Política mundial reverbera em Maceió e PT volta à Câmara

Desempenho do petista na Câmara pode definir novos rumos à política na capital
Em seu primeiro mandato como vereador, movimentos políticos de Dr. Valmir ainda são uma incógnita. Imagem: Leonardo Reis/ Mídia Caeté

Para a alegria de alguns e descontentamento de outros, o Partido dos Trabalhadores (PT) está de volta à Câmara de Maceió depois de uma legislatura inteira sem representantes de esquerda. Eleito com 1.691 votos, Valmir de Melo Gomes, conhecido como Dr. Valmir, foi empossado no último dia 1° e é um dos 25 vereadores eleitos. Com um discurso de mandato independente, o médico petista foi peça chave na eleição da nova Mesa Diretora e apoiou a candidatura do empresário Galba Novaes de Castro Netto (MDB).

Com renovação de mais de 50% do seu quadro, a eleição de Valmir e a volta do PT à Câmara, pode significar o ressurgimento da esquerda no cenário político da capital. Fenômeno repetido em várias capitais brasileiras e que tem se estendido por outros países. Líderes mundiais da ultradireita em várias partes do globo não conseguiram renovar seus mandatos. O icônico enxotamento do republicano, Donald Trump, da Casa Branca é o melhor exemplo de que a ultradireita teve seus cinco minutos de fama e inicia sua despedida sem deixar saudades.

O ponto de partida foi a vitória de Alberto Fernández sobre Macri, em outubro de 2019 na Argentina. Em dezembro de 2020, o partido de Maduro venceu as eleições parlamentares na Venezuela, derrotando Leopoldo Lopéz. No Uruguai – embora em 2019 o candidato à presidência de esquerde, Daniel Martinèz, tenha sido derrotado – a vitória de Luis Lacalle Pou, de centro-direita, foi quase um empate técnico, definida voto a voto, e em 2020, a Frente Ampla, de esquerda, elegeu Carolina Cosse, nas eleições regionais de Montevidéu, considerada a segunda mais importante daquele país, perdendo em importância apenas para a eleição presidencial. Outras nações ao redor do mundo também perderam seus líderes extremistas, revelando acentuada mudança de pensamento do eleitorado em curto espaço de tempo.

2022

No Brasil, a avaliação de especialistas políticos sobre o pleito de 2020 é de vitória para a direita. Os partidos de centro cresceram, abocanharam novas prefeituras e mais assentos nas câmaras municipais, porém o Bolsonarismo ultraconservador foi massacrado e o desempenho dos aliados do presidente (sem partido) foi medíocre na maior parte do país, indicando que 2022 pode significar o adeus do ‘mito’.

A cientista política, Luciana Santana não arriscou uma projeção para 2022 e lembrou que a pandemia e outras variantes devem afetar os resultados. “Difícil projetar 2022. Muitas variáveis vão afetar a composição partidária, inclusive a conjuntura do país em seus aspectos sociais e econômicos. Estamos em meio a uma pandemia ainda. Hoje temos uma situação não tão confortável para partidos das esquerdas, pois falta uma coalizão ampla para fortalecer politicamente esse espectro ideológico. Os partidos de centro-direita saíram fortalecidos nas urnas em 2020. De qualquer forma, é esperado que partidos de esquerda continuem sendo representados nos cargos eletivos.”

Santana também não descarta que em 2022 o Brasil possa protagonizar episódio semelhante ao que ocorreu no Capitólio dos EUA. “Não podemos descartar comportamentos parecidos com o que aconteceu em Washington. Depende muito do comportamento do chefe do Executivo no Brasil e seus simpatizantes. Não sou otimista quanto a isso.”

A eleição à presidência da Câmara dos Deputados pode ser um das variantes citadas pela especialista. Perguntada sobre qual nome seria melhor para o cargo, se Arthur Lira ou Baleia Rossi, Santana mostrou preocupação em razão das pautas liberais defendidas por ambos e da proximidade ideológica dos dois candidatos com o bolsonarismo. “Difícil fazer essa análise hoje. Ambos poderiam contribuir com o avanço dessas pautas. Por simpatia e apoio ao Presidente, o mais preocupante é o avanço com pautas conservadoras e ideológicas que dialogam com simpatizantes bolsonaristas,” pondera Santana.

Representatividade

Mas a volta da esquerda no Brasil pode ser observada, por exemplo, pelo aumento de pessoas trans eleitas no país, que foi quatro vezes maior em comparação com 2016. Das 294 candidaturas registradas no Brasil – sendo 30 coletivas, 2 para prefeitura e 1 vice-prefeitura – 30 saíram vitoriosas, contra apenas 8 em 2016. E destas eleitas, 7 foram as mais votadas em suas cidades, sendo duas em capitais. O estado que mais elegeu pessoas trans foi São Paulo, 16 no total. Seguido por Minas Gerias (4), Rio Grande do Sul (3), Rio de Janeiro (2), e depois ES, PA, PR, RN e SE, com uma pessoa trans cada. O PSol foi o partido com mais eleitas (6), PT, MDB e PDT (4), PODE (2) e REP, PV, PSDB, PL, PROS, DC, DEM, PTB, PSB e AVANTE com uma cada.

O levantamento foi realizado pelo coletivo Gênero e Número, formado por jornalistas independentes especializados em jornalismo de dados, diversidade e contexto. (Para mais informações acesse: www.generonumero.media ou @generonumero).

Seguindo a análise sobre o crescimento desses grupos, é importante ressaltar que os negros também ganharam representatividade e serão 44% do total de vereadores eleitos nas capitais. Destaque para Palmas (TO), que terá uma Câmara composta por 95% de negros. Cuiabá (MT) e São Luís (MA) vêm em seguida, com 76% e 74%. Florianópolis (SC) tem o pior desempenho, e não elegeu nenhum negro. Seguido por Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR), com 11% cada, e São Paulo (18%). Em Maceió, 40% dos vereadores eleitos se declararam negros.

Já quando o assunto é a representatividade feminina, a cidade de Porto Alegre (RS) foi a que elegeu o maior contingente (31%), seguida de Belo Horizonte (27%) e logo depois Natal e São Paulo, com 24% cada. Em Maceió, apenas 16%. Um total de 4 mulheres, no universo de 25 vereadores. As eleitas são Silvania Barbosa (PRTB), Olívia Tenório (MDB), Teca Nelma (PSDB) e Gaby Ronalsa (DEM).

Os dados sobre negros e mulheres eleitos em 2020 são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e importam porque estes grupos costumam ser espelhos das minorias e suas pautas, salvo algumas exceções. Portanto, quanto mais eleitos desses grupos, mais distante a política fica do tradicional perfil homem/branco/conservador que costuma ser o espelho do conservadorismo e políticas econômicas liberais que consomem a pauta da direita no país.

Para Juliana Santana, a ausência de representação de diferentes grupos sociais é um diagnóstico que preocupa. Na opinião da cientista política, não é algo que se resolve apenas com a crítica, mas com conscientização do voto antes mesmo do processo eleitoral. “A eleição do ano passado avançou em número de candidaturas com o perfil mencionado. Houve uma melhora em relação a 2016. Em Maceió não houve avanço.” Sobre o conservadorismo, ela esclarece que “2018 é um ponto fora da curva. O eleitor brasileiro sempre foi mais moderado e gravitando ideologicamente no centro.” A cientista também não vê a pandemia como a razão do crescimento desses grupos representativos. “Não a pandemia em si, mas a situação como um todo.”

Maceió

Maceió foi a única capital brasileira a não eleger nenhum indígena, mulher negra ou pessoa trans. No resto do Brasil, pelo menos um desses grupos sociais tem representação no Poder Legislativo das capitais.  Dois aspectos podem ser avaliados do resultado local das eleições: o primeiro deles a candidatura de Valmir em si, uma surpresa e que traz de volta o PT à Casa Legislativa; ao tempo que o novo elenco tem perfil ainda mais conservador que a legislatura anterior. Um contrassenso.

Na visão do vereador, o resultado da eleição em Maceió reflete “uma sociedade machista” e cita a disparidade de vagas ocupadas por homens e mulheres da atual legislatura. Mas para ele “a vida é dinâmica” e relata que esteve durante a semana na inauguração de um espaço para as pessoas LGBTQIAP+, no bairro do Clima Bom. O vereador garantiu que sairá em defesa da luta desse grupo social.

Segundo o próprio vereador, suas pautas deverão ser voltadas, sobretudo, à defesa dos serviços públicos. “Uma responsabilidade imensa, já que as reivindicações populares não encontravam eco na Câmara de Vereadores. São diversas, na saúde, educação, moradia popular, transportes, proteção das nossas matas e da Lagoa Mundaú. Defesa dos serviços públicos.”

Já Luciana Santana avalia que a representação do PT na Câmara é salutar e necessária. “Como se trata de uma instituição de representação política, e há parte da população simpatizantes do partido, ter representantes do partido é algo salutar e necessário.

Valmir

Com 63 anos, médico do Programa Saúde da Família (PSF) e professor, Valmir Gomes, atribuiu o retorno do PT ao diálogo com vários setores da população e ao olhar mais atento da sociedade aos efeitos socioeconômicos dos governos petistas. “Uma candidatura que surgiu do diálogo com vários setores da população de Maceió. O PT volta devido o somatório de todos vereadores, em um momento difícil perante o desgaste nos últimos anos. Mas já se percebe que as pessoas começam a ver a importância dos governos petistas.” Ainda sobre o cenário político, as expectativas pessoais e do partido para 2022, o vereador disse apenas que a realidade tanto nacional, quanto estadual, é complexa e que irá trabalhar ideias e ações que se coadunem com os desejos populares.

Com a proposta de um mandato independente, seu posicionamento na definição da nova Mesa Diretora trouxe estranhamento a alguns setores da sociedade que temem alianças que acabem afastando o vereador de suas promessas de campanha e de seu compromisso social. Assumindo pela primeira vez um cargo no Legislativo, Valmir comentou sobre o assunto. “A eleição da Mesa nos levou a propor uma Mesa democrática, que dê oportunidade a todos os vereadores, que tenha uma postura de altivez, que demonstre a Câmara como um espaço de poder para todos os atores da sociedade maceioense. Continuamos com nossa postura de independência, mas dialogando com as forças que compõem o parlamento municipal”, explicou o edil.

O vereador preferiu não se indispor ao falar sobre o perfil ultraconservador de alguns colegas de parlamento. Limitou-se a dizer apenas que “é um momento complexo” e se mostrou aberto a discutir com a sociedade, propondo a criação de centros de cultura para o enfrentamento de pautas mais conservadoras, sem dar detalhes sobre a criação destes centros.

O desempenho da esquerda também surpreendeu na capital com o resultado da candidatura de Valéria Correia (PSOL), na corrida pela Prefeitura de Maceió. Concorrendo pela primeira vez, a candidata ex-reitora da Universidade Federal de Alagoas conseguiu 13.568 votos e foi a mulher mais bem colocada em intenção de voto. O resultado de Valéria foi melhor do que do veterano Ricardo Barbosa (PT) que abocanhou apenas 8.905 votos e do que o ex-prefeito Cícero Almeida (DC) que deixou a prefeitura em 2012 muito bem avaliado. Outra representante feminina da esquerda que também teve colocação melhor do que um ex-prefeito foi a novata, Lenilda Luna (UP), que conseguiu 4.875 votos, muito acima dos 507 votos de Corintho Campelo (PMN).

Resta saber se esses resultados representam um novo fôlego à esquerda na capital alagoana ou se essa ‘constelação’ é na verdade uma ‘estrela’ solitária.

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