O novo projeto viário da Prefeitura de Maceió, que pretende conectar o bairro do Antares ao Tabuleiro do Martins, vem sendo alvo de sucessivas denúncias de danos sociais e ambientais. Nomeado por “Linha Verde” a iniciativa tem sido criticada porque, ironicamente, segundo relatos de especialistas, vem promovendo o desmatamento de cerca de 10 hectares de Mata Atlântica, e colocando diversas espécies de fauna e flora em risco. Agora, de acordo com as denúncias, o projeto tem procedido com a canalização de um riacho, o que compromete a biodiversidade e a qualidade da água, entre outros prejuízos.
A devastação ambiental já tem sido alvo de pedido de representação no Ministério Público Federal, e as obras – comandadas pela Prefeitura de Maceió e coordenadas pela Braskem, a partir do acordo sociourbanístico – já foram até mesmo embargadas por descumprirem a legislação ambiental, desde julho do ano passado, e terem avançado sem licenciamentos e sem uma série de estudos necessários para a continuidade.
A bióloga e ambientalista Neirevane Nunes, ao publicar a denúncia, declarou: “Essa supressão de vegetação nativa sem a anuência do IMA e do IBAMA e sem o devido registro no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), configura crime ambiental devido a grave violação à legislação ambiental brasileira. A Mata Atlântica é protegida pela Lei nº 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica), que exige autorização prévia dos órgãos competentes para qualquer intervenção no bioma. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), juntamente com o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), determina que qualquer intervenção em áreas de vegetação nativa só pode ser realizada mediante a apresentação de estudos de impacto ambiental, licenças ambientais e a inserção da atividade no Sinaflor. A ausência de registro no sistema indica que o desmatamento foi realizado de maneira ilegal”, fundamenta.
Com o desmatamento em curso, a reação em cadeia coloca em risco diversas espécies de animais. Conforme a representação enviada ao MPF, moradores da parte alta da cidade têm relatado a presença de animais como saguís, bichos-preguiça, tamanduás-mirins e serpentes em áreas urbanas.
Na representação, as entidades resgatam o histórico conflituoso dessas obras, indicando o embargo em julho de 2024, além de uma multa de R$ 450 mil à Braskem e à Prefeitura de Maceió por desmatamento irregular, destacando que a empreiteira também foi autuada. Ainda segundo a nota, além da ausência de registros e autorizações, a supressão da vegetação ainda se deu sem qualquer plano de compensação ambiental.
O mais recente flagra de dano ambiental, além da vegetação, é a canalização do riacho do Antares. “O projeto prevê a construção de uma ponte de 130 metros e a instalação de um bueiro celular de 58 metros “para permitir” a passagem do riacho local. Esse tipo de intervenção provoca uma alteração drástica no ambiente além do desmatamento já realizado de cerca de 10 hectares de Mata Atlântica e com possibilidade de avanço desse desmatamento no curso do projeto”, explica Neirevane Nunes. “Canalizar o riacho é uma verdadeira agressão a esse ecossistema, pois isso compromete a Biodiversidade local com redução de fauna e flora aquáticas, além de alterar a qualidade da água e o equilíbrio hidrológico. A legislação ambiental brasileira impõe restrições a canalização de cursos d’água. E estamos falando de uma área de preservação permanente (APP). Cadê os estudos de impacto ambiental disso?”.
Este slideshow necessita de JavaScript.
Em pedido de representação enviado ao MPF, as entidades questionam a canalização, alertando para ausência de informações. “De acordo com a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), qualquer intervenção em corpos hídricos deve ser precedida por
estudos técnicos que avaliem os impactos ecológicos e socioeconômicos, garantindo a proteção desses recursos essenciais. A ausência de informações detalhadas sobre essa intervenção levanta questionamentos sobre a legalidade e a adequação das medidas
adotadas para minimizar os danos ambientais.”
Traçado alternativo pouparia pelo menos 40 imóveis: prefeitura não explica motivo da recusa
A representação enviada ao MPF também reforça um questionamento sobre o próprio traçado efetuado pela Prefeitura. É que pelo menos 40 imóveis serão desapropriados com a construção. Especialistas apresentaram um percurso alternativo para a obra, que pouparia a grande maioria destes imóveis, mas a Prefeitura rejeitou o projeto, sem explicar o motivo.
O assunto rendeu audiência pública – leia a reportagem completa sobre a audiência aqui – e ainda assim, o projeto vem seguindo. Em resposta à Mídia Caeté, a Prefeitura de Maceió emitiu uma nota oficial, em que afirma o projeto já foi discutido em audiências públicas, e que a Seminfra identificou o traçado com a opção mais benéfica para a população. Leia na íntegra a nota:
“A Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminfra) informa que o projeto da Linha Verde foi amplamente discutido em audiências públicas, que contaram com a participação do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Estado de Alagoas e da comunidade local. Com 2,37 km de extensão, a Linha Verde conectará os bairros Tabuleiro do Martins e Antares, tornando-se uma alternativa ao tráfego intenso na região, especialmente nos horários de pico. A Seminfra acrescenta que autoridades destacaram a escolha do traçado como a opção mais eficaz e benéfica para a população, e que a definição do trajeto levou três meses e incluiu a análise de oito propostas, cinco delas apresentadas pelos próprios moradores. A preocupação em minimizar os impactos ambientais e reduzir ao máximo o número de desapropriações foi um dos pontos centrais da discussão. Todas as desapropriações necessárias para a execução da obra já foram devidamente acordadas e integralmente pagas, o que assegura tranquilidade às famílias envolvidas.”
Entretanto, ambientalistas declaram que só houve uma audiência pública, provocada pela vereadora Teca Nelma, além de que a situação da desapropriação não tem sido recebida com a tranquilidade alegada pela gestão municipal.
A audiência passou, inclusive, por um momento de tumulto e consternação, quando representante da Seminfra chegou a afirmar que a Prefeitura não tinha “obrigação” de avisar a ninguém.
““Se a lei esta sendo infligida, conforme muitos disseram aqui, que entrem na Justiça contra para a prefeitura ser penalizada se infringiu a lei. Mas a prefeitura tem pessoas como eu, que tem experiência, conhecimento, para fazer algo que precisa ser visto. Toda obra tem malefício e benefício. Não tem como fazer omelete sem quebrar o ovo. Agora não estou dizendo que vocês são a parte frágil. É simplesmente um projeto que foi analisado, visto, revisto, e agora está em estágio avançado e a prefeitura não tem nenhuma obrigação de avisar a ninguém, mesmo porque existem controvérsias a esse respeito”, declarou o engenheiro civil Marco Aurélio, representando, na oportunidade, a gestão da Secretaria Municipal
Presente na audiência, a professora Doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFAL, Regina Dulce, essa postura vem se caracterizando como modus operandi da Prefeitura, o que vem identificado constantemente a partir de uma série de situações, inclusive enquanto coordenadora do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (Pdui) da Região Metropolitana de Maceió (RMM).
“É uma atitude que não é única, mas um modus operandi. Funciona do mesmo jeito, quer seja no Antares, quer seja no Vera Arruda. Eu, por acaso, moro no Vera Arruda”, conta. “O Plano de Desenvolvimento envolve 13 municípios, e sou coordenadora do plano. Maceió é o município sede e o município sede se recusa a discutir coma gente. Então é modus operandi. Passei o dia no telefone perguntando pelo projeto e nada. Eles trabalham absolutamente em segredo, com falso discurso que tem competência técnica. E o máximo que serve de reposta vem de pronunciamento de instagram”.
Especialistas alertam para impactos ambientais desconsiderados
Já numa outra nota divulgada à imprensa, a Prefeitura declarou que todas as licenças foram emitidas, e que o IMA havia embargado exclusivamente 3,5 hectares estavam em área de mata atlântica, de modo que apenas este trecho segue embargado.
Sobre esta questão, moradores anexaram um acréscimo à representação do MPF, contestando a existência de licenciamentos, de estudo de impacto, e também criticando o embargo parcial da obra.
“A fragmentação do embargo pode ser interpretada como uma tentativa de driblar a legislação ambiental e dar continuidade ao projeto Linha Verde, cujos impactos ambientais podem ser irreversíveis. O embargo de apenas uma parte da obra não elimina os danos já causados nem garante que a continuidade da construção não agravará os impactos sobre o ecossistema local”.