Recursos públicos, gestão privada: servidores denunciam lógica de ‘mutirão’ na Saúde de Maceió, com precarização e perseguições

Fórum em Defesa do SUS denuncia o que identifica como um caos de irregularidades, precariedades e assédios, que só foram acentuados diante da gestão compartilhada

A entrega da gestão dos serviços de saúde em Maceió para as organizações sociais (OS) já tem sido alvo de críticas de servidores e militantes que atuam no Fórum em Defesa do SUS. O movimento denuncia o que identifica como um caos de irregularidades, precariedades e assédios, que só foram acentuados diante da gestão compartilhada com sistema privado. Integrantes do Fórum revelam piora nas condições de trabalho e acrescentam, ainda, que o impacto também repercutiu na qualidade do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, seguindo uma lógica de “mutirão”, com pouca continuidade e plano de cuidado.

A controvérsia em relação ao advento das OSs na saúde municipal já iniciou com bastante controvérsia, ainda em 2016, diante das reclamações de ausência de participação social durante o processo de implantação. Ainda assim, a Prefeitura prosseguiu com o projeto, aprovado pela Câmara Municipal, até a contratação do Instituto de Gestão Aplicada. Nesse sentido, os servidores declaram que “a situação, que já não era boa, piorou. No lugar de ampliar o serviço, abrir concurso para novos servidores, de modo a ampliar o vínculo com a comunidade, facilitar as marcações e garantir o acompanhamento dos casos, a saúde entra numa lógica empresarial onde números importam mais que a qualidade do atendimento.”

Entrevistado pela Mídia Caeté, o integrante do Fórum e médico da Família e Comunidade, Bruno Fontan, detalha como estes problemas têm se manifestado, a partir de atendimentos que seguem uma dinâmica de “mutirão”.

“Por exemplo, os atendimentos nas unidades de saúde à noite. Ali se amplia o acesso ao atendimento, e consegue produzir tantos atendimentos a mais na atenção básica e isso ser uma propaganda aparentemente positiva. A primeira sensação da população é de acesso a um atendimento, que ela tem dificuldade, porque a Maceió não tem nem 30% de cobertura de estratégia da Saúde da Família e as pessoas têm que dormir em filas para conseguir marcar uma consulta básica. Só que o que acontece, na realidade, são consultas que a pessoa briga por uma ficha para marcação e depois você não tem continuidade. Para você marcar um retorno você tem que chegar e fazer o mesmo processo, e para você acessar uma especialidade ou exame, vai entrar numa fila demorada. Então você produz um número ali, mas para a pessoa que está entrando naquele, você não tem um plano de cuidado”, explica.

A lógica de produção de números termina se opondo, ao ser feita nestas condições, à uma dinâmica que de fato priorize a saúde integral. “É diferente de uma equipe de saúde da família, em que você tem um agente de saúde que vai na rua, na casa da pessoa, marca a consulta, entendeu? Se precisar, a gente contacta aquela pessoa novamente, ela já tem um agente de saúde como referência. É médico, enfermeiro, técnico de enfermagem para aquela comunidade. Ali, sim, você consegue, a partir dessa equipe, acessar outro local de saúde. Em cantos que tem isso, não é mil maravilhas, mas é bem melhor do que o que tem em Maceió, porque onde tem isso é para a minoria das pessoas, não chega nem a 30%. Os restos são atendidos dessa forma, nesses ‘corujões da saúde’. Aí, se produz um monte de número de mais atendimentos, mas desse tipo”.

Ainda segundo o Fórum, servidores que questionam a lógica têm sido continuamente perseguidos pela gestão.

“Sei que os sindicatos têm colocado os serviços jurídicos a serviço das pessoas que estão sendo perseguidas, mas essa gestão se mantém irredutível, porque transferem as pessoas que são concursadas, uma vez que não podem demitir. E aí, pessoas que estão há 20, 30 anos numa mesma unidade terminam sendo transferidas, pois começam a fazer críticas. Como, por exemplo, você mexe na dinâmica da saúde para produzir uma estrutura que consiga produzir esses números e você termina deixando o serviço sem acordo com as pessoas, ou abrindo de qualquer jeito? Aí, tem histórias de reformas que não resolvem nada. Há postos que estão eternamente em reformas. Fazem inaugurações de maquiagem e, depois, os problemas estão estourando de novo, porque são estruturais. Colocam diretores indicados pela OS para defenderem a ferro e fogo esse tipo de política e transferir servidores que questionem. Quando não são concursados, terminam sendo demitidos mesmo”, detalhou.

Os servidores alertam ainda para o descumprimento em relação aos princípios norteadores do SUS. “Para o caso específico de Maceió, nós precisamos urgentemente ampliar a cobertura de estratégia da saúde da família em Maceió”, declarou. “Sem dúvida nenhuma, atenção básica, concurso público, gestão direta, não terceirizada, com controle social, ou seja, com a sociedade podendo participar, fiscalizar, intervir e respeitar o que as conferências de saúde decidem”, acrescentou.

A Mídia Caeté procurou a Prefeitura de Maceió a respeito das denúncias efetuadas, mas até o momento não obteve resposta.

Confira a nota na íntegra:

Secretaria Municipal de Saúde de Maceió privatiza assistência e persegue funcionários

Desde que a gestão de serviços de saúde em Maceió foi entregue nas mãos de OSs (Organizações Sociais) como o IGA (Instituto de Gestão Aplicada) a situação, que já não era boa, piorou. É verdade que vivemos problemas crônicos na saúde de Maceió, que são anteriores a essa gestão. Por exemplo, a cobertura da estratégia de saúde da família é baixíssima, não chega a 30%, sendo uma das piores entre as capitais do País. No lugar de ampliar o serviço, abrir concurso pra novos servidores, de modo a ampliar o vínculo com a comunidade, facilitar as marcações e garantir o acompanhamento dos casos, a saúde entra numa lógica empresarial onde números importam mais que a qualidade do atendimento. Números que fazem uma maquiagem de uma situação ainda muito ruim, insuficiente e insatisfatória.

As OSs recebem financiamento público para gerir os serviços. Ou seja, o financiamento não é privado, mas a gestão sim. Por mais que oficialmente sejam sem fins lucrativos, não é muito difícil pensar quais são os verdadeiros interesses dessas empresas. Ou vocês acham que elas fazem isso por pura caridade? Com novos trabalhadores contratados de maneira precária e sem vínculo trabalhista seguro, com gestores sem a competência de lidar com a saúde de maneira humanizada, não há como ter uma atenção à saúde adequada às necessidades humanas, mas sim adequada aos próprios interesses das OSs e dos políticos a elas ligados.

Recentemente, vários trabalhadores concursados, que não têm vínculo empregatício com as OSs, vêm apresentando uma série de denúncias de descasos na gestão dos serviços, observadas no exercício de suas funções, como reformas que não resolvem os problemas das unidades e desperdiçam recursos públicos. Já que não podem ser demitidos, por terem vínculos estáveis, muitos servidores são perseguidos e impedidos de realizar seu trabalho, sendo transferidos e sofrendo outros assédios morais.

Um verdadeiro absurdo o que a prefeitura de Maceió vem fazendo! Uma cidade de fachada, ‘instagramável’, onde, além do solo, a saúde também afunda. Basta de Perseguição! Por uma Saúde adequada às necessidades humanas.

Nossa Luta é Todo Dia. Saúde Não é Mercadoria!”

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