Resumo
“Eu queria poder gritar o nome de cada agressor aqui. Queria que eles se colocassem como tal, que – cada vez que me senti reduzida a nada por um professor em sala de aula – passasse no telão, que todos soubessem. Queria que vocês, homens presentes, tivessem a decência de assumir suas ações e intenções. Me diga que vocês podem falar abertamente que nunca assediaram moral ou sexualmente uma mulher? Não era só um toque. Espero que um dia eu tenha a coragem de falar para todos os nossos amigos que você é um grande merda”.
Poderia ser uma história contada a partir de qualquer lugar do Brasil, onde pelo menos 7,5 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de violência sexual na vida – segundo dados do IBGE junto ao Ministério da Saúde (2021). Trata-se, no entanto, de um dos 16 relatos compartilhados durante um encontro organizado por estudantes e professores do Instituto de Psicologia, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Buscando adotar uma postura coletiva de cuidado, o grupo descortinou o assédio sexual e moral que acontece dentro e fora da Universidade, tentando começar pelo próprio chão, no curso de Psicologia. Constatando todo um ciclo que se vale da impunidade para manter o silenciamento das vítimas – majoritariamente meninas e mulheres – lançaram a campanha: “Vamos Conversar sobre Assédio na Universidade?” no intuito de buscar algum mecanismo que confronte essas práticas.
“É um tema forte que surgiu sobre assédio sexual e moral”, explicou o professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e doutor em Psicologia Social, Marcos Mesquita. “Foi quando começou a se perceber que existe entre nós essa experiência. Entre professores e estudantes, estudantes e estudantes. Então, em nosso grupo, se tomou um esforço de pensar como encaminhar e gerir esses casos que estão chegando, de modo a não colocar panos quentes, dando visibilidade com muito cuidado”, inicia.
Também docente do Instituto, a professora doutora Marília Silveira relata que a atividade toda partiu de duas situações quase que simultâneas. “A primeira delas foi o desdobramento de uma denúncia feita por uma estudante dentro do próprio Instituto de Psicologia, que relatou ter sofrido assédio sexual e moral por parte de outro estudante do curso”. Simultaneamente a este caso, outras vivências vieram à tona num espaço acadêmico utilizado para debater sobre a falta de bolsas estudantis e as dificuldades enfrentadas pelo quadro discente. Foi então que professores e estudantes que constroem a Comissão de Mobilizações decidiram não deixar o assunto passar batido.
Capacitismo e assédio: a história disparadora
A denúncia que caiu como estopim partiu da estudante que aqui chamaremos de Elisa*, a fim de preservar sua identidade. Ela convive com baixa visão e conta que ainda não era estudante regular da Universidade, em 2019, quando conheceu o agressor durante uma atividade no curso de antropologia. “Me indicaram falar com esse homem, que era estudante do curso de Psicologia, para me auxiliar no que eu precisasse. Ele também convive com deficiência visual e é considerado como uma pessoa desenrolada, prestativa. No início, ele me deu toda uma assistência, mas depois começou a falar algumas coisas bem pesadas. Disse que eu tinha voz gostosa de ouvir e que por isso deveria ser boa de cama”, exemplifica.
Elisa disse que respondeu prontamente à provocação. “Disse a ele que me respeitasse. Quando falei que era homossexual, ainda assim ele continuou. Disse que era bissexual. Depois disse que tinha um grupo com ele e outras estudantes e me convidou para entrar. Eu falei que entraria, mas se tivesse ‘sacanagem’ eu sairia”, conta. Segundo a estudante, o sujeito não tocou mais no assunto naquele momento.
O problema é que, um ano depois, ao ingressar no curso de Psicologia da Ufal, Elisa reencontrou o rapaz na aula inaugural e, ao longo do tempo, ambos foram colocados em grupos em comum, sobretudo por setores voltados à acessibilidade na universidade, além de espaços e atividades relacionadas ao curso ou com pessoas que convivem com deficiência visual. Foi nesse contexto que o estudante disparou mais comentários.
“Um amigo veio me relatar que esse homem é conhecido por histórias de assédio e que tinha ouvido relatos de amigas falando sobre suas práticas em outro curso. O problema é que as meninas nunca tiveram coragem de fazer nada a respeito. O caso mais grave que ouvi foi que ele tinha cometido assédio contra uma menina menor de 18 anos. Quando soube disso, decidimos colocá-lo contra a parede e dizer que tínhamos provas gravadas. Foi aí que ele usou argumentos de que passava por problemas pessoais, financeiros, como se justificasse o que ele fazia”.
Eram diversas as situações provocadas pelo agressor que configuram o assédio. Umas até mais sutis, outras explícitas. “Hoje, se eu te enxergar, consigo te ver. Só que muitas vezes por não enxergar, a gente vai tocando coisas, sem saber o que está tocando. Só que é impressionante como ele sempre toca em regiões no corpo feminino que não tocam no corpo de homem. E falo isso porque hoje convivo e sei que é muito raro que isso aconteça, mas com ele é bem frequente”, conta.
“Outro fator é que ele usa diversas histórias. Diz que está separando, que a esposa está no Acre. Depois de todas as denúncias, e de dizermos a ele que tínhamos gravação de suas ações, ele pediu desculpas pelas pessoas que machucou e alegou que estava passando por um ‘processo difícil’, mas muita gente enfrenta dificuldades e nem por isso sai assediando as pessoas e fazendo esse jogo”, continua.
Apesar de ter tido uma postura reativa, Elisa entende que nem sempre é essa a conduta adotada por vítimas de assédio. “Já sofri assédio no trabalho, me calei muito. Tanto que influenciou na minha perda visual. Por isso, quando aconteceu agora com esse homem, minha reação foi rebater direto com ele. Quando vi que era algo que ele faz de forma contínua, e não especificamente comigo, a minha reação foi de que não posso deixar isso acontecer. É extremamente ousado, abusivo. Eu tenho muita autonomia, mas existem outras pessoas que não são assim. Então minha reação foi de que preciso mostrar quem ele é, não deixar passar”, pontua Elisa.
Ouvir mais relatos de assédio foi o que reforçou o entendimento de que havia uma prática sistemática. “Senti que estava havendo assédio. Só que ele usava de um jeito que a pessoa fica confusa. Comigo foi mais forte e mais cara de pau, não sei se por eu não fazer parte da Ufal até então. Tanto que ele ficou muito surpreso quando me viu ingressa no curso. Ele é um cara que é estudante de psicologia. Se ele se formar, vai ser muito complicado para muita gente”.
Além do Instituto, outros departamentos da Ufal foram procurados por Elisa. “Ele tem muita ‘lábia’. É sempre solícito e prestativo. Fala coisas que você pode levar muito de boa, até o momento em que ele faz algo. Ele inventa mentiras, já chegou a dizer para outras pessoas que estava me dando aulas, quando não era verdade. Depois que soubemos que ele agiu de forma desagradável com outras mulheres, buscamos o Núcleo de Acessibilidade, no Laboratório de Acessibilidade, o Centro de Inclusão Digital, onde ele é bolsista, tivemos algumas reuniões, mas embora as estudantes falem dessa prática, nenhum funcionário confirma”.
Para Elisa, há um forte elemento de capacitismo. “As pessoas não podem achar que toda pessoa com deficiência é inocente. É bem complicado. É um ser humano normal com um corpo diferente, mas esse corpo não fala nada sobre sua índole. Até o fato de ele conviver com a cegueira, era para ficar mais atento com o que as pessoas gravam, mas ele tem muita ‘cara de pau’. De princípio, quando ele faz alguma fala, muitas pessoas acham que é brincadeira, levam na esportiva. É infelizmente o capacitismo. Ele sendo homem, branco, hetero, cis, mas por ser um homem com deficiência acham que não vai fazer por isso. Espero muito que seja resolvido, ou que ele mude, tenha consciência”.
Desconhecimento, negligência, falta de verbas: o labirinto do encaminhamento institucional
Se reconhecer uma prática de assédio é, para muitas mulheres, um caminho longo a ser seguido, saber o que fazer a respeito torna-se ainda mais extenuante. Começa pela conhecida prática de revitimização dentro dos espaços de denúncia no âmbito penal. As buscas de Elisa iniciaram, no entanto, por dentro da Ufal, onde até o momento o assunto também não chegou a ter algum desfecho efetivo.
Elisa conta ter começado a partir de uma busca à coordenação do Instituto, momento em que foi direcionada para a professora que é integrante da Comissão de Mobilizações. Segundo ela, foi designada pela coordenação por “trabalhar com temas vinculados” e, a partir de então, passou a prestar assistência à situação de Elisa. De acordo com a docente, a maior preocupação ao receber Elisa foi trazer um encaminhamento efetivo para o caso. Foi assim que iniciou a via crucis em busca de alguma resposta.
“O estudante convive com deficiência visual e usa como desculpa para cometer assédio. Quando ela apresentou o problema, nossa preocupação foi dar esse contorno diferente. Buscamos a Comissão da Mulher da OAB, e uma advogada se colocou à disposição de orientação. Ela indicou a fazer denúncias na Casa da Mulher Alagoana, mas atentou que, como a materialidade era pouca, seria importante reunir mais denúncias para que se desse um olhar maior ao caso, e assim de repente acionasse o Ministério Público (MP) para informar sobre esse problema concreto na universidade”, explicou a docente.
A advogada em questão, Bruna Sales, informou ter alertado sobre as dificuldades que a jovem enfrentaria na delegacia ao prestar Boletim de Ocorrência (BO). “Encontrei a professora numa conversa online e ela relatou a situação. No caso dessa estudante, há inúmeras questões além de gênero, desde a questão de ambos conviverem com deficiência visual, além da forma como tudo foi conduzido. Inclusive porque o estudante relatado é muito envolvido com as coisas da universidade, muito prestativo e dificulta também, demonstrando toda a delicadeza em relação à questão probatória”, conta.
“Normalmente, a gente procede com denúncias para que o crime seja apurado etc. No caso dela, e de diversas outras violências de gênero, a gente tem essa dificuldade de provar e faz com que pensemos um pouco antes de submetê-la a uma delegacia e ela passe por mais violência, sendo então revitimizada. Você vai fazer a denúncia, mas ela vai adiante? A pessoa está passando por um processo de violência, que tem dores. Acredito que dificilmente no caso dela irá sair do papel para o próximo passo. E como advogada, sendo realista, aconselho que a gente tenha uma ação mais institucional, que seja junto à OAB ou Ufal”.
Junto à OAB, a resposta obtida pela Comissão foi de que a jovem buscasse a Casa da Mulher Alagoana. Sales ter orientado a formalização de um BO junto a outras mulheres vitimizadas pelo estudante. “A gente sabe que aconteceu de fato, mas é preciso que ela e outras mulheres que foram violentadas por ele ou por outro façam relatos, ainda que com pouca prova ou nenhuma prova, e encaminhem para a Ufal ou por e-mail para termos uma prova. A delegacia funciona como ponte final para instaurar inquérito”, conta.
Na Ufal o caminho percorrido também se manteve incerto, apesar de algumas ações terem sido iniciadas. O diretor do IP, professor doutor Jefferson de Souza contou ter sido informado sobre o caso de Elisa, mas retratou que é preciso que o encaminhamento aconteça primeiramente a partir da coordenação, de modo a não pular etapas. Segundo o gestor do Instituto, foram adotadas duas providências.
“Primeiro é importante dizer que assédio moral é algo muito sério e temos que levar com muito cuidado para não acontecer vício de origem, e um processo começar errado e ser anulado em função desses erros de vício de origem”, disse. “Então a porta de entrada foi a coordenação. Uma estudante procurou, a gente acolheu. Houve dois momentos. A coordenação designou uma professora que trabalha próxima à temática, houve acolhimento individual e uma orientação. O segundo ponto foi dizer ‘estamos com você’. Montamos um momento coletivo, não para promover ações ou lógicas policialescas, mas para coletivizar a questão e outras experiências, não necessariamente no instituto, mas na vida”, disse.
O momento de acolhimento referido pelo diretor do Instituto trata-se do espaço realizado pelo Grupo de Mobilização que, a partir de então, compartilhou uma série de outros relatos de estudantes e profissionais sobre experiências com assédio. “Foi momento rico e importante. Não só mulheres, mas homens também foram assediados, dentro e fora da universidade”, contou o diretor.
Após o espaço coletivo, entretanto, a situação não avançou muito. Ao menos não institucionalmente. “Discutimos longamente sobre o caso no Conselho da Unidade. Não saberia falar sobre todos os relatos, salvo alguns que surgiram no momento de acolhimento. Mas não tive a chance de sentar com o Centro Acadêmico”, disse o diretor. “Nesse caso, a estudante precisa de uma denúncia formalizada, porque é preciso abrir um processo. É muito importante porque ninguém é culpado até que se prove o contrário e existem instâncias na universidade para isso”.
O problema agora é saber qual a instância. “Tudo isso é muito novo para todos nós. São questões que estamos aprendendo a lidar tomando cuidado para proteger as pessoas. Levar as denúncias adiante, mas formalizando um processo que dê ao outro a oportunidade de contraditório”, disse. “Aqui pela direção, sou instância recursiva e não posso misturar algo que está na primeira instância, digamos assim. Eu não fui diretamente procurado nem por coordenação nem por estudante”.
A Mídia Caeté tentou entrar em contato com o coordenador do Instituto, Leogildo Alves, mas não obteve êxito. A Universidade Federal de Alagoas, por meio da assessoria, afirmou não ter informações sobre setores designados a relatar caso de assédio, a não ser o próprio instituto onde há a ocorrência, ou através de ouvidoria.
A questão é que existia uma instância específica para esses casos. Instituída através do Conselho Universitário da Ufal, o Consuni, em 2019, a Comissão Geral de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral , Sexual e formas de Discriminação e Preconceito e suas Subcomissões tinham, entre as atribuições, não só a realização de estudos, propostas para organização do trabalho, e promoção de eventos, como também o encaminhamento de casos que porventura acontecessem. A estruturação da Comissão, entretanto, não saiu do papel – ao menos não há informações sobre ela.
Também em 2019, a Faculdade de Serviço Social da Ufal construiu um projeto de extensão, coordenado pela professora e doutora em Estudos Interdisciplinares, Mulheres, Gênero e Feminismo, Andrea Pacheco, e composto por estudantes e professores da Universidade, que instituía o Comitê de Combate à Violência contra a Mulher, o Racismo e a LGBTfobia na Universidade Federal de Alagoas – UFAL.
A descrição do Comitê contextualizava que: “Não é o fato de estar na universidade que transforma o pensamento de forma imediata, nossa formação sócio-histórica de um país colonizado a partir de uma cultura europeia forjada no racismo, no patriarcado e na heteronormatividade. Ao passo que a universidade é o espaço que produz conhecimento ela também reproduz o senso comum. Por isso, é fundamental que este debate tenha um espaço de produção e socialização do conhecimento dentro da Ufal.”
De acordo com a professora Andrea Pacheco, o Comitê também havia se disposto a acompanhar casos como esse. No entanto, ele também foi extinguido pela suspensão de recursos por parte da gestão atual da universidade, que impactou na bolsa dos estudantes envolvidos com o projeto. Você pode visualizá-lo clicando aqui.
“Nesta gestão, [o projeto] foi deixado de lado. Até as bolsas, única forma que tinha de existir, eles tiraram. Tínhamos três bolsistas. Eu coordenava e envolvíamos grupos de pesquisas da Ufal para contribuir. Acompanhamos alguns casos e fizemos muitos momentos de formação e informação das violências”, relata. “O Comitê era um patrimônio cultural, como um projeto permanente, mas foi posto fim, suspenso no início de 2020. Vários projetos foram findados”, explica Pacheco, acrescentando que a formalização dessa suspensão foi dada através de e-mail.
E é assim que, sem uma instância específica, resta às estudantes buscar institucionalmente a “vala comum” da ouvidoria – o que desestimula ainda mais pela dificuldade de uma escuta sensível.
“As ouvidorias internas para demandas de gênero, de ordem sexual principalmente, envolvem muita insegurança para as mulheres. Quando elas tomam essa decisão de oficializar é porque enfrentaram muitos medos antes disso, porque preocupa saber quem vai receber essa denúncia, como vai ser trabalhada para que a pessoa não seja revitimizada, para que não piore a situação”, comenta a advogada Bruna Sales. “Exatamente pela situação de impunidade ser muito grande, as mulheres acabam não oficializando. E dentro da instituição é muito difícil porque se enviar para a mídia, preferem abafar a situação do que ser resolvido”.
Apesar da dificuldade, Elisa não desistiu de tentar acionar outras meninas que relataram enfrentar assédio pelo estudante. “Teria que juntar algumas mulheres para denunciar e só a partir daí ensejaria uma ação contra ele. O problema é que todas que procurei não quiseram participar. E de todas que fiquei sabendo, só uma falou comigo diretamente. Ela convive com a cegueira total, mas não sei se por medo, sobrecarregada, fica adiando. Depois, dentro do próprio IP surgiram mais histórias”.
Para Elisa, é bastante compreensível essa falta de resposta. “Causa revolta porque conheço pessoas que foram estupradas, e mesmo denunciando, nada foi feito. Realmente recebi auxílio, me escutaram, e as professoras estiveram presentes. Só que que precisa ter quantidade de mulheres para que atuem”, problematiza.
Elisa afirma que pretende continuar buscando alguma reparação, que evite também que outras mulheres passem por situação similar. No entanto, identifica as dificuldades no caminho de que mais vítimas se coloquem.
Para a advogada Bruna Sales, levar à tona informações sobre assédio auxilia no enfrentamento. “Escuto muito falar que alguns agressores violentam sem saber que estão violentando. Que não sabem que é violência, só que é ‘agressivo’, mas natural da essência de ser homem. Não concordo com isso, nem acho legal, mas acho que atuar sobre essas situações é um processo de conscientização fundamental para que eles não tenham a desculpa de dizer que não sabiam”, diz.
Um encontro que tinha muito silêncio
Em meio às limitações institucionais impostas, e buscando ampliar o debate para fortalecer mais mulheres, a Comissão de Mobilizações, junto a estudantes do Centro Acadêmico de Psicologia, optou por realizar a atividade que visibilizasse o problema, lançando ainda o formulário de relatos. Foram diversas histórias faladas e escritas, impulsionando mais ainda a necessidade de ampliar o tema, fortalecendo as vítimas e também confrontando a impunidade.
“Não é um caso isolado. Muita gente naturaliza. O meu caso mesmo foi levado para coordenação de curso e recebi como resposta uma terapia de grupo. Já ele recebeu diploma e acabou a história”, conta outra estudante do curso.
Representando o Centro Acadêmico de Psicologia, Yasmin Maciane contou como esse espaço para relatos de assédio foi tomado pelo silêncio em diversos momentos. “Foi tudo muito difícil. A gente começou contextualizando, e daí foram gerando relatos que foram para além da universidade. Foi um encontro que tinha muito silêncio, contrastando com o primeiro encontro, que tinha muitas palavras porque todos falavam da relação social da bolsa e ataque à universidade pública”, explica.
“Este não foi um encontro permeado por silêncio, em que quando alguém falava, a gente tentava suscitar mais o debate. Foi quando soltamos os formulários para irem preenchendo com os relatos. No fim, lemos os relatos e as meninas compartilharam casos que foram inclusive muito além da universidade. Foi muito difícil, teve choro e foi bem dolorido”, conta.
A participação dos homens na atividade também chamou atenção. “No início um ou dois homens falaram, um deles inclusive para relatar caso de assédio que sofreu. Ao final, já estavam silenciosos e pareciam que estavam lá cumprindo tabela. A coordenação chegou no final, reforçou que era importante que o momento não tivesse o fim naquilo mesmo, mas ficou nisso”, conta a estudante. “Já o que a gente sentia é que não podíamos deixar que houvesse o esvaziamento da pauta, mudando o assunto como se o problema não fosse o que acontece no IP mas com o governo. E a gente percebe que, em especial, os professores homens ficavam nessa tendência de levar a um outro patamar, para esvaziar a situação como algo que acontece no curso”.
Demanda coletiva como alternativa
A tendência apontada pela Yasmin é o que termina por desestimular os professores e alunos a adotar uma iniciativa ainda mais efetiva. Os professores da Comissão concordam: “A gente percebe que existe uma tendência de esvaziamento da pauta pelo Instituto, no sentido de uma ação antiassédio que encare de frente. O que vai se sentindo é que ficamos sem perna de fazer algo. Daí a gente vai achando que ação efetiva só mesmo fazendo um barulho maior”.
E o barulho já vem sido feito. Na página das redes sociais do Centro Acadêmico, trechos de relatos vêm sendo publicados. O formulário também permanece ativo – clique aqui para acessá-lo – e se coloca como mais um espaço seguro para recolhimento de relatos, uma vez que garante o anonimato de quem o preenche.
Bruna Sales também acredita que pela coletividade é possível preencher a brecha da “materialidade” na denúncia. “Pelo relato que recebi, ele fez isso muitas vezes com várias pessoas e nunca fizeram nada. Acaba que ele usa a deficiência para cometer abuso. Ela com denúncia sozinha pode não chegar em algum lugar, mas pode ser diferente se for ela e tantas outras alunas, professoras, que passaram por essa situação e minimizaram pelo perfil dele ser prestativo, ou por ele conviver com deficiência”.
Por outro lado, a advogada defende que a universidade também precisa adotar algum posicionamento. “Não conheço o estatuto, mas deve existir algum processo disciplinar interno, que ele seja ouvido e dê direito ao contraditório e a universidade pode tomar uma decisão independentemente de questão judicial, penalizando com alguma suspensão ou cancelamento, enfim”, comenta.
Elisa confirma: “As mulheres se esquivam de buscar órgãos para denunciar. Muitas não querem denunciar. Cada uma com suas razões, e enquanto isso a informação que temos é de que só vale se tivesse muitas depondo. Ele tem esse método de falar coisas tranquilas no grupo em geral, e quando vai falar algo que comprometa ele liga ou vai no privado. Não sei se vai ser feito algo mesmo. Não sei se vou ter que estar o tempo inteiro me afastando pelo incômodo que ele causa em mim”, relata. “É preciso denunciar, só que entendo a sensação das mulheres de que não iria adiantar, em razão da cultura machista que gera o medo de denunciar”.
Enquanto essas condições não aparecem, a campanha vai seguindo na busca por dar um chão para que mais mulheres, meninas e demais vítimas de assédio possam se posicionar.