Aonde vai seu apelo quando vacina é artigo de luxo?

Apelo de médico após bebê morto por meningite ganha pontos contra o negacionismo, mas só serve para parcela ínfima da população

Sobre a imagem do corpo de um bebê repleto de manchas, circula a mensagem de um médico alertando para mais um caso de Meningite do tipo meningocócica, que levou aquela criança a óbito – um caso presenciado no Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió, onde trabalha. Pertinente em tempos em que negacionistas não dão descanso, o alerta mira na necessidade de vacinação. O problema, o grande problema, é a conclusão: “Não vale a pena correr o risco de enterrar seu filho por conta de uma doença que tem vacina. Por mais cara que a vacina seja”

Fazendo justiça, o contexto da mensagem deixa bem evidente que é direcionada a  pais e mães que não sabem se “vale a pena” vacinar para determinadas doenças. Entretanto, dissemina para tantas pessoas quanto possa – e, caiamos na real – é ínfima a quantidade da população alagoana, proporcionalmente falando, que possui conduções de custear o imunizante, hoje na faixa de R$ 700  – para cada dose, e são duas.

Nas redes sociais e imprensa, o apelo do médico vem sendo divulgado e a comoção em relação à morte do bebê se mistura às propagandas – sim, propagandas – das clínicas particulares que dispunham da vacina contra meningite do tipo B,  além da ACWY.  No SUS, especificamente para bebês,  apenas a meningite do tipo C é ofertada a partir dos três meses de idade. Para proteção contra meningite dos tipos B,  e AWY, pais e mães precisam de recursos disponíveis para, pelo menos, esses dois tipos de vacinas, duas doses de cada. Sou de humanas, mas o resultado de umas contas feitas aqui, bem por alto, já é assustador. Como se já não fossem assustadores os dados do Boletim Epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), que confirmou 10 casos de meningite este ano, todas evoluídas a óbito. Oito dos dez casos do tipo B.

É nesse lugar que a mercantilização da saúde desponta uma de suas expressões mais cruéis. Não se trata de “valer a pena” ou não para a grande maioria da população brasileira, que dirá a alagoana.

Entre os casos emblemáticos divulgados em Alagoas, em junho do ano passado, um bebê que morreu de meningite estava instalado com seus pais dentro do abrigo São Vicente de Paula,  instituição filantrópica destinada a pessoas sob alto grau de vulnerabilidade. Neste lugar, onde caberia o discurso médico de “por mais cara que a vacina seja”? Longe de ser um caso isolado, é ilustrativo de uma realidade inteira em Alagoas, sob a qual o discurso não cabe. Significa um total de um total de 90,3% de crianças e adolescentes que vivem na pobreza, segundo dados da UNICEF divulgados em 2023. Além do mais, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), em 60 municípios alagoanos, a população depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde, uma proporcão até mais alta do que no país, onde um terço dos municípios possui esta dependência. Além disso, segundo o IBGE, 88% da população alagoana depende do SUS.

Se nosso apelo vem descontextualizado da realidade e sem um pingo de revolta diante dela,  que  venha com uma tarja descrevendo estar restrito a uma diminutiva bolha de classe média para cima, do contrário, soará como uma comiseração capciosa. Particularmente, apelo pela denúncia contra clínicas que lucram obscenamente sobre a desgraça de crianças mortas, fazendo uso de uma ciência que deveria ser absolutamente pública (afinal, o conhecimento acumulado pela humanidade até a finalização desses imunizantes extrapola a patente  de qualquer laboratório pretensioso).   Elas ilustram o modelo perverso do modelo  privado de saúde, que nem mesmo como paliativo de linha de frente é possível ser tratado. Que nosso apelo seja uma bandeira levantada pelo SUS, o lugar certo onde estas vacinas deveriam estar disponíveis desde sempre.

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