada inclusive no portal da Prefeitura de Palmeira dos Índios – gerou uma série de desconfianças em torno da pauta, uma vez que estiveram presentes ruralistas locais com histórico público de confronto à demarcação, a exemplo do político e agropecuarista Edval Gaia. Uma dessas repercussões foi produzida no portal Tribuna do Sertão, em reportagem produzida pelo jornalista Kleverson Levy. Leia a reportagem completa clicando aqui.
Procurada pela Mídia Caeté, a assessoria de comunicação do prefeito Júlio Cézar negou que esta tenha sido uma das pautas da reunião, alegando que a reunião teria sido a busca de emendas parlamentares junto ao senador Renan Calheiros (MDB), para investimentos no município. As ações, no entanto, não foram especificadas.
Ainda segundo a assessoria, o prefeito não estava sabendo sobre a suspensão da assinatura de demarcação, e se posiciona como mediador.
“A prefeitura, na pessoa do prefeito Júlio Cezar, se mantém mediadora do conflito entre o povo indígena e os agricultores. Estamos nos esforçando para que, caso haja a demarcação, que ela seja de maneira justa, da melhor forma possível, e também de maneira pacífica entre as partes”.
Já Edval Maia foi procurado em suas redes sociais, mas não chegou a responder à reportagem. A Mídia Caeté também procurou o deputado Rafael Brito, através de assessoria de comunicação, mas até a finalização desta matéria também não obteve resposta.
A reunião em questão aconteceu há exatos 15 dias antes do anúncio de suspensão da assinatura da demarcação.
MOMENTO DESAFIADOR
A ministra Sônia Guajajara também relatou sobre o momento desafiador vivenciado neste momento. “Quando a gente se organiza para ocupar, e o presidente dá a palavra que vai demarcar, as forças contrárias também se organizam, se articulam e fortalecem. E aí vemos vários exemplos. Famílias com histórico de serem inimigas se juntando, mídias locais colocando a população contra. É um momento de oportunidade, mas também é o mais difícil. Vocês atacados nos territórios pela possibilidade de demarcar, e eu também no ministério, tanto por parlamentar como empresário, como inclusive por parente porque quer que tudo seja resolvido”.
Durante o ATL, a Articulação de Povos Indígenas do Brasil comunicou que as demandas por demarcação em todo o país chegam a quase 1,4 mil processos, sendo pelo menos 600 territórios com nenhum procedimento efetuado até o momento.
O povo Kariri-Xocó vem reafirmado as lutas por terra desde 2007, em embates contínuos contra posseiros. Já os Xukuru-Kariri vêm seguindo nas lutas também por retomadas. A primeira delas, ocorrida em 1979. Em 2013, a carta emblemática do povo Xukuru reforça a desinformação contida nas relações locais e que, ao que vem sendo demonstrado com mais este recuo, seguem acontecendo.
“Através de campanhas difamatórias, veiculadas pela imprensa controlada pelos ricos invasores de nossas terras, estamos sendo acusados de atrasar o progresso do município. Como? Pois, preservamos 200 hectares de mata atlântica e 300 hectares de caatinga. Rios e nascentes existentes dentro de nossas aldeias abastecem parte da população. Produzimos mais de 70% da banana que é vendida na feira livre de Palmeira dos Índios: macaxeira, batata, frutas, hortaliças, além da produção e conservação das sementes crioulas. Criamos pequenos animais, como aves, cabras e suínos. Fornecemos alimentos agroecológicos para o programa do governo federal PAA – Programa de Aquisição de Alimentos, com Doação Simultânea, além do PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar, ampliando assim o abastecimento de uma alimentação saudável a população do município de Palmeira dos Índios. E os fazendeiros, produzem e conservam o quê?”