Justiça anula transferência de R$ 25 MI ao Fundo de Amparo ao Morador; Prefeitura de Maceió nunca repassou um centavo ao FAM

O desembargador Fábio Ferrário anulou a decisão que determinava o repasse do valor ao fundo; Prefeitura alega que o FAM não é um fundo financeiro
Prefeitura de Maceió já recebeu R$ 1,2 BI da Braskem, 70,5% do valor do acordo. | FOTO: Camila Santana / Redes Sociais.

Como sempre, o nebuloso acordo entre a Prefeitura de Maceió e a Braskem gera controvérsia. Desta vez, o ponto em questão é o repasse dos recursos ao Fundo de Amparo ao Morador (FAM), que – em teoria – deveria abarcar os valores das indenizações recebidas e assegurar a reparação de danos às vítimas do crime ambiental. Porém, para variar, a falta de transparência da atual gestão gera questionamentos sobre o destino desse dinheiro, uma vez que – de acordo com a Defensoria Pública de Alagoas (DPE-AL) – nenhum centavo chegou a ser transferido para o fundo.

Vale ressaltar que esse fundo foi criado pela própria Prefeitura de Maceió, na gestão de João Henrique Caldas (PL), quando o Município celebrou em 2023, um acordo de indenização com Braskem, no valor de R$ 1,7 bilhão, só que nenhum valor chegou a ser direcionado para tal destino. Importante: a prefeitura já recebeu 70,5% desse valor, o que equivale a R$ 1,2 bilhão.

Assim, a DPE por meio de uma Ação Civil Pública, solicitou que a prefeitura repassasse integralmente os R$ 250 milhões – da parcela da Braskem depositada pela Braskem em 15 de julho – ao FAM. Nesse contexto, no último domingo, o desembargador Márcio Roberto Tenório, do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), determinou que a prefeitura repassasse R$ 25 milhões da quantia supracitada ao Fundo de Amparo ao Morador.

LEIA O PEDIDO DA DPE NA ÍNTEGRA

No entanto, no dia seguinte, o desembargador Fábio Ferrário anulou a decisão, argumentando que o Tribunal “não poderia ter avançado sobre o mérito da questão”, uma vez que não houve manifestação de “primeiro grau”. Desse modo, a transferência para o FAM foi derrubada por falta de “requisito formal”.

Ao portal Tribuna Hoje, o defensor público, Ricardo Melro, um dos profissionais que atuam no caso, destacou que a decisão parcial (e posteriormente derrubada) reconhece a omissão da Prefeitura de Maceió em relação às vítimas que residiam nos bairros destruídos Braskem.

“É um avanço, apesar de a decisão ter acolhido parcialmente o nosso pedido. De fato, foi reconhecida a omissão da prefeitura com as vítimas, pois, apesar de ter criado um Fundo de Amparo ao Morador há um ano, e do prefeito ter divulgado que parte do acordo de R$ 1,7 bilhão da Braskem iria para o Fundo, nunca destinou um real sequer”, afirmou Ricardo Melro.

Ainda segundo Melro, a Defensoria Pública de Alagoas permanecerá acompanhando o caso, visando garantir que os recursos sejam efetivamente destinados ao amparo das vítimas e que a justiça seja feita. Nunca é demais lembrar que cinco bairros de Maceió (Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol) foram evacuados e hoje são verdadeiros cenários de guerra. 60 mil pessoas precisaram abandonar tudo e viver em outra região.

A gestão João Henrique Caldas é contestada pela falta de transparência dos recursos públicos. | FOTO: Blog Kleverson Levy.

FALTA DE TRANSPARÊNCIA DA PREFEITURA NA GESTÃO DOS RECURSOS

Para piorar ainda mais a percepção sobre a administração dos recursos por parte da de JHC, Maceió ocupa uma posição indigesta em um índice da Open Knowledge Brasil, recebendo a nota mínima quando se trata de transparência sobre políticas públicas. A linda e festiva Maceió é a 3ª pior capital do país no quesito.

Divulgado no início de junho, o “Índice de Dados Abertos para Cidades 2023” avaliou as 26 capitais brasileiras, organizando as classificações por setores da gestão pública.

A pontuação do estudo é obtida por meio de um somatório das notas de cada dimensão temática e da nota da dimensão de governança, dividindo-se o resultado pelo número total de dimensões (15) e, em seguida, multiplicando por 100. Quanto mais distante de 100 for a pontuação, menor será a qualidade e a disponibilidade de dados abertos naquele município. Maceió possui a pontuação de 1%.

As cidades poderiam responder através de um questionário, onde indicariam a existência de recursos mínimos para abertura de dados. Apenas 16 municípios deram retorno dessa forma, enquanto outros 8 responderam via Lei de Acesso à Informação (LAI). Maceió não retornou por nenhum meio.

Segundo a pesquisa, a Governança de Dados “busca construir uma visão estrutural sobre as políticas de dados abertos das capitais, mapeando instrumentos e recursos básicos adotados pelas prefeituras para abrir dados que visem ampliar a transparência de informações públicas de forma articulada à proteção de dados pessoais e sensíveis”

O QUE DIZ A PREFEITURA DE MACEIÓ?

Entramos em contato com a Prefeitura, por meio da assessoria de imprensa. Segue a nota enviada.

“O Município de Maceió informa que o Fundo de Amparo ao Morador (FAM) é um programa com ações e políticas públicas desenvolvidas para beneficiar a população da capital alagoana, e não um fundo financeiro. Os recursos pagos pela Braskem, resultantes do termo de reparação de danos à cidade, encontram-se devidamente depositados no Tesouro do Município, identificados com detalhamento de receita específico. 

Investimentos com estes recursos já estão sendo revertidos em ações que beneficiam a população de toda Maceió, como a aquisição do primeiro hospital público municipal da história da capital alagoana, que está salvando vidas e já realizou mais de 5 mil atendimentos e 400 cirurgias; criação do programa Gigantinhos, o maior do país, voltado à primeira infância que abre 10 mil novas vagas em creche; e obras de infraestrutura urbana e de mobilidade.”

O QUE DIZ A DESENSORIA PÚBLICA DE ALAGOAS?

Após a Prefeitura de Maceió se manifestar publicamente afirmando que a ação para a destinação das verbas do acordo com a Braskem ao Fundo de Amparo ao Morador (FAM) seria “desnecessária, pois o FAM é um programa prioritário idealizado pela atual gestão para atender às vítimas da Braskem e que a alocação de recursos públicos para o referido programa é compromisso do Município de Maceió”, a Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE/AL) se manifestou no processo na última terça-feira, 16, e requereu ao juiz a designação de uma audiência com o Município para que este informe quando e quanto pretende alocar no FAM que, passado mais de um ano da sua criação, nada recebeu até hoje.

Na petição, os defensores públicos Ricardo Antunes Melro, Lucas Monteiro Valença e Daniel Alcoforado também solicitaram a apreciação do pedido liminar da ação civil pública ingressada no último dia 11 de julho, em que a Instituição requer o repasse integral dos R$ 250 mi correspondentes à quarta parcela do referido acordo para o FAM.

O acordo entre a Prefeitura de Maceió e a Braskem prevê o pagamento de R$ 1,7 bi como indenização ao Município devido ao afundamento do solo em bairros da cidade. No momento da celebração do acordo, o Prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, anunciou a criação do FAM para o qual seria destinada a indenização, com o objetivo de fornecer apoio financeiro às vítimas, entre outras providências. No entanto, até agora, o ente público recebeu R$1,2 bi da mineradora e a conta do fundo não foi sequer criada.

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