Policiais militares são denunciados por depredar Terreiro da Mãe Vera e agredir jovem na Cidade Universitária

Uma guarnição da PM foi denunciada por invadir e depredar o Terreiro Abassá de Angola e de espancar e ameaçar um jovem filho de santo e neto da falecida Mãe Vera
Registros da situação do Terreiro Abassá de Angola, após invasão e depredação. Foto: Arquivo Pessoal

Exatamente um mês após as celebrações em memória aos 111 anos do Grande Quebra, mais um ataque a terreiro aconteceu. Nesta quinta-feira, 02, uma guarnição da Polícia Militar foi denunciada por invadir e depredar o Terreiro Abassá de Angola, na Cidade Universitária, e de espancar e ameaçar um jovem filho de santo e neto da falecida Mãe Vera, sacerdotisa fundadora do espaço religioso.

De acordo com o advogado Pedro Gomes, que é integrante do Instituto do Negro de Alagoas (INEG), o jovem foi abordado no Conjunto por policiais militares que estavam “à procura de drogas”. Mesmo não encontrando nada com o rapaz – ou mesmo próximo a ele – os militares determinaram que a vítima entrasse na viatura.

“Ao invés de levar ele para a delegacia, levaram a uma casa em local esmo e pediram para ele informar sobre local de drogas. Ele disse que não sabia e começou a ser espancado. Também o ameaçaram de morte e de colocar drogas para forjar crime. Fizeram toda a sorte de torturas com ele”, relatou o advogado. “Ao se certificarem de que não havia droga com ele, pediram para ir até sua casa. Ele mora no terreiro, que estava fechado. Então eles arrombaram, quebraram a porta, vasculharam todo o Terreiro justificando a busca por drogas”, conta.

Segundo o membro do INEG, mesmo percebendo que não havia qualquer substância ilícita dentro do local de culto, os militares mantiveram a sequência de violência. “Levaram ele para o mesmo local, para mais uma rodada de agressões e, depois, o soltaram”.

Enquanto a série de torturas acontecia, a mãe do jovem enfrentava todo o medo e ausência de informações. Filha de Mãe Vera, a atual Yalorixá do Terreiro, Jeanne Yara, recebeu a informação de que o filho havia sido colocado em uma viatura, e seguiu de imediato à Central de Flagrantes para encontrar. “Ela aguardou e o filho nunca chegava. Foi então que, de lá, soube que fizeram essa depredação no terreiro e nos comunicou para agirmos”, relata Pedro Gomes.

Os advogados do INEG já iniciaram a produção de um pedido para que o Delegado Geral da Polícia Civil determine a abertura de inquérito e, no curso das investigações, identifique os policiais responsáveis pelo crime.

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A Polícia Militar foi procurada pela reportagem da Mídia Caeté e informou, por meio de assessoria, que encaminharia uma nova nota. No entanto, até o momento, não tornou pública. O espaço se mantém aberto.

“Foi algo, no mínimo, estarrecedor. Primeiro a abordagem de uma guarnição, que acha por bem pegar um cidadão pelo fato de ele ser negro principalmente e por residir onde reside, porque se fosse em outros locais, eles não fariam isso. Independentemente do que acham que ele é, não havia nada com ele. Além do mais, deixaram ele por duas horas incomunicável com a família, que aguardava na Central sem saber o que acontecia, pensando o pior”, enumera.

“Além disso, invadem um local de culto sagrado, em busca de bolsa de drogas, e logicamente não acharam. Nem acharam com o jovem, nem próximo a ele”, prossegue. “Vejo tudo como um grande absurdo, um desrespeito imenso. A gente vem questionando que o caso, mais do que de racismo pontual, é claro episódio de racismo estrutural, porque infringiu toda as leis do Estado Democrático de Direito sobre prisão, recolhimento de um cidadão. Achou normal fazer isso sem qualquer mandado ou evidência. Colocaram a pessoa para ser torturada, sem imputar qualquer crime sobre ela. Só pelo prazer de fazer isso”.

Pedro Gomes rememora ainda o fato de que toda essa violência foi cometida a despeito da função real dos agentes de segurança pública. “Podia estar existindo crime de verdade na cidade, assassinatos ou ilicitudes durante aquelas duas horas, mas ao invés de combater o crime, estavam perdendo tempo praticando tortura com pessoas”, afirmou.

Sobre a invasão aos terreiros, o racismo religioso vai operando na confiança da impunidade. Para o advogado, templos de outras religiões não teriam sido violados por abordagens desta natureza. “Além disso, a invasão se deu em lugar de terreiro, lugar de culto. Se fosse outras religiões, em condições muito mais desfavoráveis enquanto suspeitos, isso não teria acontecido. Só entraram de fato dessa forma, porque era um terreiro e não tiveram nenhum respeito com a religião alheia. É um caso que demonstra como estamos tão distantes de uma polícia mais cidadã, de uma sociedade mais igualitária”, analisa.

Ocorre que, diferentemente de 1912, a agressão contra povos de santo não restará como consequência o silenciamento, mas a articulação de vozes para o combate à intolerância religiosa em todos os níveis.

“Continuamos, enquanto INEG e enquanto Comissão de Igualdade Racial da OAB, lutando e tentando fazer com que as instituições funcionem, para que as pessoas que cometeram sejam punidas, e para que este caso não seja esquecido”, assegura Pedro Gomes. “Não vamos esmorecer ou poupar esforços para que a guarnição seja identificada, afinal não é difícil identificar, e que a Polícia saiba punir suas maçãs podres”, acrescenta.

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