Patrocínio do Carrefour é excluído de concurso afro

Representante da CUFA defende continuidade da premiação
Divulgação de Carrefour como ‘patrocinador master’. Imagem: site oficial do concurso

A divulgação de que o supermercado Carrefour seria o “Patrocinador Master” do Prêmio Pretos Empreendedores causou susto e repúdio entre participantes, jurados e até mesmo organizadores do próprio concurso. Diante do rechaço, um dos fundadores da Central Única das Favelas (CUFA) escreveu uma nota pedindo desculpas, assumindo responsabilidade individual. Dias antes, a organização havia suspendido todos os eventos, sob a justificativa do aumento da pandemia do Coronavírus no país.

Realizado pela Central Única das Favelas (CUFA), o Prêmio nasceu com objetivo de fortalecer a visibilidade das iniciativas de afroempreendimento no país, mas o financiamento do supermercado ensejou reação negativa imediata a grande parte dos envolvidos. De acordo com o presidente da CUFA em Alagoas, Rogério Dias, a notícia surpreendeu até mesmo as representações da Central nos estados.

“A ideia do prêmio desde o início é dar visibilidade aos vencedores, mas isso não pode ser possível com uma empresa reacionária como a Carrefour. O objetivo é fazer com que empreendedores sejam vistos pelas pessoas, que sejam conhecidos. Esse impasse aconteceu porque o responsável por conseguir patrocinadores para bancar o prêmio, em meio as dificuldades para conseguir, acabou aceitando da Carrefour, mas a gente não soube. Assim que soubemos, todas as CUFAs do Brasil também foram contrárias”, relatou.

Nas redes sociais, celebridades que tinham aparecido como juradas ou participantes se manifestaram – a exemplo do ator Lázaro Ramos e da consultora Nath Finanças.

Nath Finanças se pronuncia sobre participação no prêmio. Imagem: Redes Sociais

Assim como eles, por todo o país foram diversas as expressões de rechaço e memória ao dia 19 de novembro de 2020, quando João Alberto, um homem negro de 40 anos, foi agredido até a morte por funcionários da unidade do Carrefour em Porto Alegre. O assassinato desencadeou mobilizações sociais em todo o Brasil, em um levante antiracista que também rememorou diversos outros casos de racismo e desrespeito à vida humana nas dependências das Carrefour pelo país.

Em uma tentativa de se retratar, a rede de supermercado anunciou uma série de medidas, como ações de conscientização para todos os funcionários sobre combate à discriminação racial e contratação de pelo menos 10 mil pessoas negras, de um total de 20 mil novas vagas anunciadas. Menos de dois meses, a empresa aparece como patrocinadora de maior destaque no Prêmio.

Em um pedido de desculpas, um dos realizadores e dirigentes do CUFA, Celso Athayde, declarou ter cometido um “erro feio” ao não ter comunicado aos envolvidos sobre o acordo firmado com o supermercado.

“Meu grande erro, aliás o meu erro grosseiro e absurdo, foi não atualizar todos os envolvidos da presença desses parceiros e submetê-los ao crivo de absolutamente todos os envolvidos. Qualquer atitude diferente desta correria o risco de ser interpretada como má fé e não como ansiedade de produção”, escreveu na declaração.

Athayde prosseguiu explicando que não publicizou o patrocínio recentemente de má-fé. “no próprio domingo, dois dias depois desse pedido de apoio, nós estávamos montando as artes para subir para as redes, e site etc. E assim foi feito, enviamos com as logomarcas. Mas reconheço que o ponto não é esse. Eu afirmo que deveria mandar muito antes e se não havia tempo, então cancelasse, mas nunca seguir como foi feito”. A nota completa pode ser visualizada no site oficial do concurso.

Segundo Rogério Dias, após a reação imediata de Athayde, os representantes da CUFA ainda estão debatendo quais serão os próximos passos para a continuidade do Prêmio – sem o Carrefour. “A ação foi isolada de uma pessoa, mas a CUFA é muito grande. Existe em todos os estados do Brasil, e em 17 países. O prêmio é muito justo e independentemente da Carrefour, as pessoas que ganharam são merecedoras do prêmio. A maioria dos vencedores nos estados aceita a continuidade, desde que a Carrefour não patrocine, porque foi tudo muito justo. As pessoas vão receber a estatueta em casa”, contou.

Práticas antiracistas: mais do que ‘fazer bonito na fita’

Um dos vencedores em Alagoas, Jonathan Silva: práticas antiracistas são mais do que ‘fazer bonito na fita’. Foto: Cortesia/Arquivo Pessoal

Um dos vencedores da etapa estadual em Alagoas, Jonathan Silva, defende que o Carrefour segue sem adotar medidas de fato antirracistas. “Só se contrói instituições antiracistas quando elas conseguem contar uma história e construir um legado. A Carrefour nunca teve esse posicionamento”, relata. Jonathan rememora que, diante do episódio violento contra João Alberto, não houve qualquer resposta mais efetiva da rede de supermercado. “A instituição não adotou nenhuma medida mais enérgica. Talvez tenha vindo um pouco tarde, e viram na possibilidade de participar do prêmio como uma forma de se redimir, mas acho que não é dessa forma”,

Defendendo o que define como um caminho que busque soluções, Jonathan também reforça a importância de construir práticas que capilarizem a educação antiracista nestes locais, entre funcionários, gestores e clientes. “Para construir uma instituição que abrace a diversidade, e uma organização antiracista, a instituição deve construir. Fazer com que não só a gestão, mas também os funcionários que estão na operacional tenham consciência de que pessoas não devem ser discriminadas por suas escolhas, crenças, etnia, corte de cabelo”, refoçou. “Talvez seja a oportunidade que aprendam e façam o correto, mas só poderia ser alcançado se ela estivesse em pleno dialogo. Não fazendo algo para estar bonito na fita, mas promover diálogo maduro, conhecer o movimento, se aprofundar e fazer com que todos estejam conscientes”, disse.

A Mídia Caeté procurou o Carrefour, que em Alagoas vem enraizando seu mercado através da rede de supermercados Atacadão, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para resposta da empresa em questão.

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