Os limites da tolerância: até quando toleraremos o intolerável?

Até onde somos responsáveis por dar voz a negacionistas e intolerantes? Viver sob uma eterna contenção de prejuízos é perigoso e pode ser irreparável

Quais os riscos de tolerar o intolerável? Por mais complexa que essa pergunta possa ser, ela nos leva a um exercício de autorreflexão e de percepção social: devemos aceitar comportamentos e discursos negacionistas, autoritários e falaciosos sob o argumento da “liberdade de expressão”? 

O filósofo austro-britânico Karl Popper trouxe à tona essa discussão, levantando tal questionamento e alertando sobre o quão periclitante é dar voz e não tomar providências contra discursos ou atitudes intolerantes e que ferem direitos da sociedade. 

Para ele, “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. (…). Devemos-nos, então, reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante”, o que nos leva ao chamado Paradoxo da Intolerância.

Popper afirma que a condescendência excessiva permite que os intolerantes se fortaleçam, eliminando os tolerantes e fortalecendo a normalização do absurdo no debate público, trazendo como consequências a supressão social e a desinformação. Exemplos dessas consequências não faltam no Brasil e também em Alagoas. 

Ato dificultou imunização de idosos. FOTO: Reprodução Instagram.

Em janeiro deste ano, o vereador de Maceió, Leonardo Dias (PSD), apresentou um Projeto de Lei (PL), que pretendia “assegurar o direito” de que os cidadãos maceioenses pudessem decidir se seriam vacinados ou não, usando como argumento “garantir a liberdade individual das pessoas de escolherem se serão submetidas à vacina”. 

Por mais irreal e sem nexo que o PL pudesse parecer, Dias acreditava piamente que ele deveria ser implementado – seguindo – na época – com maestria o discurso do Presidente da República, Jair Bolsonaro, e promovendo a desconfiança entre as pessoas. 

Neste domingo (14), Leonardo Dias voltou à baila, agora por supostamente ter promovido uma manifestação contra o lockdown e em defesa de Bolsonaro, ato que causou aglomeração, em um dos pontos de vacinação da cidade, impedindo a imunização de idosos. 

Em nota, o vereador afirmou que não idealizou a carreata, que publicou banners e esteve presente na “concentração do evento” apenas como “cidadão”.

O fato é que as falas e condutas do “cidadão” Leonardo Dias têm consequências e influenciam diversas pessoas, uma vez que ele ocupa um cargo público e deve satisfações aos eleitores. 

Sendo assim, voltamos mais uma vez a Popper, agora tendo como base o Paradoxo da Liberdade, que diz que a liberdade irrestrita permite que o mais forte use dos seus aparatos para oprimir os demais e restringir a própria liberdade. Dessa forma, quem possui um poderio – seja bélico, legislativo ou mesmo midiático – tem as ferramentas necessárias para cercear quem pense diferente ou promover atos autoritários. 

Leonardo Dias ao lado de manifestantes. FOTO: Reprodução Instagram.

No caso de Dias, ele possui os dois últimos e tem os usado de forma inconsequente para legitimar um modus operandi extremista, negacionista e, acima de tudo, perigoso. Ainda em sua nota, o vereador afirma que “não tinha conhecimento que a vacinação ocorreria neste domingo”, o que é no mínimo irresponsável, visto que ele é um membro da Câmara Municipal de Maceió. 

Para finalizar, é preciso abordar o Paradoxo da Democracia – também de Karl Popper – que fala que quanto mais democrática é uma Democracia, mais ela permitirá a ascensão de um tirano. 

Como um exercício de analogia, trazendo para o contexto brasileiro, esse conceito nos coloca uma pulga atrás da orelha: estaríamos sendo anti-democráticos por tentar evitar os malefícios causados por negacionistas intolerantes? Estaríamos nos colocando no mesmo lugar que eles? 

Nós, enquanto sociedade, falhamos em deixar que figuras claramente nocivas ganhassem voz e, sobretudo, exercessem cargos públicos e de influência. Precisamos fazer essa mea-culpa.

Como alento, podemos ler o artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e perceber que limitar os prejuízos sociais não é ser intolerante, é prezar pela equidade e pelo bem-estar social.

“A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.”.

NOTA DE LEONARDO DIAS NA ÍNTEGRA:

 

FOTO: Reprodução Instagram.

 

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