O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), anunciou a inclusão dos reeducandos e dos servidores do Sistema Prisional no grupo prioritário de vacinação no Estado. O tema incitou debates e comentários de deputados estaduais alagoanos.
Em uma sessão na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE/AL), os deputados Davi Maia (DEM), Antônio Albuquerque (PTB), Cibele Moura (PSDB), Francisco Tenório (PMN) e Cabo Bebeto (PTC) se posicionaram contra a determinação.
“É isso que me indigna. A gente saber que preso vai ter prioridade acima de pessoas que trabalham todos os dias de maneira honesta. É para indignar todo ‘cidadão de bem’. É uma lógica invertida que eu não consigo entender. Não que eu seja contra a vacinação dessas pessoas. Defendo a vacinação de todo e qualquer brasileiro. O que eu não consigo entender é a prioridade”, disse Cibele Moura.
O deputado Davi Maia seguiu a mesma linha.
“É verdade que os presos estão no Plano Nacional de Imunização (PNI), mas eles estão em 17º. Existem outros grupos à frente deles. Não é justo, com as pessoas que estão na lista de prioridades do PNI, vacinar quem está no sistema prisional. O Governo de Alagoas inventou uma nova modalidade de fura fila: se você quer ser vacinado, você comete um crime, vai pra uma casa de custódia e será vacinado.”, afirmou Maia.
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O alto risco de exposição nos presídios e o impacto nocivo a detentos, funcionários e seus respectivos familiares fazem com que o grupo seja priorizado, de acordo com especialistas.
Entre eles, está o especialista em bioética e professor da Escola de Medicina da Universidade de Nova York, Arthur Caplan, que afirmou, em depoimento à BBC News Brasil, que “prisões são incubadoras de doenças, incluindo a Covid-19”.
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2020, o Brasil tinha uma população carcerária de aproximadamente 759.518 pessoas – a 3ª maior do mundo apenas atrás de Estados Unidos e China, de acordo com o World Prison Brief (WPB). Ainda com base nos dados do Depen, até a publicação desta reportagem, temos 52.476 casos confirmados entre detentos e quase 26.205 suspeitas, com 176 óbitos.
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O advogado e Doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), André Rocha Sampaio, discorda do ponto e vista dos deputados e lembra que temos atualmente um cenário de superlotação e insalubridade – com ambientes “ideais” para proliferação de doenças, sobretudo com o elevado índice de transmissibilidade da Covid-19.
“A partir dos critérios utilizados para que possamos compreender o que é um grupo de risco, me parece sim que os presidiários devam estar em um grupo prioritário para a vacinação. Eu não vejo por que não. Afinal, eles são confinados em ambientes com a saúde extremamente precária, com uma superlotação, em ambientes fechados e com uma ventilação muito ruim, formando algo próspero para a proliferação de doenças em geral e, sobretudo, para o Coronavírus”, afirma.
O médico vinculado à Secretaria da Ressocialização e Inclusão Social (Seris) e que atua diretamente no sistema penitenciário de Alagoas, Yuri Silva Toledo, concorda com o advogado e ressalta também as condições sanitárias aquém do recomendável nos presídios.
“Observa-se que as condições sanitárias estão aquém do recomendável em tempos de pandemia, em virtude da ausência de distanciamento social e das medidas de higienização preconizadas pelo Ministério da Saúde. Isso é resultado da falta de controle dos principais fatores determinantes para o contágio. Por isso, a imunização dos reeducandos se faz tão importante, já que visa controlar a disseminação do vírus dentro do complexo penitenciário, buscando, dessa forma, reduzir a mortalidade para quem segue com restrição à liberdade”, diz.
E conclui: “Os reeducandos consistem em um grupo socialmente vulnerável, por se encontrarem entre os indivíduos epidemiologicamente mais acometidos por doenças infecto-contagiosas. Por essa razão, deve-se incluir a população privada de liberdade no rol dos grupos de risco para imunização da Covid-19”.
A cientista política, doutoranda pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora vinculada ao Observatório da Justiça Brasileira (OJB), Augusta Teixeira, compactua com as linhas de pensamento de André e Yuri.
“Diante de onze recusas das ofertas da vacina por parte do presidente, precisamos pensar acerca. No caso dos presidiários, é preciso atentar a alguns pontos. A situação dessa população é de viver em um ambiente que não a comporta, ou seja, existe um número muito maior de presos do que de vagas nos presídios brasileiros. A situação é dramática, principalmente nos casos de doenças e de insalubridade diante dessa superpopulação. Além de dividir a cela com mais pessoas do que o previsto, os detentos ainda precisam lidar com ratos e baratas – friso que é insalubre. A sociedade precisa atentar para os números e o risco que essa população carcerária corre”, aponta.
VISÃO SOCIAL E LÓGICA PUNITIVISTA
Quando questionado pela Mídia Caeté se existe uma visão excessivamente punitivista da sociedade para com os presos e se isso influencia nas opiniões, o doutor em Ciências Criminais, André Sampaio Rocha, elencou aspectos relevantes.
“Entendo que o nosso sistema penitenciário é extremamente danoso e, às vezes, chega a ser mais danoso do que os crimes que ele visa coibir. O que aparenta é que – para a sociedade – é sempre pouco, ela quer punir o infrator de todas as formas possíveis. ‘Se está superlotado, com um ambiente insalubre e próspero para doenças, bem feito para ele. Quem mandou escolher cometer um crime?’. O que gera um debate muito simplista, pois parte do pressuposto que ele ‘escolheu’ cometer o crime. A coisa não é bem por aí”, explica o advogado.
André complementa trazendo à tona uma conclusão. “Precisamos registrar ainda que essa punição é para um público-alvo, para uma parcela da população. Se pegarmos um recorte de classe, nós sabemos quais crimes são de fato englobados por essa lógica punitivista: os crimes cometidos por classes mais precarizadas. É um ambiente muito turvo, composto por pessoas que estão sob o olhar punitivista da sociedade”.
A cientista social Augusta Teixeira ainda faz a relação com uma visão deturpada que a população tem sobre o tema. Para ela, é preciso ter uma percepção mais ampla de todo o contexto.
“Há um problema com a questão da impunidade: as pessoas têm a sensação que quem comete delitos no Brasil não é punido e, se a pena for maior, fará com que os crimes sejam evitados. Essa é uma ideia equivocada sobre a questão. A criminalidade deve ser percebida através de uma perspectiva socioeconômica: numa sociedade desigual, há um índice maior de criminalidade”, pondera.
Ainda acerca do assunto, André Rocha Sampaio cita a Lei de Execuções Penais (LEP) e afirma que o sistema carcerário brasileiro fere a legislação e o que preza os Direitos Humanos.
“Se observarmos a LEP, nós vemos que ela é um grande conto de fadas, é um ‘faz de conta’. Quando vamos para a realidade, esbarramos na reserva do possível. Os recursos são escassos, o número de condenados é alto – não apenas de condenados, já que o percentual de presos provisórios é bem elevado. Tudo isso serve de álibi para que não seja estruturado um sistema penitenciário como a lei exige. O que existe é uma má gestão ou uma má vontade, já que estamos lidando com ‘vidas matáveis’, como considera Giorgio Agamben [filósofo italiano]”.
Augusta Teixeira concorda com esse pensamento. “Os Direitos Humanos são feridos a partir do momento em que uma cela, que comporta uma determinada capacidade de detentos, abriga uma quantidade superior – forçando-os a viver numa situação precária e sub-humana. Além dos maus tratos, das questões de saúde e outras tantas questões do contexto prisional. A ideia que uma boa parte da sociedade carrega sobre os Direitos Humanos é completamente equivocada, muitos acreditam que se tratam de “regalias”, enquanto é o direito de apenas existir com dignidade humana. O grande problema é que faltam direitos humanos para toda sociedade, que vive numa situação de desigualdade.”, diz Augusta.
A Mídia Caeté procurou os deputados Cibele Moura e Davi Maia, que responderam por meio das respectivas assessorias de imprensa. Seguem abaixo os posicionamentos.
Cibele Moura:
“Não sou contra preso ser vacinado. Ao contrário! Acredito que devem ser vacinados junto com o resto da população. O que acho errado é a prioridade, pois sabemos que falta vacina e esse é o real problema. Os ônibus, por exemplo, também são ambientes de superlotação e ainda assim as pessoas que não foram vacinadas, precisam trabalhar e dependem de ônibus enfrentam risco de contaminação diariamente. É uma lógica invertida que eu não consigo entender.”
Davi Maia:
“A movimentação dos presídios deveria ser controlada. É muito mais fácil do que controlar a movimentação da população em geral. Por si só, a condição de preso não indica a necessidade de estar no Plano Nacional de Imunização (PNI). Temos como exemplo dados* de São Paulo, que mostram que a incidência de contaminação entre os agentes é maior do que a dos presos. Uma situação de aglomeração ocorre muito mais vezes no transporte do trabalhador urbano. Você pode impedir que o preso tenha contato com outras pessoas externas e que o vírus consiga se proliferar. Eu discordo da prioridade e discordo ainda mais de que os presidiários sejam colocados à frente de outros grupos”.
*Davi Maia se referiu aos dados publicados em reportagem da Folha de São Paulo, em agosto de 2020.