Foto: Agência Alagoas.
Nesta terça-feira, 07 de setembro de 2021, discutir as relações entre policiais, militares de um modo geral e o bolsonarismo exige necessariamente a atenção em um fato novo: a adesão explícita e ampla dos militares da ativa aos atos antidemocráticos marcados para hoje: por mais que os organizadores façam alusão à comemoração ao Dia da Independência, os movimentos nas redes sociais pedem o fim do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em Alagoas, o governador Renan Filho optou por se esquivar sobre a postura a ser adotada em caso de participação de oficiais e praças nas manifestações. O Ministério Público (MP), por meio da assessoria, anunciou à imprensa e à sociedade o “ver para crer”: disse que a presença dos militares da ativa está permitida, desde que não estejam armados, fardados ou com qualquer símbolo que identifique o órgão ao qual são ligados.
“No caso das Forças Armadas, é bem claro, nos incisos 4º e 5º do art. 142 da Constituição Federal (CF), que é proibida tanto a filiação a partidos políticos quanto a sindicalização e greve, no caso dos militares da ativa. Então, os militares da marinha, exército e aeronáutica não teriam esse direito e isso também está colocado para os militares estaduais, no caso de policiais militares e bombeiros”, afirmou Claudemir Cardoso, especialista em direito constitucional e professor da Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste (Seune).
“Apesar de haver, lá na parte inicial da Constituição, a previsão de que qualquer cidadão pode se manifestar politicamente, para os militares da ativa tem essa vedação expressa”, complementa.
A preocupação expressa na Constituição não é mero detalhe, capricho de legislador. Permitir que militares da ativa participem de manifestações políticas com distintivos ou quaisquer acessórios remetendo ao órgão para o qual trabalham representaria um risco à própria ordem democrática. Se o monopólio do uso da força cabe, em tese, ao Estado, uma eventual cooptação dos policiais às pautas de determinado grupo político deixa a sociedade completamente exposta e vulnerável.
“A razão para impedir essa participação, segundo os próprios constituintes em 88, foi justamente impedir que os militares tivessem qualquer tipo de influência política. Isso é aquela ideia da nossa tentativa de volta à democracia para que se evitasse que houvesse aquele tipo de manifestação política que ocorria durante a ditadura militar. Infelizmente, essa proibição acabou sendo tangenciada, tanto é que a gente tem hoje um governo que tem mais militares nos cargos do que os próprios governos militares da ditadura”, asseverou Cardoso.
O constitucionalista lembra ainda que – embora a antiga Lei de nº 7.524/86 permita a manifestação ideológica e filosófica aos militares da ativa e da reserva – há uma particularidade no caso alagoano: a vedação aos militares da reserva de atividades político-partidárias, prevista expressamente no art. 39 do Estatuto dos Policiais Militares de Alagoas.
O aumento da participação policial nos cargos eletivos
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) vem acompanhando o grau político entre os policiais civis, militares e federais do Brasil. Entre janeiro e agosto de 2021, nos dados mais recentes, foram avaliados comportamentos de curtidas, comentários ou compartilhamentos. Os resultados sugerem que a presença do bolsonarismo é mais forte entre os policiais militares, mas vem crescendo também entre os policiais civis e federais.
Levantamentos revelam que, em 2018, o número de policiais e militares no Legislativo era quatro vezes maior que o de 2014. Recentemente, cresceram as discussões sobre a necessidade de uma quarentena de cinco anos para policiais, juízes e militares se candidatarem. A proposta partiu da relatora do projeto de lei do Novo Código Eleitoral, Margarete Coelho (Progressistas-PI).
“Não sou contra a representação de militares dentro do legislativo até porque é uma parcela da população que precisa de representação. O que chama atenção é esse aumento de militares e, em muitos casos, a gente percebe até uma militância desses membros antes mesmo de estarem na reserva. Acredito ser saudável uma quarentena tanto em relação aos militares quanto aos membros do Judiciário para que eles não interfiram, não utilizem as corporações e nem o Judiciário na própria estrutura para se beneficiarem em uma competição política. Penso ser necessário algo nesse sentido, o que não inviabiliza a sua representação. Não estando na ativa e cumprindo a quarentena, estarão aptos”, analisa Luciana Santana, cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Luciana emenda: “Atualmente – e isso vale não só para as forças policiais e do judiciário – mas também para os membros do funcionalismo público federal -, se eles quiserem ser candidatos, devem se licenciar das suas atividades, mas o prazo é muito curto, não significa que não estarão utilizando antes desse período o seu cargo ou função para já poder fazer algum tipo de campanha interna aos membros dessas corporações”.
A “quarentena”, contudo, pode enfrentar resistência para passar em um Congresso Nacional ainda mais conservador que os anteriores.
Em meio às discussões sobre representação e liberdade de manifestação para policiais e militares, Claudemir Cardoso pondera que a opção por uma “proibição total” pode servir como justificativa para desmontar futuras pautas de caráter democrático dentro das próprias polícias.
“O comportamento do Ministério Público parece ser o mais sensato, pensando justamente a longo prazo, na possibilidade de que outros movimentos ocorram de natureza democrática, principalmente aqueles que visam denunciar a ascensão do fascismo dentro das corporações militares. É um assunto bastante delicado, porque mexe com essas proibições de greve, manifestação e sindicalização”, expõe antes de acrescentar que as corporações deveriam alertar seus membros sobre os excessos.
“O que precisa ser colocado é que qualquer tipo de transgressão é crime. Pode ser crime de motim, de revolta e pode levar a uma pena de até 20 anos de prisão”, finaliza Claudemir Cardoso.