13 de agosto de 2024: uma segunda-feira trágica para amigos e familiares de Pedro Henrique Oliveira dos Santos, um jovem de 14 anos que sonhava em mudar de vida por meio dos estudos. Preto, pobre e homossexual, com muito esforço, ele conseguiu ser aprovado em um processo seletivo rigoroso e ser contemplado com uma bolsa integral num dos colégios mais caros de São Paulo, o Bandeirantes, cuja mensalidade chega a custar R$ 6.000, 00.
Contente por sua conquista, Pedro enxergava que a experiência na escola de elite seria um catalisador para que alcançasse a realização de seus sonhos – importante ressaltar – não pelo fato de estar entre ricos, mas sim porque agora teria acesso a uma educação que julgava ser “de qualidade”, diferente daquela oferecida pela maioria das escolas públicas, que chegam a passar dias sem aulas por conta de problemas de infraestrutura ou falta de professores e outros funcionários.
Infelizmente, as coisas não saíram como o jovem esperava e ele logo passou a sentir na pele o dissabor do preconceito, manifestado de diferentes formas. O garoto se tornou alvo de bullying praticado pelos colegas de classe mais abastada, que – segundo os familiares dele – o perseguiam principalmente por causa de sua orientação sexual e da cor de sua pele. Sem suportar mais a perseguição, o adolescente cometeu suicídio, dando um desfecho pesaroso a uma história que poderia ter sido de superação e vitória.
Vale a pena destacar que Pê – como era chamado pelos que o amavam – não foi a primeira pessoa a perder a vida após ser vitimado pelo bullying, que, diga-se de passagem, é “apenas” mais uma arma para instrumentalizar a prática do racismo, da homofobia e de outras formas de preconceito. Elas são transmitidas por gerações e estão arraigadas em uma sociedade elitista e eurocêntrica, que de forma hipócrita, glamouriza o mito da meritocracia, mesmo que sabidamente vivamos em um sistema que deixa raríssimas brechas para a mobilidade entre as classes sociais.
A morte de Pê é uma expressão evidente da “balela” de que “se dar bem na vida” depende apenas do esforço e do empenho de cada um. Por isso, é importante questionar: quem tirou a vida de Pedro e de tantas outras vítimas do preconceito que desistiram de viver por não suportarem mais serem desrespeitadas? De quem é a culpa quando se perde uma vida para o bullying? Neste caso, é daqueles que perseguiram o garoto? Do colégio, que resolveu “fazer vista grossa” para as recorrentes importunações ao rapaz? Ou de todos nós, enquanto sociedade, que ainda não nos propusemos a fazer o dever de casa e desconstruir na prática anos e anos de opressão, seguidos por décadas de discussões sobre inclusão social que parecem permanecer no idealismo?
É inegável que, ao longo dos anos, os debates foram ampliados e houve mudanças significativas na legislação que, ao menos em teoria, passou a oferecer mais segurança às minorias, mas, caiamos na real, são raros os casos em que o criminoso é de fato punido pelo seu crime, ainda mais se este (a) tiver condições financeiras de arcar com advogados capazes de “defender” o indefensável.
Fica fácil perceber a diferença que faz o dinheiro nestas horas… Quando se comparam as notícias veiculadas na grande mídia à época do suicídio de Pedro, nota-se que quase ao mesmo tempo em que ocorreu o caso de bullying no Colégio Bandeirantes, outra manchete também tomou as páginas dos sites e postagens na redes sociais: “Influenciadora é condenada a 8 anos de prisão por racismo contra Titi, filha de Gagliasso e Ewbank”. Tal notícia se refere ao caso de racismo acontecido em 2017, contra a filha de dois atores globais e é compartilhada sob a premissa de que a condenação da socialite Dayane Alcântara, que mora na Bélgica, foi a primeira em que um criminoso (a) é condenado à prisão em regime fechado por cometer racismo: “Essa é a primeira vez que, em resposta ao racismo, o Brasil condena uma pessoa à prisão em regime fechado. Sim, estamos em 2024 e essa ainda é a primeira vez. Apesar de tardio, é histórico”, declararam Giovanna e Gagliasso, em uma das entrevistas concedidas à mídia.
Ainda que esta seja uma conquista significativa na luta contra o racismo, não podemos deixar de lado o gritante fato de que conforme o artigo 20 da lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997 “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” é crime cuja pena é a reclusão de um a três anos e multa, assim, se a teoria fosse posta em prática, a condenação da influenciadora à pena de reclusão não deveria ter sido a primeira na história nacional (como é alegado pelo casal de atores).
Enquanto os pais de Titi comemoram a “justiça” alcançada, após a morte do adolescente Pedro, sua família cobra providências e protestou em frente à escola Bandeirantes, pedindo por justiça. Um tio do jovem se manifestou por meio da sua rede social: “que conduta o colégio tomará para evitar que outros nos deixem de forma tão trágica? Como um colégio de ricos, feito para ricos e por ricos aborda a situação do bullying? Ele só queria poder dançar livremente. Quantos outros se calarão, talvez para sempre, frente à crueldade da homofobia e do desrespeito de classes”, questionou, ao relatar que o colégio tratava com descaso as ofensas sofridas pelo sobrinho.
Como se não bastasse toda a escrotidão desse caso, em matéria publicada no último dia 28 de agosto, no Portal Metrópolis, foi noticiado que “o Colégio Bandeirantes, na zona sul de São Paulo, avalia cancelar a parceria com a Ismart, ONG para bolsistas que faz a ponte entre adolescentes de baixa renda e unidades de ensino de elite”. É isso mesmo! Como resposta a uma prática criminosa, a instituição, além de não procurar identificar e responsabilizar os perseguidores de uma vítima morta ainda cogita erradicar a parceria que possibilita a poucos jovens pobres terem acesso a um sistema de ensino em tese “qualificado” que somente seria acessado por ricos e brancos; trocando em miúdos, estão culpando as maiores vítimas dessa história, sim, no plural, porque esta realidade está longe de ser apenas de Pedro.
O paralelo entre essas duas situações foi traçado apenas para ressaltar que enquanto o casal global possui dinheiro e influência para lutar pela defesa dos direitos da filha, uma realidade que, sejamos francos, está longe de ser vivenciada pela maioria das famílias que veem seus filhos serem vitimados pelo racismo, outros tantos, assim como os familiares de Pedro são obrigados a sofrerem também pela ausência de justiça frente aos crimes cometidos contra seus filhos.
Como o racismo não escolhe lugar para acontecer, foi numa escola da rede pública municipal de Maceió, em março deste ano, que a pequena Israelle, de 8 anos, também se tornou vítima de racismo ao receber ofensas dos colegas referentes à sua aparência. Nesse caso, em resposta aos xingamentos, a criança leu uma carta em voz alta na sala e aula, na qual afirmava sentir orgulho de seu cabelo crespo, cor de pele e formato do nariz.
Enfim, citar casos e mais casos de racismo infelizmente não é uma tarefa desafiadora, já que são inúmeros. O grande desafio nesse sentido é avançar para além dos debates, deixando de lado a hipocrisia de uma sociedade que em sua Constituição defende direitos que estão longe de serem acessados por todos. Afinal, quantos Pedros ainda perderão suas vidas para criminosos que não se sentem desconfortáveis em desrespeitar seres humanos? Que a morte do jovem seja um alerta para as instituições que tratam com descaso a existência do racismo em suas dependências apenas para não desagradar seus “clientes de elite” finalmente façam algo de concreto sobre estas situações; que pais e mães não tenha que criar seus filhos para se defenderem do racismo, mas sim terem a certeza de que não serão atacados, porque não haverá mais impunidade. É preciso mais que conscientização, é necessário penalização! não podemos aceitar a normalização de um crime, e que a lei sirva para quem puder pagar.