Tarifa mais cara fará população abrir mão de bens de consumo

Em Maceió, os R$ 0,45 centavos acrescidos na passagem representam o 2º maior aumento nos últimos 10 anos.
Foto: Josué Seixas

Imagine a cena. Ela ainda não está em vigor, mas você pode passar por isso daqui a alguns dias.

Quando entrou no ônibus, uma pessoa entregou R$3,65 ao cobrador, que pediu mais R$0,45. A pessoa não entendeu, mas pagou e se sentou. Só na Internet descobriu que o aumento da passagem foi sancionado pela Prefeitura de Maceió. O projeto estava em análise desde o dia 26 de dezembro.

Agora, pensou o passageiro, teria de gastar quase um real a mais para uma viagem de ida e volta.

São aproximadamente R$23,00 a mais num mês, se multiplicarmos o valor por 25 dias de trabalho. Para se ter uma ideia de comparação, o salário mínimo sofreu reajuste de R$ 998,00 para R$ 1.039,00 em 2020. Em Maceió, portanto, praticamente metade do valor será destinado ao transporte público.

Vale lembrar que, de acordo com dados divulgados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), 38,8% da população de Maceió tem rendimento mensal per capita de até meio salário mínimo, ou seja, perto de R$500,00. Para trabalhadores formais, o salário médio mensal é de 2,7 salários mínimos.

O que dizem os especialistas?

De acordo com a economista Larissa Pinto, esse aumento é o segundo maior nos últimos 10 anos. “A proposta de mudança no valor da passagem de ônibus em Maceió, saindo de R$ 3,65 para R$ 4,10, representa um aumento de 12,3%. Só fica atrás do aumento de 2016, que foi de 14,5%. Porém, é importante lembrar que, em 2016, o reajuste do salário mínimo foi de 11,6%”, disse.

Num contexto econômico em que o salário mínimo só aumentou 4,1%, salienta a economista, o aumento no valor da passagem de ônibus compromete ainda mais a renda dos trabalhadores.

Para entender mais esse comprometimento, a Mídia Caeté conversou com o mestre em Economia Aplicada, Emanuel Lucas de Barros.

Mídia Caeté: Com esse aumento do valor da passagem, quais são os primeiros impactos que a população sente no bolso?

Foto: Josué Seixas

 

Emanuel Lucas de Barros: O primeiro dos impactos econômicos com o aumento da tarifa é o empobrecimento dos assalariados que terão que abrir mão de outros bens de consumo para poder continuar se locomovendo, pois dependem exclusivamente deste meio de transporte para trabalhar e/ou estudar.

Inferindo acerca da análise da oferta, é possível que ocorra efeito reverso para as empresas que solicitaram aumento, pois parte dos consumidores migrarão para outros meios de transporte como andar a pé, de bicicleta, transporte de aplicativo, táxi, transporte alternativo, clandestinos e, para uma determinada minoria, até mesmo financiamento de veículo próprio – especialmente motocicletas.

Mídia Caeté: Quem são os mais afetados com essa mudança? E como serão afetados?

Emanuel Lucas de Barros: Sem sombra de dúvidas, trabalhar e estudar são os principais objetivos de quem toma o transporte coletivo para se locomover. Levando isso em consideração, os principais afetados com o aumento do valor da tarifa dos ônibus são os que dependem dele para se manter no mercado de trabalho e os que almejam se tornar trabalhadores empregados (estudantes e desempregados).

Um trabalhador que precise pegar dois ônibus por dia para ir trabalhar gastou aproximadamente R$190,00 por mês apenas com a locomoção ao trabalho, o equivalente a 19% do salário mínimo (preços de 2019). Com os novos preços de 2020, este mesmo trabalhador irá gastar R$213,00, o equivalente a 20% do valor atual do salário mínimo.

Vejamos outro exemplo, o de um estudante universitário que receba uma bolsa-auxílio para poder terminar seus estudos no valor de R$400,00. Este estudante atualmente compromete 40% do seu orçamento (cerca de R$160,00) para ir e voltar da faculdade, e caso a tarifa seja reajustada, passará a gastar 45% do seu orçamento apenas com transporte (R$180), comprometendo outras despesas como alimentação, saúde, livros, etc.

Mídia Caeté: Esse aumento no valor da passagem também influencia as empresas que pagam os vale-transporte e afins. Essa mudança influencia muito no capital ou nos processos dessas empresas?

Emanuel Lucas de Barros: Algumas empresas ajudam a custear o vale transporte, porém é descontado até 6% do salário do trabalhador caso este solicite o vale.  De toda a forma, em termos relativos, as empresas que custearem o vale transporte dos trabalhadores sofrerão o impacto ainda maior, pois enquanto o crescimento do custo do trabalhador com transporte será de 12%, o aumento deste custo para a empresa será de 16%, como demonstrado na tabela abaixo. Uma empresa com 30 funcionários, por exemplo, teve em 2019 uma despesa anual de R$46.771,20 com vale transporte, e em 2020 terá um custo anual de R$54.309,60.

Tabela 1 – Variação do reajuste da tarifa de ônibus em Maceió

2019 2020 Variação
Custo de 52 passagens por mês Custo do Trabalhador (6% do SM) Custo da empresa Custo de 52 passagens por mês Custo do Trabalhador (6% do SM) Custo da empresa Variação do custo Variação custo do trabalhador Variação do custo da empresa
 R$189,80  R$59,88  R$129,92  R$213,20  R$62,34  R$150,86 12% 4% 16%

Nesta segunda-feira, diversos pontos da cidade foram bloqueados por atos. Já às 15h, haverá uma manifestação contra o aumento da passagem. Será no Calçadão do Comércio, no Centro de Maceió.

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