Pré-eleições: Pesquisa mostra anseios da população sobre segurança e joga ducha fria em extrema-direita

Em entrevista à Mídia Caeté, associado sênior do FBSP alerta que candidatos precisam sair do muro em relação aos direitos.
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O clima de insegurança e violência no país durante o período pré-eleitoral foi reafirmado pela pesquisa “Violência e Democracia: Panorama Brasileiro Pré-Eleições 2022”. O estudo produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), revelou que 67,5% das pessoas abordadas afirmam ter medo de serem agredidas em razão de suas escolhas políticas ou partidárias.

Alguns dados trouxeram aspectos relevantes para o momento percebido no país, e são destacadas pelos pesquisadores, como o avanço no reconhecimento de direitos civis, uma vez que as respostas trouxeram concordância com diversas questões que confrontam diretamente as ideologias propagadas hoje pela extrema-direita no país.

São elas: o fato de que sete em cada dez pessoas não acreditam que o aumento da segurança virá armando a população (66,4% dos entrevistados). Houve ainda, segundo os estudos, grande concordância de que aqueles que passam fome devem ser amparados pelo Estado, o reconhecimento de que existe racismo no Brasil, o crescimento no apoio das famílias às pessoas LGBTQIAP+ ; e também a percepção de que a condição dos presídios deve ser melhorada.

O contexto é mais um fator determinante, quando, ainda na apresentação, os pesquisadores já assinalam a condição do regime atualmente, que já desceu de uma democracia liberal – e portanto permissiva, e produtora, das desigualdades sociais, mas defensora de direitos civis – para uma democracia eleitoral, um modelo que identifica o quanto a participação popular vai se restringindo cada vez mais ao voto. A questão é que, segundo relatório da think tank Varieties of Democracy (V-DEM), já caminhamos para descer em mais uma categoria.

“No relatório de 2021, figuramos como uma das cinco lideranças globais no processo conhecido como “autocratização”, acompanhados por Hungria, Polônia, Sérvia e Turquia – países que têm enfrentado redução nas liberdades de expressão e participação, violência política, fechamento do espaço cívico e tensionamento entre Poderes e instituições.”, assinalaram os coordenadores do projeto, Mônica Sodré Renato Sergio de Lima, ainda na apresentação da Pesquisa.

FOTO: Jorge William / O Globo

Através de outra pesquisa realizada em 2017  pelo Fórum, foi possível ainda realizar certos comparativos que dão a linha de uma mudança de pensamento relevante em relação às perspectivas democráticas.

“Em 2017, o índice de propensão ao apoio a posições autoritárias, medido numa escala de 0 a 10, foi de 8,10, indicando um nível alto de adesão a valores autoritários, que pareceu se confirmar no processo eleitoral e no resultado das eleições de 2018, que levou um político de extrema-direita, com discurso claramente autocrático, à chefia do Poder Executivo”, revela o estudo. “Em 2022, a pesquisa, realizada em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), é atualizada e ampliada em suas dimensões de análise. Nela, há boas notícias: o índice de propensão à democracia foi de 7,25, considerado alto, e mais da metade dos entrevistados marcaram acima de 7 pontos no índice”.

Diversos aspectos foram considerados para além do exercício do voto, segundo a análise. “88,5% concordam que “o povo ter voz ativa e participar nas principais decisões governamentais é essencial para a democracia”. Em termos do reconhecimento da importância das instituições democráticas e do equilíbrio entre os poderes, 62,8% concordam que “é importante para a democracia que os tribunais sejam capazes de impedir o governo de agir além de sua autoridade”.

Em entrevista à Mídia Caeté, o associado sênior do FBSP, Pedro Montenegro, alerta como os resultados da pesquisa tratam-se de ferramentas importantes para fomentar políticas públicas, e mesmo para que candidatos revejam suas posturas quando não revelam abertamente suas pautas relacionadas a direitos sociais, por receio de perder as eleições.

“O campo mais democrático em Alagoas, que tem um aspecto muito amplo, deveria ler este Panorama para para ter uma agenda menos tímida no que diz respeito aos direitos. Para não deixar de falar de determinados assuntos com receio de que a população não concorde. Alguns candidatos concordam com diversas pautas de direitos sociais, mas não falam por medo de perder votos em Alagoas. A pesquisa mostra que, no cenário que a gente está, o pragmatismo é fadado ao fracasso, inclusive eleitoral. Ou você está em um caminho que defende a autocracia ou numa posição mais evidente de defesa de direitos. Quem fica em cima do muro pode acabar ficando apagado”.

Com os campos progressistas ocultando pautas caras ao povo, é colocado um limbo sobre o lugar de conquista de direitos. Algumas respostas até mesmo contraditórias vão puxando a necessidade de análises mais profundas. Assim, em meio ao processo de crescente medo em relação à violência, foi constatada uma relativização maior à propensão democrática ao maior à garantia de direitos.

“Ou seja, um apoio menor à democracia em paralelo com maior apoio a direitos pode indicar que os sentidos e significados da democracia estejam pouco distribuídos entre as populações que deles mais poderiam usufruir. Do ponto de vista das políticas públicas, portanto, é fundamental que a sociedade brasileira encontre meios para que os ganhos da democracia sejam compartilhados entre todos os seus cidadãos, traduzindo-se em bem-estar e qualidade de vida para o maior número de pessoas”, descrevem os autores.

Crédito da foto: Cris Faga/Fox Press/Estadão Conteúdo

Montenegro também reflete: “essas contradições podem ser exploradas tanto para o bem como para o mal. Quanto mais informações circuladas de forma correta, ao invés das fake news, mais as pessoas terão elementos suficientes para fazer juízo de valor. Quando não acontece porque a esfera pública está corroída e a política não traz resultado para vida concreta do povo, fica complicado, porque acaba possibilitando a ideia de um salvador da pátria que, com medida de força, vai construir a solução”, comenta.

No entanto, este salvador é uma ilusão. “Problemas sociais são resolvidos com a participação do povo nas questões políticas e não entregando os caminhos para um ‘super homem’. A história do Brasil e do mundo mostram que esse filme nunca acabou bem, inclusive para as pessoas que apostaram nesse super herói”.

Um fator que também demarca esta questão, embora não especificamente apresentado na pesquisa, é o aumento no número de candidaturas de policiais. “É como se fosse a mesma ciosa, polícia e política. E esses ‘heróis’ utilizam muito isso. Tanto que hoje vemos essas figuras midiáticas de policiais, inclusive não só em Alagoas”

CIÊNCIA E NÃO ACHISMO

Todas estas avaliações são possíveis apenas a partir de resultados objetivos realizados a partir de pesquisa. É nesse sentido que Pedro Montenegro ressalta a importância destes relatórios.

“A produção de dados é fundamental. Nenhuma política pública pode prescindir de ciência e produção de dados. Quando substituímos a ciência pelo achismo, como aconteceu durante a pandemia por opção política do governo federal, o resultado é trágico. Na segurança pública, o paradigma hegemônico foi também de que a ciência não é necessária. Há até rechaço contra profissionais que se debruçam sobre essa pesquisa chamando-os de policiólogos. Quando a pesquisa busca entender o autoritarismo e o que gera essas escolhas, quando ela tenta entender a situação, acaba desmistificando o senso comum”.

Desmistifica, ainda, as bolhas que trazem impressões bastante equivocadas sobre quais os anseios da população: desarmamento, maior apoio às famílias LGBTQIAP+, reconhecimento da existência do racismo, do papel do Judiciário – concomitante à necessidade de sua reforma – e também o reconhecimento de que a realidade nos presídios precisa ser modificada no sentido de sua “humanização’

“Mostra que o barulho que a gente vê nas ruas não se traduz na realidade brasileira, que confirma a adesão a direitos civis. Ao contrário do que aparenta nas redes sociais, apesar dos grupos extremistas, esse contingente que busca autocracia e redução de direitos é muito menor do que parece. É uma ducha fria nas inspirações autoritárias”, comenta. “Se as percepções que temos nas redes é de que está tudo muito grande, a pesquisa mostra que é diferente, e que o que tem crescido é o apoio aos direitos”, conta.

Confira o estudo completo aqui:

pesquisa-violencia-e-democracia-2022-fbsp-raps

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