Maceió é uma cidade notadamente conservadora, fato que se comprova ao analisarmos a antiga e futura composição da sua Câmara de Vereadores. Para os próximos 4 anos, o legislativo municipal terá um número maior de cadeiras: 27 (antes eram 25). Olhando bem para a lista, vemos que dos 27 eleitos, apenas 5 são mulheres. E o que é mais grave: das 5 vereadoras, apenas 1 é negra (Fátima Santiago, do MDB).
Infelizmente, essa é uma característica inerente a todo o Brasil, onde apenas 1 a cada 26 candidatas negras foi eleita no pleito de deste ano, segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Common Data, com base em dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para o posto de vereadora, foram eleitas 41% de negras e 57,8% de brancas. Proporcionalmente, um avanço bastante discreto, em relação a 2020, quando as mulheres negras representavam 39,3% das vereadoras eleitas e as brancas, 59%.
Tais dados foram divulgados com exclusividade pela Alma Preta.
Mesmo com mais mulheres negras eleitas em 2024, os números ainda escancaram a sub-representação do grupo. Para o integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e da Plataforma dos Movimentos Sociais por outro Sistema Político, José Antônio Moroni, a evolução é fruto de muita luta e mobilização, mas esse dado precisa avançar.
“Trata-se de um avanço que mais demonstra as exceções e o quanto o sistema é racista, do que propriamente algo que aponte para um futuro de paridade racial nos espaços de poder. Com as lutas de mulheres, do povo negro e de seus aliados, vamos conquistar isso, mas não vai ser de maneira tranquila porque sabemos como o racismo opera. Basta ver a violência política contra as mulheres negras. O desafio agora é garantir que elas possam exercer plenamente seus mandatos”, aponta, em entrevista à reportagem da Alma Preta.
Moroni complementa dizendo que uma das principais barreiras para que mais mulheres negras sejam eleitas é a limitação do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) em 30%. Ele afirma que a distribuição de recursos deveria ser executada proporcionalmente.
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O LEGISLATIVO MACEIOENSE E SUA FALTA DE REPRESENTATIVIDADE
A Mídia Caeté conversou com a historiadora, conservadora-restauradora de Bens Culturais Móveis e integrante do Instituto Negro de Alagoas (INEG), Mariana Marques. Inicialmente, ela reforça falando sobre o conservadorismo da Maceió e como o legislativo reforça um cenário onde apenas ⅕ das cadeiras é ocupado por mulheres.
“Maceió sendo uma das capitais mais conservadoras do país, eu acredito que a sua política só reflete mesmo a sua sociedade. Podemos ver isso com o aumento muito grande de filiação aos partidos mais conservadores. Quando a gente para pra pensar que de 27 cadeiras da Câmara de Vereadores a gente só teve, só conseguiu ocupar cinco, e quando eu falo a gente conseguiu ocupar, eu tô falando de mulheres, pois – quando a gente para pra pensar – quem são essas mulheres? São mulheres dentro de um contexto mais tradicional, vindo de famílias tradicionais que já ocupam esses espaços. Então, no fim das contas, não temos uma expressividade verdadeira, porque os votos que não foram pra mulheres de ascendentes, como por exemplo as mulheres negras de periferia e as LGBTQIA+”, pontua.
A historiadora continua falando mais sobre tal contexto:
“Então, é extremamente problemático [a composição], porque a própria Câmara de Vereadores, que está refletindo o posicionamento da sociedade, vai continuar refletindo esse posicionamento. Não teremos esse tipo de candidatos eleitos, o que significa que a gente vai continuar tendo um retrocesso social, porque, muito provavelmente, as leis que vão ser abordadas, que vão ser trabalhadas, que vão ser postas e votadas serão leis que não vão dar aberturas para uma sociedade com um caráter social maior. As legislações continuarão sendo legislações de homens, de homens brancos e de homens cada vez mais conservadores”, finaliza.
No momento em que falamos sobre a representatividade racial, Mariana Marques frisa que a atual conjuntura tende a trazer uma defasagem severa em políticas públicas voltadas para a população preta e periférica.
A falta de representatividade dentro de um espaço político, principalmente em um espaço que legitima e legisla a nossa sociedade, significa dizer que teremos uma baixa muito grande em leis e políticas de cotas, por exemplo, para as pessoas que mais precisam. O fato de não termos pessoas representando mulheres negras significa dizer que continuaremos sem políticas e, consequentemente, sem políticas que venham elevar a condição de vida dessas pessoas em sociedade, ou seja, atraso muito grande para elevação e emancipação dessa população. Não teremos alguém lá para lutar, questionar e debater as políticas inclusivas para tais comunidades. Na verdade, a gente só tem a perder”, explica.
FORTIFICAR PARA CONQUISTAR NOVOS ESPAÇOS
Nas eleições de 2024, uma candidatura que ganhou destaque foi de Alycia Oliveira (PT), representante da Bancada Negra. Porém, durante o pleito, a candidata foi alvo de ataques racistas e ameaças de morte. Nesse cenário revoltante, a historiadora Mariana Marques enaltece a relevância de candidaturas como a de Alycia.
“Candidaturas como a da Alycia e de outras candidatas também que não tiveram uma votação tão expressiva quanto a dela é de extrema importância. A gente precisa cada vez mais desse tipo de representação, desse tipo de candidatura, seja ela diante de uma bancada, de uma coletividade, seja ela de uma candidatura individual, mas a gente precisa, porque quanto mais tivermos, mais possibilidades de também entrarmos no espaço político de legislação. Essas candidaturas fortificam a vontade da comunidade, da comunidade negra, da comunidade LGBTQIA+, da comunidade de mulheres. A partir do momento em que a gente tem, por exemplo, uma mulher negra LGBTQIA+ lutando e, por ventura, ganhando uma cadeira na Câmara de Vereadores, a gente sabe que a gente vai ter uma representação da comunidade negra de um modo geral”, afirma.
Mariana prossegue reiterando a necessidade de se fazer presente, com candidaturas que tragam à tona as verdadeiras pautas inerentes às comunidades.
“Quanto mais representações das ditas minorias tivermos dentro dos espaços, há uma maior possibilidade [de eleger um representante], logicamente, pois a gente sabe que o enfrentamento também vai ser muito grande, mas há a possibilidade da gente conseguir adentrar e emplacar, por exemplo, políticas voltadas para essas comunidades. Então, é exatamente o que esperamos, que cada pasta de secretária, por exemplo, tenha uma política voltada para a comunidade negra, para a comunidade LGBTQIA+, enfim, para o povo periférico”.
Ela fala também sobre como isso pode gerar um pensamento de evolução e voltado a oportunidades, mas reforça que o caminho é tortuoso.
“A nossa intenção de colocarmos representantes do povo negro ou dos próprios dissidentes dentro desses espaços para que a gente consiga adentrar cada vez mais nessas localidades e se fixar enquanto indivíduos sociais com as mesmas oportunidades que qualquer outra pessoa tem. Mas esse caminho ainda é muito longo, é realmente uma agenda muito complexa da gente conseguir emplacar, mas a tentativa precisa existir e essas representações são de extrema importância dentro dessas disputas”, finaliza.