Maceió: bela e desigual. Não é surpresa para ninguém que a capital alagoana esteja entre as “mais valorizadas” dos últimos anos, assim como não surpreende saber que ela também está entre as mais desiguais do país.
De acordo com um levantamento do Índice FipeZAP de Venda Residencial, realizado pelo DataZAP+, Maceió é a capital com maior aumento do preço dos imóveis em 2023, com uma alta de 16%. A pesquisa aponta ainda que é a cidade com mais bairros na lista dos 8 mais caros do Nordeste, 4 ao todo: Pajuçara, Ponta Verde, Jatiúca e Jacarecica.
Tais bairros possuem um metro quadrado muito mais caro que o valor médio da região. Para termos uma dimensão, para adquirirmos hoje um imóvel em Pajuçara, precisamos desembolsar em média R$10.294 por metro quadrado.
Confira a lista completa (Fonte: FipeZAP):
1 – Pajuçara (Maceió): R$ 10.294 por metro quadrado;
2 – Meireles (Fortaleza): R$ 9.982;
3 – Cabo Branco (João Pessoa): R$ 9.702;
4 – Mucuripe (Fortaleza): R$ 9.534;
5 – Ponta Verde (Maceió): R$ 9.345;
6 – Jatiúca (Maceió): R$ 9.292;
7 – Jacarecica (Maceió): R$ 9.206;
8 – Eng. Luciano Cavalcante (Fortaleza): R$ 9.049.
Na contramão dessa ostentação por metro quadrado, Maceió vive outra realidade, ocupando o 21º lugar no último ranking do Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) e figurando como uma das capitais menos igualitárias do Brasil. Analisando friamente, Maceió é a 6ª capital mais desigual do país e a 2ª do Nordeste, de acordo com o estudo. Abaixo da capital alagoana ficam apenas Rio Branco, Manaus, Belém, Recife e Porto Velho, esta última na pior colocação.
A classificação é o somatório de pontos a partir dos 40 indicadores sociais analisados no Mapa da Desigualdade entre as capitais: estão renda, moradia, saúde, educação e violência, entre outros. Maceió aparece com 428 pontos, 249 pontos a menos que a primeira colocada, que obteve 677 pontos.
Também são levados em consideração indicadores de diferentes bases e levantamentos, como o Censo, as diferentes Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua e o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), grupados de acordo com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU).
Para o professor e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi), vinculado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Danilo Marques, o ranking do ICS exemplifica a grande concentração de renda que ocorre em Maceió, o que contribui para a acentuada desigualdade.
“A pesquisa mostra como a concentração de renda está direcionada à uma parte pequena da cidade, em detrimento de uma outra parcela. Assim, você tem a capital de um estado como Alagoas sempre figurando entre os piores índices de alfabetização, qualidade de vida, violência em relação à juventude negra, em relação à mulher. Nesse sentido, a gente vive em uma cidade bastante desigual, que concentra parte da sua riqueza em pequenos redutos de bairros nobres e que contrasta com a grande faixa territorial das periferias – sobretudo da parte baixa, próxima à Lagoa Mundaú, bem como as periferias mais recentes, que explodiram nos últimos 40 anos, na chamada Parte Alta de Maceió”, explica.
Já a cientista política, pesquisadora e doutoranda pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Augusta Teixeira, frisa que – para atingir o patamar de cidade sustentável – é fundamental a elaboração de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social, algo que não vem ocorrendo.
“Sustentabilidade é uma agenda política, logo, é da competência de qualquer candidato inserir isso no seu plano de mandato. Para atingirmos o patamar de cidade sustentável, é necessária a criação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico e social. Entretanto, as gestões que encontramos não tem uma agenda política com 1) políticas públicas empenhadas na mobilidade social; 2) continuidade de políticas públicas. Logo, além de termos um ‘amadorismo’ nessa área, também não há uma vontade política de superar esse abismo econômico e social”, afirmou Augusta.
E complementa:
Em anos anteriores, foi possível observar um crescimento de cidades menores, principalmente do agreste e sertão alagoano. Isso envolve uma série de atores políticos realmente dispostos a efetuar uma ação que gere uma política pública eficiente – o que não podemos observar na capital alagoana”.
‘PÃO E CIRCO’ MACEIOENSE
Outro ponto destacado pelos especialistas é o contexto de “Pão e Circo” que ocorre em Maceió, através de uma gestão que tem como foco a promoção e que não dá a devida atenção à criação de políticas públicas como deveria, fato que, segundo os especialistas, contribui para a precarização das populações periféricas e a desigualdade.
“Sobretudo, pensando na parte alta ou nos bairros periféricos, a gente não tem um debate real sobre políticas públicas importantes para fazer diminuir os índices de precarização. Então, a gente vive numa cidade onde raramente se pensa em políticas públicas para pilares importantes para diminuição das desigualdades raciais, sociais e de gênero. É a política do ‘Pão e Circo’. E ela infelizmente resulta numa cidade bastante desigual”, pontua Danilo Marques.
Augusta Teixeira segue o mesmo raciocínio e complementa alertando para o excessivo anseio promocional existente.
“É a compreensão de que o discurso da gestão seja o de tornar Maceió mais atrativa como cidade turística e fornecer lazer aos cidadãos, entretanto a forma como a política está sendo feita é questionável: há um profundo descaso com artistas locais, não há um fomento a atores culturais – principalmente da periferia. A renda circulada pelos eventos não é capaz de transformar o cotidiano dos trabalhadores a longo prazo e o problema da informalidade e precarização da mão-de-obra persiste”.
ONDE ESTÁ O PLANO DIRETOR?
Questionado por muitos, o Plano Diretor de Maceió continua no limbo, e a sua ausência traz prejuízos severos para o município como um todo. O pesquisador reitera tais danos.
“Temos uma atual gestão da prefeitura da cidade que não trabalha com uma perspectiva de pensar um Plano Diretor para a cidade, de pensar alternativas, de tornar a cidade mais sustentável. A gente tem uma eterna crise em relação ao transporte público, a questão da arborização também. A gente tem muitos parques, muitas praças arborizadas, espaços de convivência, onde se poderia unir cultura e lazer, só que a gente tem muito pouca política pública voltada para o impulsionamento da arte. Então, quais são as bibliotecas municipais que a gente tem na cidade? Quais são os centros culturais que a gente tem na cidade?”, indaga Danilo Marques.
Ele continua: “Sendo assim, sem um Plano Diretor, a gente não tem como pensar em perspectivas para a cidade, pensar em um planejamento urbano que possa tornar a Maceió mais sustentável, tornar o município mais voltado ao uso social dos espaços públicos. Pensar a ausência desse plano é pensar na falência da gestão municipal”.
Augusta concorda com Danilo e traz outro aspecto muito preocupante: a não participação popular na construção do eventual Plano Diretor.
“O Plano Diretor é um documento que proporciona a qualquer gestão que venha ao poder as diretrizes básicas para organizar e desenvolver a cidade nos aspectos social, econômico, físico e administrativo. Em relação ao Plano Diretor de Maceió, existem dois problemas: a ausência deste e a falta de participação da população em sua construção. Um Plano Diretor não pode ser construído sem os habitantes da cidade: não existe cidade sem habitantes. As demandas sociais precisam ser ouvidas e inseridas no Plano”.
CONSERVADORISMO EXTREMO NO LEGISLATIVO
É sabido que o legislativo maceioense é bastante criticado pelo acentuado conservadorismo e pela ausência de debate sobre direitos humanos e ações efetivas para diminuição das desigualdades. A cientista política acredita que transformar essa conjuntura é essencial para amenizar o distanciamento social presente.
“Maceió passou por contextos mais progressistas e agora volta ao conservadorismo, é cíclico. O Legislativo maceioense é construído através da ausência de Estado: são eleitos indivíduos que atendem à população com serviços que deveriam ser promovidos pelo Estado, mas devido a essa lacuna, constroem-se currais eleitorais em votos são trocados pelo acesso de serviços e direitos básicos para o cidadão. Enquanto esse ciclo persistir, a ausência de ações efetivas para o Estado atuar, de fato, para o maceioense também persistirá. Mudar esse cenário é fundamental não apenas para políticas sociais que promovam igualdade e justiça social, mas também para ascender atores políticos que rompam com essa forma de fazer política e compreendam que a cidade é de todos e todas”, diz Augusta Teixeira.
Danilo Marques também aborda a representação da Câmara de Vereadores da capital como um fator preocupante quando pensamos em trazer melhores condições para os povos diversos que aqui vivem.
“Historicamente, temos uma péssima representação legislativa no nosso Estado, e Maceió não foge disso. Nossos vereadores não representam o grande leque de diversidade presente na população. Assim, há uma falta de políticas públicas para o bem-estar social dessas pessoas. A gente só vai conseguir pensar em ações efetivas, pensar em políticas públicas da forma mais adequada quando existir, de fato, uma representação condizente na Câmara dos Vereadores. Quantos integrantes têm uma ligação orgânica com os movimentos sociais de bairro, de periferia, ou com a cultura afro?”, questiona Danilo.
O pesquisador lembra também da importância de se eleger candidatos e candidatas que tragam novos pensamentos e novas perspectivas.
“Sem sombra de dúvidas, a gente precisa pensar em um cenário político que necessita estar voltado para uma representação diversa. Então, pensar em candidaturas negras, pensar em candidaturas de mulheres que estejam apresentando propostas ancoradas e tendo base. Portanto, esse olhar mais social para a cidade, esse olhar para pensar uma marcial menos desigual é fundamental. E a gente só vai conseguir isso dentro de um cenário assim no nosso legislativo, onde a grande parcela da população seja representada”, finaliza.
O QUE DIZ A PREFEITURA DE MACEIÓ?
A Mídia Caeté entrou em contato com a Prefeitura de Maceió, por meio da sua assessoria de imprensa, para coletar um posicionamento. Segue a nota na íntegra.
“Os dados do estudo realizado pelo Instituto Cidades Sustentáveis utilizam como base indicadores recolhidos até o ano de 2021, o primeiro da atual gestão. Maceió e Alagoas são profundamente marcados por desigualdades. O estado concentra mais da metade da sua população vivendo na pobreza e é o que acumula o maior número de analfabetos no país, com 14% da população sem acesso à leitura. Porém, a prefeitura de Maceió foi a que mais investiu entre as capitais brasileiras nos últimos três anos, de acordo com os indicadores do Instituto Compara Brasil. Entre 2019 e 2023, a cidade aumentou os investimentos em 1.166,50%, investindo mais de R$ 1 bilhão em obras e projetos que estão mudando para melhor a vida das pessoas. Maceió tem hoje a menor taxa de desemprego do Nordeste e, em janeiro deste ano, de cada 10 empregos criados em Alagoas, 9 estão em Maceió, de acordo com o Caged”.