Por Analice Leandro*
O que é uma escola?
Para responder a essa pergunta de maneira sincera e completa, não posso simplesmente abrir o dicionário e dizer que escola é um substantivo feminino que representa um prédio que é lugar de educação coletiva. Eu não poderia dizer apenas, num segundo sentido, que escola é mais que um prédio, é o conjunto de professores, alunos, famílias e profissionais de apoio envolvidos nesse processo de educação coletiva. Isso é tudo verdade, mas escola ainda é mais. Muito mais.
Para responder de maneira sincera e completa a essa pergunta, eu preciso fechar meus olhos e buscar minhas recordações mais distantes de coletividade, afetividade, educação. O que meu coração diz é que a escola é a primeira sociedade para além da família na qual ingressamos. E que a escola é o lugar onde fazemos amigos, construímos laços de afeto, construímos conhecimento. A escola nos ensina a conviver com as diferenças. A escola é para todos. Cor, religião, gênero, orientação afetiva, partido político, time de futebol. A escola constrói uma janela de comunicação com mundos, um caminho para o aprendizado que perpassa a vida toda e nunca mais acaba. Para resumir numa frase a escola é o lugar de construir.
E o que dizer da destruição de uma escola?
Nesse ponto, as palavras fogem. Fico entre não querer mesmo acreditar e a tristeza de saber que é verdade que isso aconteceu na semana do dia do estudante. A quem interessa queimar uma escola?
A destruição de uma escola é algo tão profundamente doloroso que atinge a tantas pessoas em tantos níveis que é até difícil imaginar quão forte são as dores e quão intensas serão as cicatrizes. Aquele que queima uma escola, queima a educação, as memórias, a possibilidade de uma janela para compreender umas tantas coisas que estão a nossa volta. Quem queima uma escola dá mostras de uma violência que ultrapassa o físico, pois a escola é mais que um prédio, é um símbolo do conhecimento, das relações, da infância, do amanhã. Aquele que queima uma escola manda uma mensagem às crianças. Uma mensagem de medo, de insegurança. A mensagem é que o futuro pode ser interrompido pelo fogo, que o passado pode ser reduzido às cinzas e, no presente, a dor é como uma queimadura no coração. Imagine a criança que viu o lugar em que brinca e aprende – lugar que ama e se sente segura, sua ponte com o mundo e com os demais, seu segundo lugar de sorrir, de conviver – ser destruído.
Comecei dizendo que para falar sobre escola eu precisaria fechar os olhos. E agora peço a você que escuta ou lê essa mensagem: feche seus olhos e busque nas suas memórias mais preciosas o sentido de escola para você.
Sou descendente. Fui criada longe. Mas não posso deixar de pensar (como tantas vezes já imaginei) que se minha história familiar fosse diferente, eu teria sido aluna e hoje, quem sabe, professora nesta escola. Lugar que me traz lembranças de alegria, aprendizado, dança, comida, gente reunida e sorrindo, crianças brincando. Seria um imenso orgulho para mim. E sou professora. Uma professora ferida por esse ato tão triste e tão mesquinho.
Uma das coisas mais bonitas sobre a escola é que ela não tem dono. A escola é de todo mundo, é para todo mundo e, embora, cada pessoa tenha uma lembrança diferente do que foi e do que é a escola para si, cada memória dessas representa um pedacinho, um fragmento de uma colagem coletiva. Porque ninguém é/faz escola sozinho, sozinha.
Todos nós temos uma escola no coração.
Tenho certeza de que a escola será reconstruída, mas toda cirurgia deixa uma cicatriz. Os povos originários sempre foram atacados e esse ataque continua, minando, tentando intimidar, impor pela força e pelo medo.
Nesse caso, a cicatriz ficará no prédio e no coração das pessoas, em especial, no das crianças. Mas não vamos nos abater! É importante saber que ninguém está sozinho/a nessa. Pelas crianças, precisamos seguir fortes.
Reconstruir a escola será um processo em que recursos materiais serão necessários, mas será preciso, mais que tudo, reconstruir o orgulho e a segurança de ser e fazer parte dela.
Ya ke sankya keahe sa ke etxlese nede se kakse.
Yaktowankyake, se keynise.
*Analice Leandro é doutoranda em letras pelo PPGLL/Ufal. Professora, pesquisadora e mãe, apoia a resistência dos povos originários.