Ex-moradores dos bairros atingidos denunciam Braskem

Advogados e moradores reclamam sobre relação desigual e falta de transparência. Empresa nega.
Casas já desocupadas em áreas afetadas por mineração. Foto: Jonathan Lins

Após desestabilização de solo e riscos de afundamento nos quatro bairros afetados pela extração de sal-gema em Maceió, cresce o número de moradores que, obrigados a deixar suas casas, relatam enfrentar uma verdadeira Via Crúcis nos acordos contra a petroquímica Braskem. As informações de advogados e moradores são de que, enquanto adquire, a partir das indenizações, a posse dos terrenos afetados nos quatro bairros, a empresa vem efetuando um  relacionamento desigual contra os proprietários durante o Programa de Compensação Financeira (PCF). Segundo as denúncias, a empresa dita todos os termos durante as reuniões, nega informações sobre os critérios para avaliação dos valores dos imóveis, e utiliza de forma unilateral os princípios de ‘boa fé’, sempre sob princípio de confidencialidade.

A cronologia é turbulenta, complexa, e começa desde os primeiros tremores sentidos nas áreas do Pinheiro e Mutange, em março de 2018. Em seguida, vem a identificação das rachaduras, os estudos, até o primeiro relatório conclusivo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), em maio de 2019, demonstrando a “desestabilização das cavidades provenientes da extração de sal-gema, provocando halocinese (movimentação do sal), e criando uma situação dinâmica com reativação de estruturas geológicas antigas, subsidência (afundamento) do terreno e deformações rúpteis na superfície (trincas no solo e nas edificações) em parte dos bairros Pinheiro, Mutange e Bebedouro”.

Todo o relatório do CPRM pode ser visualizado neste link.

O documento expõe que os danos no solo possuem outras causalidades que agravam a situação, como infiltração de água de chuva em falhas já existentes e falta de rede de drenagem e saneamento básico. Entretanto, não esconde o quanto é determinante a extração de sal nas minas situadas naqueles bairros.

Destacando as fissuras de 1,5 quilômetro de extensão identificadas naquele período, a Defesa Civil anunciou a urgência para que moradores das áreas mais afetadas deixassem rapidamente suas casas. Com caráter mais conclusivo, seguiu-se o direcionamento da responsabilização à Braskem, que interrompeu neste período a extração de sal e paralisou a fábrica de cloro-soda. Começaram as buscas à Justiça e reivindicação de moradores por condições de realocação.

Transferência de posse, transferências de poder

Cláusula 14ª do Termo de que transfere posse de bens dos moradores para a Braskem.

“Há dois anos, quando a calamidade começou, começamos a lidar diretamente com os casos”, conta o advogado Olavo Soares Bastos, cujo escritório hoje representa cerca de 40 famílias no bairro do Pinheiro. “Uma das preocupações que tivemos foi conseguir liminares, através de tutelas de urgência, para que a Braskem fosse obrigada a pagar o aluguel condizente com a realidade em que as pessoas viviam. Lutamos muito para conseguir isso, e existiu uma dinâmica de que as pessoas seriam indenizadas com medida justa do aluguel”.

O advogado demarca o período em que foi institucionalizada essa relação desigual, entre moradores e Braskem, a partir da assinatura do Termo de Acordo para Apoio na Desocupação das Áreas de Risco, em 30 de dezembro de 2019. O documento, homologado na 3ª Vara Federal, firmou uma série de critérios para o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação elaborado pela Braskem, e parte também de um não reconhecimento de responsabilidade por parte da petroquímica – questão, aliás, reiterada ao longo das cláusulas. Além da Braskem, o documento teve assinatura de órgãos como o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública do Estado, Defensoria Pública da União, e o Ministério Público Estadual.

No primeiro semestre de 2020, a partir deste termo de cooperação, os ajuizamentos individuais foram interrompidos, segundo o advogado. “Evidente que MP e Defensoria têm legitimidade de agir em representação da coletividade, só que nessa representação também existem interesses institucionais, que são de resolver um problema que tem dado muito trabalho. Nesse interesse, a gente na advocacia, que trabalha caso a caso, enxerga que o acordo resolveu o problema deles, mas não da população. Estipulou valor de R$ 1 mil por mês para todos, irrestritamente, colocando todos os moradores do Pinheiro e acredito que boa parte do Bebedouro e em alguma medida do Mutange, a se submeter a uma condição que absolutamente não atende”, relata. “O ajuizamento da Ação Civil Pública (ACP) interrompeu todas as liminares que a gente já tinha ajuizado. Só no meu escritório são 40 unidades, representamos cerca de 160 pessoas”, conta Olavo Soares Bastos.

Ainda de acordo com Bastos, diante da trava nos processos individuais contra a Braskem, advogados se viram de mãos atadas, uma vez que havia uma decisão homologada anteriormente pelo Tribunal de Justiça. “A Defensoria, também nessa competência expansiva, fez um acordo que já englobava também o honorário dos advogados nivelando por baixo. Entrou aí outro cenário que foi mil vezes pior para os moradores, que sentem na pele a realidade”, conta. “Ela transferiu integralmente responsabilidade de julgar, eleger, avaliar e conduzir todo o processo à Braskem. Deu ao causador do dano o papel de processar, conciliar, verificar o dano, julgar e dar uma proposta unilateral”. Ainda mais, o termo respaldou à empresa a imposição de contratos sigilosos para os moradores que estabeleciam essa transferência de imóvel.

Casas já desocupadas em áreas afetadas pela mineração. Foto: Jonathan Lins

A Mídia Caeté entrou em contato com o Ministério Público Federal, com a Defensoria Pública do Estado e com o Ministério Público Federal, com questionamentos em comum e alguns outros específicos em relação ao caso. Entretanto, os órgãos decidiram emitir respostas de modo conjunto. Os órgãos negam que tenha existido alguma transferência de poder para a empresa, “A Braskem não possui nenhuma prerrogativa. Ela oferta a proposta e o atingido analisa, podendo, inclusive, solicitar a reavaliação. O que o Termo de Acordo prevê é que o morador e a Braskem devem negociar e, uma vez em acordo, a Braskem indeniza o morador/comerciante. Por isso que a participação de um advogado/defensor público é tão importante e foi garantido pelo Termo de Acordo. Ressaltando que a qualquer momento o morador/comerciante pode buscar o Judiciário, caso não seja possível o acordo com a empresa”, escreveram os órgãos, na resposta.

Unilateralidade

O problema é que na prática, a partir desse acordo, moradores e advogados descrevem como a relação se tornou desigual. “A gente tem observado essa transferência de poder, que é o que aconteceu. Se valendo da prerrogativa que tem como causadora do dano, a Braskem tem se aproveitado de todos os aspectos que lhes foram possibilitados. Retarda o pagamento, faz proposta abaixo do mercado. Nos primeiros meses do Programa fazia propostas boas de indenização material, e depois essa dinâmica foi mudando”.

Ex-moradora do Pinheiro, a advogada Thayná Lobato Vieira também relata ter sentido essa desigualdade tanto durante reunião com a Braskem sobre a desocupação de sua casa, como ao acompanhar clientes – uma vez que ela vem trabalhando com alguns casos relacionados. “O programa não é bilateral. É totalmente unilateral. Funciona do jeito que a Braskem quer. Inicia quando ela quer, no ritmo que ela quer. As reuniões são marcadas a partir da disponibilidade da empresa. Enviamos os documentos que eles pedem, seguimos o fluxo deles, a valoração deles e a avaliação quem faz é eles, segundo os critérios deles”, complementa.

Escombros de prédio em área afetada após realocação. Foto: Jonathan Lins

A advogada também explica que, conforme previsto no Programa, além da indenização material pelo imóvel, outros danos podem ser contabilizados como os custos realizados com aluguel antes, melhorias feitas na casas, aumento de custo de vida em decorrência de deslocamento, e outros. Entretanto, considerar ou não estes valores vem dependendo de parâmetros adotados pela Braskem. “Então o aluguel tinha que ter sido feito com firma reconhecida, pois se reconhecer depois não consideram. O valor dos danos morais é de acordo com o que eles dizem que vale. A gente nem tem contato com a Braskem, mas com uma empresa que faz o caminho e chamam de facilitadores”.

Olavo também explica como a reunião vem desgatado moradores pela falta de espaço nos acordos. “Eles colocaram um facilitador supostamente imparcial e um advogado da Braskem. Ficam as duas pessoas na tela. Vem a proposta. Se a gente discorda, eles perguntam o motivo e mostramos a diferença em laudo, mostramos despesas extras, por exemplo, com deslocamento, mobília e casa recentemente reformada. E eles dizem que não analisam as benfeitorias porque já consideram o imóvel como se novo estivesse. Eles não indicam o parâmetro que estão escolhendo. Essa indicação está no acordo efetuado com a Defensoria, mas eles descumprem porque deram para eles os poderes”.

Thayná Lobato, que também precisou deixar o bairro, problematiza essa padronização. “Não analisa caso a caso da família. Entra representando todos os bairros e famílias ao mesmo tempo. Não existiu Thayná e a família, e sim todos os moradores do Pinheiro”.

Para o advogado Olavo Soares, caberia à Defensoria Pública defender que os casos sejam tratados de forma individualizada. “Menciono enfaticamente a Defensoria porque, em tese, ela quem tem o papel de defender os assistidos individualmente. O MP atua de foram mais coletiva. A Defensoria que, em tese, deveria ouvir as pessoas. O que você, cidadão, acha de mil reais por mês? Você que morava perto do trabalho, que seus filhos estudavam numa escola e agora estão espalhados pela cidade, 40 mil reais de indenização atende sua família inteira? Nunca houve esse questionamento”.

Thayná conta ter sentido de perto os efeitos desse poder de negociação investido à Braskem. “A gente sentia uma posição intransigente e autoritária, no sentido de ‘vamos fechar esse acordo porque é bom. É ótimo’. Mas bom para quem?” Nenhum morador dentro da Ação Civil Pública teve voz para falar se concordaram ou não, se era benéfico ou não. Para alguns a situação cobria, poderia ser, mas para outros não. No meu caso, por exemplo, não cobria. Não houve essa análise caso a caso. Foi tratado em bando. Você pegar a situação que a Braskem é a grande causadora e largar na mão da própria Braskem para resolver é algo que não fecha. E como o MP e a Defensoria são legitimados para representar a população, eles também são legitimados a fechar o acordo”, diz.

Nova proprietária dos terrenos vem decidindo quanto vai pagar – reclamam moradores

“Dona e proprietária” dos terrenos nos quatro bairros. É este o desfecho das indenizações consolidadas dentro dos acordos do Programa de Compensação Financeira (PCF) construído e coordenado pela Braskem, tendo como base o Termo de Acordo assinado por empresa e órgãos. Este movimento foi permitido pelo Acordo Coletivo, entregando à Braskem a possibilidade de adquirir o direito sobre a posse dos imóveis ou terrenos atingidos pela mineração, dos quais os moradores se viram obrigados a se afastar. O direito já aparece na 14ª Cláusula do Termo, ao referir que:

“O que acontece nos cenários de indenização? A própria palavra expõe que vem de retornar ao status em que se encontrava antes. Vem de um princípio de incolumidade, que basicamente prega que ninguém pode causar dano a alguém. Todos devem se manter incólumes, livres de danos. Esse princípio justifica a indenização material. Você devolve dinheiro a pessoa que causou o dano, e a pessoa volta a ter sua vida ou relação.”, relata o advogado Olavo. “O que era para acontecer em um cenário normal? Em uma ação indenizatória – que nesse caso acabou sobrestada em função da ACP – a Braskem pagaria o valor da sua casa, mas o terreno continuaria sendo seu. Ela não ficaria com o terreno, pois esvaziou o seu valor. Se ela recuperar o terreno pela responsabilidade atribuída em uma outra ACP, que é ambiental, aí o proprietário do terreno pode voltar a usufruir, ainda que com os defeitos. Indenizar é isso”, explica.

Nesse caso, no entanto, não foi o que ocorreu. Para o advogado Olavo Soares, a circunstância se agrava diante do modo como as reuniões para o acordo de ”compra” de imóvel são efetuados. “O acordo é assim. Braskem você paga o que quer, com os critérios que você quer, quando quiser e no valor que quiser, e vira dona. Então ela está ‘comprando’ o Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Pinheiro, ao menos os terrenos particulares”, reforça. “Vai virar dona dos terrenos nos quatro bairros’.

Entre os moradores atingidos, Edson Menezes, de 45 anos, conta se incomodar com o fato de que – além de se ver obrigado a vender seu imóvel, a situação ocorrer sob critérios da própria empresa. “Ela compra a nossa casa e nos obriga a dar desconto. É o que está acontecendo. As primeiras casas desocupadas estavam pagando mais do que até se esperava. Agora foi uma piada o que ofereceram. Uma casa avaliada em R$ 260 mil foi oferecida por ela por R$ 150 mil. É nítido que mudaram a estratégia porque o que estão oferecendo e insistindo nesse valor não se trata de um acordo”, conta.

Cristiano José optou por contratar um avalista particular e comparar com os valores apresentados pela Braskem. “Eles não estão levando em consideração as avaliações dos moradores. Contratei um profissional para avaliar a casa antes de desocupar, mostrando a casa reformada. Reuni informações que eles simplesmente não levam em consideração, mesmo apresentando os documentos, incluindo os registros do profissional e o resultado da avaliação. A Braskem pega e diz que não vale nada, vale o que eles acham e pronto”, conta.

Olavo Soares comenta que em diálogos com outros escritórios, já vem se percebido uma mudança no padrão da valoração de imóveis. “A Braskem precisava de números pra mostrar que o acordo era eficaz e bom. Então levantou um pouco os números, muitas vezes com casas de valores menores. Se a gente puxar as reuniões iniciais, as indenizações das casas mais baratas estavam mais altas. Então ela seguiu esse fluxo, fez número de 99% de adesão ao acordo, e depois mudou isso”.

Em nota, a Braskem nega ter modificado o padrão de valores. “Não procede a informação de que a Braskem estaria reduzindo os valores dos imóveis nas propostas. A empresa avalia todos os pleitos trazidos pelos moradores e, se comprovada a necessidade de uma nova análise, as propostas são revistas. Os moradores podem trazer documentos que entendam relevantes na definição da proposta, inclusive laudos, sendo importante que o morador se certifique de que eventual laudo apresentado para sustentar o pleito seja elaborado por profissional capacitado e que sejam observadas as normas técnicas. Após a aceitação, os acordos assinados entre a Braskem e os moradores e comerciantes da área de desocupação são homologados pela Justiça. Todos os parâmetros do programa foram estabelecidos levando em consideração pareceres de especialistas e jurisprudência”, relatou. 

“É sempre assim”, diz Thayná. “Eles sempre repetem a cartilha de que seguem padrões de pareceres e jurisprudência durante as reuniões. Então perguntamos onde está a jurisprudência e não mostram. Depois perguntamos onde estão os pareceres e laudos, e não mostram também. Pedimos para que eles registrem a ata a negativa em apresentar esses documentos, e eles mais uma vez dizem que não podem fazer esse registro”.

Os órgãos reunidos também afirmaram ter instaurado procedimento para acompanhar os critérios de valoração, que vem recebendo reclamações. “O Procedimento de Acompanhamento n° 1.11.000.000411/2021-07 instaurado para identificar e acompanhar os critérios utilizados pela Braskem no Programa de Compensação Financeira em razão do número de representações que estavam chegando ao Ministério Público Federal, assim como a partir de relatos ocorridos em reuniões das instituições com moradores e lideranças. Importante registrar também que alguns moradores já tiveram solução de suas insatisfações”.

Em alguns momentos, o órgão também detalha que a empresa vem apresentando relatórios mensais, com a quantidade de famílias atendidas, e que há reuniões de acompanhamento em curtos intervalos de tempo.

Entretanto, moradores e advogados reforçam o abismo de realidades entre o envio relatórios aos órgãos e o modo como as reuniões de fato acontecem. Quase mecanizadas, as sessões são descritas como um momento repleto de restrições impostas pela empresa, além de recusa em validar documentos que comprovam benfeitorias de imóveis, ou mesmo falta de transparência sobre os parâmetros de preços entre andares de prédio e posições. Além do mais, segundo a ex-moradora, existe ainda uma negativa em registrar na ata a recusa de informações. “Perguntamos a eles quais os prédios, em qual bairro, quais valores foram colocados, para que chegassem na valoração dos imóveis, eles negam existir laudo ou registro. Quando pedimos para colocarem essa informação de que eles não têm laudo ou registro na ata da reunião, eles dizem que não é possível também”, diz Thayná.

Segundo a ex-moradora do Pinheiro, ainda não há nenhuma informação decisiva sobre como os valores são atingidos. “É tão padronizado e repetitivo que, quando fazemos alguma pergunta que não sabem, ficam perdidos. Solicitam diversos documentos, que nós apresentamos e eles não levam em consideração. Já quando solicitamos eles respondem que não existe laudo nenhum. Quando mais clientes começaram a encarar situações que não estavam aceitáveis, e perguntávamos o parâmetro usado, sempre respondiam frase genérica de que é ‘com base em análise de mercado’. É padrão dito em todas as reuniões”, explica.

“Tem cláusula no termo de acordo que diz que o montante a ser disponibilizado, além do valor da propriedade do terreno, tem também construção e benfeitorias, com propostas suficientemente claras e formuladas. Está existindo alguma clareza nisso? Em dizer o ‘valor é esse e acabou?”, questiona Olavo.

“O que revolta é que não pedimos para estar aqui”, complementa Cristiano. “E ainda assim tentamos resolver, mas temos que ainda mendigar o valor justo. Gera situação de impotência, de que nada se pode fazer”.

“Liberdade de escolha”

Legalmente, nenhum morador das áreas atingidas possui obrigatoriedade em aceitar o acordo com a Braskem. De acordo com o Termo assinado entre órgãos e Braskem, “(…)Em não havendo acordo quanto ao valor dos pagamentos previstos no caput, fica facultado pleitear em juizo os eventuais direitos que se entender devidos, assegurados o contraditório e a ampla defesa(…)“.

Em resposta aos questionamentos efetuados pela Caeté, os órgãos reiteraram o que já se registrava no termo de acordo. “A fim de garantir o equilíbrio nas negociações foi prevista cláusula no Termo de Acordo que assegura a participação de um advogado ou defensor público para proteger os interesses dos moradores/comerciantes. As negociações são individuais e quando não há acordo entre as partes é possível ajuizar ação, buscando o Judiciário. Caso isso aconteça, não haverá discussão sobre responsabilidade, mas apenas quanto ao valor da indenização”.

Ao longo da resposta, também apontam que o caminho segue livre para que a população insatisfeita ingresse na Justiça, muito embora também reforce as vantagens de participar do acordo que, segundo as informações encaminhadas, vêm mantendo um bom nível de aceitação. O órgão também afirma que

“A atuação das instituições nas negociações individuais é excepcional e não a regra, pois o Ministério Público atua na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis, mas não substituindo aos advogados e defensores públicos constituídos pelos atingidos. No entanto, sempre que reclamações semelhantes se avolumam, o Ministério Público busca soluções para que o interesse público seja protegido. De um modo geral, são muitas as mensagens de satisfação com o programa que chegam às instituições”.

A Braskem, em nota, também colocou que se mantinha o nível de aceitação em relação aos acordos.

“A Braskem tem incrementado o número de propostas de indenização apresentadas a cada mês. Somente no último mês de fevereiro, foram apresentadas mais de 650 propostas. Em março, mais de 700. Ao todo, mais de 5.400 propostas de indenização já foram apresentadas às famílias, com percentual de aceitação de 99,8%. A Braskem já pagou mais de R$ 576 milhões em indenizações, auxílios financeiros e honorários de advogados. Os dados são apresentados regularmente às autoridades que fazem parte do acordo”.

Sob o guarda-chuva da legalidade, do Termo, e mesmo dos relatórios entre Braskem e órgãos, moradores não se veem com tanta escolha assim em relação a uma possível “recusa do acordo”.

O tempo é o dilema que mais aparece nos relatos. Com grande parte da população idosa, sem condições de enfrentar uma judicialização por questão basilar como moradia e aguardar o tempo do Judiciário, são impelidos a ingressar no acordo quase que de imediato. Segundo a Defensoria Pública do Estado, não há nenhum registro de caso relacionado a indenização judicializado, sob sua assistência. Estão todos dentro do Acordo.

“É voluntário no sentido de que ninguém vai obrigar você a assinar o acordo, mas para mim voluntário é quando você tem mais de uma opção. E se nesse caso a opção é uma expectativa de um Judiciário sem prazo, que é algo que deixa de ser uma opção viável para as pessoas, muitas se sentem obrigadas a aceitar. A gente compartilha essas aflições e revolta a falta de possibilidade de ter espaço dentro do Programa”, conta.

Thayná relata que também teve reunião de ingresso, reunião devolutiva e apresentou discordância quanto aos valores. “Se talvez não fosse advogada, a gente aceitaria sem saber de muito. Mas lidei com outros moradores, de imóveis semelhantes ao meu. Então como advogada pude falar ao meu pai para segurar. Ele o fez extremamente contrariado. Sei que, na hora, não fui Thayná advogada, mas Thayná cliente. E na pandemia em que vivemos, com a casa que é da minha avó de 76 anos, a gente não faz ideia do imbróglio que vai ser. Por sorte, tive advogados também ou no desespero talvez tivesse aceitado”, diz.

Cristiano José conta ter sido endereçado ao PCF após ter sido retirado da casa em 15 de julho de 2019, junto a esposa e filha. A primeira reunião aconteceu em 18 de janeiro de 2020. “Estou aguardando a segunda reunião, que é a coisa mais irritante e frustrante. Essa demora, essa coisa colocada por baixo dos panos que você não sabe. Já se vão oito meses, e só tive uma reunião onde a gente faz um desabafo oficial de tudo o que perdeu materialmente e moralmente, e aguarda sem nenhuma data marcada. Inclusive fico apreensivo, porque no caso do meu irmão, que já teve a segunda reunião, ofereceram um valor que não faz o menor sentido. Então quanto vai ser comigo?”.

Muro de residência desocupada em área atingida. Foto: Wanessa Oliveira

Já Edson Menezes afirma que há uma mistura de sentimentos entre o tempo que levaria a judicialização e o próprio formato das reuniões. “O que sinto pelas reuniões é que as pessoas são coagidas e aceitam. Nós mesmos estamos esperando a terceira reunião. Tivemos uma reavaliação e eles colocaram que era o valor que eles ofereceriam mesmo. Vamos para a terceira e se não oferecerem o que ela realmente vale, sinceramente não sei mais o que fazer. A gente vai levar quanto tempo?”.

As dificuldades impostas materialmente aos moradores entram numa reação em cadeia em relação à procura por outros imóveis. “O primeiro é a demanda e oferta”, atenta o advogado Olavo Soares. “Sessenta mil pessoas vão procurar casas novas em Maceió. Para onde vão? Existem essas casas todas próximas a Pinheiro, Bom Parto, Bebedouro, Mutange? Não existe. Os primeiros que deixaram podem ter encontrado, mas agora já nem encontra e se encontrar não é mais aquele valor. Existem duas inflações imobiliárias e a primeira foi provocada pela Braskem, com essa situação. E a segunda que é a crise econômica que o país vem enfrentando, com moeda desvalorizada. Ao contrário da indenização acompanhar a tendência, eles baixam o valor. Acredito que vai haver redução de adesão e obviamente eles não vão divulgar porque ficam remarcando a reunião”.

Cristiano conta como enveredou em uma corrida contra o tempo enquanto segue na expectativa de um acordo que considere justo com a Braskem. “Hoje aluguei uma casa no Farol parecida com a que eu tinha, em um lugar bom, e em um acordo com o proprietário de que, quando saísse a indenização da Braskem, eu iria pagar. Eles me deram um ano de prazo para a compra, e vale até junho. A primeira proposta foi de R$ 150 mil e não admito esse valor quando o avalista colocou mais de R$ 250 mil. Adiando, não vai mais dar tempo e vou acabar perdendo a casa”.

Neste sentido, Edson complementa: “Estão jogando com o desespero. Sabem que as pessoas estão desesperadas, muitas idosas no meio e o tempo está passando”. Olavo Soares questiona: “É uma opção voluntária que a Braskem oferece ou ela se aproveita da posição privilegiada conferido pelo acordo para jogar sujo mais uma vez?”.

Além do fator tempo, Thayná aponta o auxílio de R$ 1000, ofertado pela Braskem no Programa de Compensação Financeira, como determinante para vincular a população aos acordos. “Se você nega os acordos, de imediato, não recebe o auxílio de R$ 1000. As casas não são mais habitáveis. Então a família que recusa não tem como voltar para a casa, não tem como receber auxílio e não tem um tostão. Então quando as famílias recebem proposta que não contempla, não negam, pedem reavaliação e fica esse processo”.

A Brakem respondeu que não é exigida a entreda no acordo para o pagamento do auxílio. “Para ter direito aos benefícios de R$ 5 mil de auxílio-mudança, R$ 1 mil mensais de auxílio-aluguel e à antecipação de R$ 6 mil (previstos caso a família comprove a necessidade de valores adicionais para alugar um novo imóvel no padrão compatível com o desocupado), o morador só precisa ingressar e aderir ao fluxo de realocação. Os critérios são amplamente divulgados pela empresa e não há qualquer exigência de aceitação do acordo de indenização para que ele receba esses valores. Exige-se a desocupação como forma de cumprir a determinação das autoridades competentes”.

Já na resposta conjunta, os órgãos responderam que “independentemente de participar do acordo, uma vez realocado o morador faz jus ao recebimento do auxílio de R$ 1 mil por seis meses ou enquanto durarem as negociações”. As informações que constam no Termo de Acordo também explicitam que o o auxílio aluguel mensal de R$ 1000 será pago pela Braskem aos moradores dos imóveis a serem desocupados pelo prazo de seis meses “ou por até dois meses após a oferta feita pela Braskem ao morador (…) Em havendo discordância quanto aos valores ofertados referidos na Cláusula 13ª, o auxílio aluguel será prorrogado sucessivamente até o prazo máximo de dois anos ou até a data do depósito da avaliação do imóvel (…)”. Já o auxílio desocupação de R$ 5 mil é pago “mediante o termo por meio do qual a Braskem receba a posse do imóvel”, conforme o Termo.

Para os moradores, o sentimento de desamparo se acentua ao sentirem isolados na relação desigual das reuniões. “Antes da pandemia, a proposta de compensação foi apresentada no Ginásio do Sesi. Lá mesmo disse que esse acordo não me representa”, desabafou Cristiano. “Tenho 42 anos de idade e não consigo conceber alguém cometer um crime, e definir quando, como, onde vai ser resolvido o que cometeram”, diz Edson, que complementa: “Não dá para fechar os olhos. É basicamente como se passassem um caminhão em cima da nossa casa e depois dissessem ‘agora vou comprar’ com o preço que eu indicar”.

Os órgãos, em resposta, colocaram que, ao longo do ano de 2019, diversas associações, moradores e empresários foram ouvidos em reuniões, onde foram recolhidas informações que possibilitaram o Termo de Acordo. Conta que, após a celebração do Termo, foi realizada audiência pública para explicação dos termos contidos no documento. “A população segue sendo ouvida através das representações que chegam ao Ministério Público, bem como através de reuniões que são realizadas a pedidos dos moradores, lideranças ou movimentos/associações. Em 2021, inclusive, já foram realizadas reuniões. Tal interação tem possibilitado conhecer as demandas dos atingidos e fundamentado alguns ajustes que foram feitos ao longo do ano de 2020, inclusive, o próprio Segundo Termo Aditivo, de dezembro de 2020”, diz.

Em relação ao sentimento de coação relatado, colocam que: “Cabe ao advogado/defensor público assegurar os interesses de seus clientes e esclarecer quaisquer dúvidas e inseguranças. No entanto, toda arbitrariedade que o morador ou comerciante sofrer deve ser representada (denunciada) ao Ministério Público ou demais instituições signatárias. O canal de representação do MPF é mpf.mp.br/mpfservicos”.

Os advogados, no entanto, revelam que o cotidiano das reuniões não vem permitindo tanto espaço para o trabalho. “Nós, advogados, também não temos sido ouvidos. A gente aciona através de ofício, e-mail, eles enviam ofício à Braskem, mas não temos uma resposta. Enviamos mais um recentemente e agora estamos aguardando este procedimento. Eles vão obrigar a Braskem a oferecer os laudos? Vão fiscalizar de alguma forma? Vão dar voz aos moradores? Porque o programa em si, sinceramente, não tem voz”, critica Olavo.

Edson continua: “Acho que eles [Braskem] já fizeram essa primeira reunião de desabafo como uma forma dos moradores se expressarem e acharem que isso é suficiente. Mas você está falando para quem? Se você não leva em consideração o que as pessoas estão falando, então não estão ouvindo”, diz.

Danos morais

No lugar onde pessoas já não estão presentes para contar suas histórias, quem fala são os muros. Ainda que tenham sido fotografados, filmados exaustivamente e veiculados na imprensa local e mesmo nacional, as mensagens que remontam revolta por impunidade, lamento pela perda, ou mesmo a demarcação das memórias, não deixam de impactar quem transita pelas ruas.

As imagens rememoram cenários pós-guerra, filmes apocalípticos, lápides, ou ânsia por expressão. Assim como esta matéria, os muros não dão conta da complexidade que se seguiu à desocupação, mas pretendem, ainda assim, registrar a dor e a revolta, uma vez que perderam a função de proteger.

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Thayná acrescenta, ainda, a negligência em relação aos danos morais. “Quando falam ‘justo’ é em relação ao dano do imóvel. Sempre falamos na reunião, que a única coisa que as pessoas querem é receber o valor que pague um imóvel semelhante ou melhor, mas não pior do que o anterior. Ninguém quer lucrar ou fazer dinheiro. Só uma casa que dê o mesmo conforto. Quando falei com meu pai, já disse a ele que esqueça o dano moral, uma vez que esse valor oferecido vai servir mais para complementar para comprar nossa casa. Sabemos que as pessoas que têm condições de esperar jamais fariam acordo assim. Passariam mais tempo na Justiça para receber algo justo. Só que não é a realidade da maioria das pessoas, que não podem esperar”.

De acordo com os moradores, a Braskem oferta um valor fixo por unidade habitacional de R$ 40 mil. “Então se na unidade morava uma só pessoa, são R$ 40 mil para uma, mas se moravam oito pessoas, é R$ 5 mil o que está valendo de dano para ela. Não se analisa o que de fato as pessoas estão passando”, explica Thayná.

A advogada ainda compara as situações: “Moro no Pinheiro há 15 anos, amava e não tinha intenção de sair, mas o vínculo que eu tinha não é o mesmo de Edson, por exemplo, que nasceu ali e estou sendo tratada da mesma forma que ele. E digamos que, se tem uma pessoa que mora lá há um ano, dois, terá o mesmo tratamento que eu”, complementa.

No caso de Edson, a situação foi ainda mais agravada, segundo ele, em razão de um atropelamento sofrido por sua mãe por um veículo cujos funcionários estavam a serviço da Braskem. “Minha mãe passou por três cirurgias, fez enxerto, tem sequelas no pé. Foram noites mal dormidas, idas e vindas ao hospital no meio de uma pandemia. E tudo aconteceu no dia em que foram avaliar a casa dela. Ainda chega na segunda reunião e fazem uma oferta chula na valoração do imóvel. Ainda disseram que o que fizeram com minha mãe não caracterizou dano moral, quando tiraram ela da casa dela e ainda fizeram ela enfrentar isso tudo. É revoltante e tem que ter muito equilíbrio mental porque eles não estão aí. Não quero me fazer de coitado, mas contar a história da gente. Imagina quantas pessoas com seus problemas particulares e a falta de respeito que é a forma como eles conduzem essa compensação”.

Olavo Soares relembra que não há, no Termo de Acordo, qualquer cláusula que estabeleça o valor fixo de danos morais. Os órgãos também afirmam que não foi estipulado nenhum valor específico. “O acordo impôs que ele fosse pago. O valor deve ser negociado entre morador/empresário, com a participação de advogado/defensor público, e a Braskem. Se não houver consenso o cidadão deve buscar na Justiça o que entende devido”, repetiram os órgãos, na resposta conjunta.

“É mais uma das unilateralidades dadas pela Braskem, mas a origem de tudo é esse Programa de Compensação que tem dado ao réu a possibilidade de virar juiz”, reforça Olavo. “Colocam que esse acordo extrajudicial vem garantindo as indenizações, mas se a gente vem vendo que as indenizações são insuficientes, então não garantem. Para que indenizações possam existir, devem ser satisfatórias e devem permitir que as pessoas retornem para a situação em que se encontravam antes”.

Clique aqui para ler as repostas dos órgãos, na íntegra. 

 

Escombros de uma casa no Pinheiro. Foto: Wanessa Oliveira

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