Enquanto o Governo do Estado comemora o nono lugar entre os estados com mais estudantes em tempo integral do país, inclusive anunciando a abertura de novas instituições neste regime de horário, docentes e estudantes da rede de ensino estadual têm rechaçado o modelo e revelam terem sido forçados a uma permanência compulsória na escola, sem qualquer estrutura para para que fiquem no lugar por nove horas diárias.
Publicado através da Lei 14.640/2023, o Programa Escola em Tempo Integral (Palei) responde a uma estratégia do Ministério da Educação para estimular a criação de matrículas em tempo integral nas escolas de educação básica, com recursos de R$ 4 bilhões destinados aos estados e municípios para que implantem a jornada nas redes de ensino.
A estratégia do MEC descreve como objetivo a “oferta de um projeto-pedagógico e currículo que assegure o direito de crianças e jovens a uma formação integral de qualidade, ampliando e diversificando oportunidades educativas, socioemocionais, culturais, artísticas, científicas, tecnológicas e esportivas”.
Entretanto, em Alagoas, o modo como a política foi implantada tem sido alvo de profundas críticas feitas por estudantes, professores e familiares. Docentes revelam, inclusive, que já tem sido registrada uma evasão significativa de estudantes que terminam por desistir da educação escolar, em razão de serem compulsoriamente colocados em salas de aula durante dois turnos seguidos, sem estrutura ou condições de preenchimento adequado dos horários, conforme o que preconiza o MEC.
A professora de uma das escolas, que não quis ter o nome revelado com receio de represálias, relatou que todo o processo de implantação foi realizado sem qualquer preparação prévia. “A comunidade não foi ouvida, os alunos que temos na rede estadual, principalmente nas regiões da periferia, é um perfil que não foi preparado, não foi ouvido. Essa expansão foi colocada de forma desordenada, provocando uma evasão gritante. Nesse sentido, observamos escolas muito antigas e respeitadas que passam a minguar, e os alunos partem outras escolas que já enfrentam situações de violência, o que gera uma panela de pressão com a enxurrada de alunos que chegam procurando a escola que caiba em sua rotina”, relatou.
Já algumas escolas de regime parcial, professores relatam que já receberam avisos de que a instituição não demorará a absorver turmas integrais. “E não há nenhuma outra escola na região que possa absorver a demanda de alunos que não poderão estudar nesse regime”, relatou a professora de uma dessas escolas.
Só pensando em números
Uma das reclamações mais recorrentes trazidas pelos professores são de que a SEDUC tem se preocupado com a exposição de números que “demonstrem o sucesso nos resultados”, enquanto ignoram a realidade e as necessidades de crianças e adolescentes na educação escolar.
“Como sempre, a SEDUC só está pensando nas tabelas, nos números. E isso é uma queixa de muitas pessoas que vem inclusive de outros sistemas de educação, de outros estados. A SEDUC está totalmente perdida na burocracia, nos instrumentos de análise de planilhas e cacarecos para gerar números bonitinhos e levar para Brasília. Nisso você acaba expulsando estudantes da própria rede”, conta. “São escolas que passam por situação gravíssima de esvaziamento de estudantes, com estrutura prejudicada”.
Outro professor entrevistado pela Mídia Caeté conta que, apesar de sua escola não ser ainda de tempo integral, já começa a absorver alunos de outras instituições que passaram para este regime. Entretanto, como sua escola também se tornará integral, fica incerta a condição dos alunos que não têm condições de ocupar a escola durante todo o tempo preconizado pela política.
“Vamos receber eles agora, correndo o risco de mais à frente perder eles para as ruas, para o subemprego, enfim, porque no ensino médio nossa maior luta é fazer com que permaneçam nas escolas, estamos ali para acolher eles e as escolas não estão preparados para esse acolhimento, e ser um espaço de permanência”.
Espaço de permanência que implica, antes de tudo, em uma estrutura e ambientação para tal. “A climatização, espaços de descanso, local que possam tomar um banho e outras questões que envolvem alimentação, porque a merenda é muito desigual entre cada escola e isso vai muito da direção de cada escola”.
O reflexo nas condições de saúde dos alunos já vem sendo evidenciado cada vez mais. “Nenhuma dessas nuances importa à SEDUC, já que o que importa é bater aquela meta contra tudo e contra todos. Inclusive, contra esses alunos. A gente fica trabalhando para o que o PALEI necessita, mas principalmente ao que o aluno precisa. E o aluno precisa pegar o ônibus escolar amanhecendo o dia, às cinco horas da manhã, para sair da escola às cinco horas da tarde. São alunos que praticamente não veem a luz do sol, não recebem vitamina D. Depois adoecem, ou estão com crise de ansiedade, como aconteceu com 40 alunos aqui dentro com uma Palei de 9 horas. É óbvio que isto está relacionado”, conta.
Outros desníveis vão sendo revelados. “Algumas famílias preferem colocar seus filhos em regime integral, porque trabalham fora e as crianças não têm autonomia ainda, mas no ensino médio, principalmente com famílias que participam da vida escolar dos adolescentes, o PALEI é uma tragédia”.
Críticas de estudantes povoam as redes sociais do Estado
Nas redes sociais em que o Estado promoveu, junto à Secretaria Estadual, a celebração dos resultados dos modelos de tempo integral, os comentários contradizem diretamente a comemoração.
Entre os diversos relatos e críticas ao modelo, jovens relatam a falta de estrutura, a precariedade do ensino, da oferta de disciplinas, e sobretudo terem sido pegos de surpresa com a escola que, de repente, incluiu um turno a mais de permanência compulsória dentro da instituição.
Para os professores, o modelo também é indesejável. “Diferentemente de outros estados, o professor não recebe nenhuma gratificação por atuar nesse modelo. Existem uma série de encargos. Tem gestões escolares que ameaçam professores dizendo que escola integral é para quem tem perfil. Se você não tem, procure outra escola. Tem escolas que gostam de ficar bem para a Secretaria de Educação, praticando esse assédio moral absurdo. Em muitas, é notável a perseguição aos professores, principalmente aqueles considerados inexperientes”, contou um professor.
Dentro de uma escola que está passando por essa implantação, um professor conta como o sentimento tem sido de angústia. “As gestões têm sido pressionadas. Diretores deixam os cargos porque não aceitam ser meros repassadores de regras definidas por gente que não pisa na escola há muito tempo e nem conhece a realidade dos alunos. Professores estão profundamente angustiados por verem suas escolas serem dilapidadas pelo ensino integral, turmas sendo fechadas, muitos sendo demovidos para a Secretaria de Educação e não sabem onde vão trabalhar.”, contou um professor.
Outro professor que já está em escola de tempo integral há cinco anos conta que, ao chegar na instituição, o modelo já havia sido implantado. “Então ouvi de professores que já estavam antes da implantação que ela foi feita sem qualquer consulta com a equipe docente ou com alunos. A Secretaria de Educação simplesmente decidiu implantar e a escola que trabalho foi uma das escolhidas”.
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Segundo ele, o modelo integral surgiu com diversas promessas não cumpridas. Um desses exemplos é a oferta de cursos técnicos, que nunca aconteceu. “Com a implantação do ensino integral, as disciplinas do currículo normal se juntam com disciplinas do chamado currículo flexível, como as disciplinas eletivas, projeto integrador, o Docente Orientador de Turma (DOT)”, cita. “As eletivas você pode ofertar teatro, música, fotografia, desenho, que são disciplinas que, para complementar o período integral, e par que o aluno não fique muito preso a vários assuntos disciplinares, seria uma opção para que o aluno desenvolvesse várias outras aptidões. Só que a Secretaria de Educação não fornece a estrutura. Se eu quero dar aula eletiva de Teatro, eu não tenho Teatro”, exemplifica.
“Até informática, os laboratórios são sucateados. Não há planejamento e estrutura física. É simplesmente ‘faz e se vira’. A SEDUC faz o planejamento, o Palei é lindo no papel, mas as escolas não têm estrutura necessária. É um engodo grande que a sociedade engole através da mídia que a Secretaria faz, dizendo que a escola de ensino integral funciona, quando não funciona como deveria funcionar ”
Evasão
A situação só aumenta a condição de evasão. “Principalmente em comunidades com vulnerabilidade socioeconômica, onde os pais juntamente com os adolescentes querem que se insiram no mercado de trabalho. Muitos adolescentes abandonam a escola porque passam o dia e não têm acesso ao mercado de trabalho. Foi prometido que tivessem os cursos profissionalizantes, o que acontece é, as vezes, cursos do PRONATEC e ainda assim muito aquém”.
O docente conta que, a cada ano, diminui o número de matrículas na escola em que trabalha. “Outro exemplo é na escola Theonilo Gama, no Jacintinho, em que vídeos já viralizaram mostrando como a cada ano diminui o número de matrículas na escola que é de tempo integral, porque os alunos vão para escolas de tempo normal”.
“A própria SEDUC verificou o número de estudantes matriculadas e matriculados na escola em que sou professor, e decidiram na última quinta-feira que o número de turmas seria reduzido em razão do número de alunos matriculados. Ou seja, existe uma resolução no qual o Estado determina que cada turma tem que ter no mínimo 35 alunos e no máximo 50. E, para se ter ideia, das cinco turmas de primeiro ano que estão formadas, será reduzido para 4. Das quatro turmas de segundo ano, haverá redução para três. Das três turmas do terceiro ano, agora serão duas. A situação mais crítica vai ficar para essas turmas do terceiro ano que vão ficar com turmas de 45 a 50 alunos, o que torna o trabalho da professora e do professor completamente inviável”.
Segundo eles, toda a situação já foi reportada à Secretaria de Educação, que se mantém irredutível. A Mídia Caeté procurou a SEDUC. O órgão informou, por meio de assessoria, que não há posturas de represália em razão das críticas realizadas. Comunicou, ainda, que emitirá mais respostas a respeito das queixas levantadas pela comunidade escolar nesta reportagem.
Após a publicação da reportagem, a Secretaria enviou a seguinte nota:
“A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) esclarece que a decisão de implantar a modalidade de ensino integral decorre de um processo cuidadoso de análise e consulta, considerando as reais necessidades da comunidade escolar. A oferta de vagas para cada ano é feita, antecipadamente, no mês de outubro e se dá por meio do processo de reordenamento, tendo o aval das equipes de cada Gerência Especial de Educação (GEE) e da própria Seduc.
Vale salientar que a decisão pelo ensino integral é tomada em consonância com os respectivos gestores escolares, que, então, ficam responsáveis pelos encaminhamentos devidos, com as vagas sendo ofertadas nos períodos de transferência interna e de pré-matricula.
Ainda em 2023, cada gestor escolar foi informado acerca das unidades que seriam transformadas em escola de tempo integral no ano seguinte, com esta informação sendo repassada, em tempo hábil, aos professores e demais servidores – que, destaque-se, passam por formação sobre o novo modelo de ensino.
Nesse sentido, a Seduc vem fortalecendo o Programa Alagoano de Ensino Integral (PALEI), seguindo, inclusive, uma tendência nacional, como preconizado no próprio Plano Nacional de Educação. E a partir deste ano, a fim de aprimorar a aprendizagem, a Seduc também vai ofertar diversos cursos de educação profissional em todas as unidades de ensino médio integral.
Já o investimento em infraestrutura escolar, por sua vez, também é destaque. Somente em 2023, o Governo de Alagoas inaugurou e reformou 26 escolas, proporcionando, assim, melhores condições de trabalho aos profissionais de educação, além de mais conforto, segurança e comodidade aos estudantes da rede estadual.
Em 2024, a previsão é de que mais 70 escolas recebam melhorias, que vão contemplar, inclusive, a construção de ginásios poliesportivos e a climatização das salas de aula. Vale destacar também que a equipe da Superintendência de Engenharia segue atenta às demandas estruturais apresentadas por cada gestor escolar, garantindo, assim, a realização das intervenções necessárias.
Por fim, a Seduc esclarece, ainda, que abriu processos seletivos visando à contratação de profissionais para as mais diversas áreas de atuação, incluindo, inclusive, a educação especial.”