Síndrome de Burnout ganha força, preocupa especialistas e traz prejuízos severos para a saúde mental

Condição passa a integrar a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) e caracteriza-se pelo esgotamento físico e mental oriundo do excesso de trabalho

A ansiedade afeta mais de 18 milhões de brasileiros e os transtornos mentais são responsáveis por mais de um terço das pessoas incapacitados nas Américas, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Nesse contexto, agora no mês de janeiro, a OMS passou a reconhecer a síndrome de Burnout como um fenômeno relacionado ao trabalho. A entidade ainda define a condição como “resultante de um estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado”. 

Para o psiquiatra Pedro Victor Santos, atualmente, é bastante difícil encontrar profissionais que não tenham apresentado algum sintoma da síndrome. Ele ressalta os riscos desse alto grau de recorrência na sociedade.

OMS afirma que Burnout é resultante de um estresse associado ao local de trabalho. | FOTO: Banco de Imagens.

“Burnout tem se tornado mais e mais recorrente. É cada vez mais difícil encontrar um profissional de alguma área que não tenha apresentado sintomas de Burnout. De modo geral, estima-se que até 20% da população trabalhadora apresenta quadro de síndrome de Burnout. A depender da área, pode chegar a mais de 60% dos profissionais”, afirma. 

De acordo com uma pesquisa publicada pela International Stress Management Association, o Brasil é um dos locais no mundo com as maiores incidências desse transtorno, cerca de 30% dos brasileiros sofrem com sintomas de Burnout.

A psicóloga e professora de Psicologia Organizacional da Unit Alagoas, Karolline Helcias Pacheco, acredita que a pandemia e a elevada cobrança por parte das empresas foram cruciais para a piora da saúde mental dos trabalhadores.

“O ambiente de trabalho, nos últimos dois anos com a pandemia, tem sido sim um ambiente que requer um olhar mais cuidadoso, pois vem sendo fonte de adoecimento para muitos – diante do contexto pandêmico, das exigências e das cobranças que fazem parte da rotina de trabalho. Isso pode sim ser mais um agravante para o surgimento de adoecimentos a nível psíquico”, pontua a professora.

E complementa: “Lógico que os ambientes institucionais requerem, em sua rotina,  cobranças por metas, produções etc., mas o que vemos hoje é um desgaste emocional dos trabalhadores, fazendo com que repercuta de forma negativa quando se fala em exigências e cobranças. Podemos dizer que enfrentar tais exigências tem sido mais difícil emocionalmente para os trabalhadores”.

A Mídia Caeté conversou também com um funcionário de uma empresa, aqui de Alagoas, que preferiu não se identificar. Para preservar a sua identidade, vamos chamá-lo de Carlos Lopes. Ele reitera que, em locais onde trabalhou, o dia a dia é pautado em quantidade e não em qualidade.

“É importante salientar que, em muitos locais, a exigência não é centrada na qualidade do trabalho entregue, mas na quantidade. Essa busca por resultados de alta performance, muitas vezes sem um mínimo de organização interna, é uma porta de entrada gigantesca para adoecer trabalhadores que, infelizmente e na maioria das vezes, precisam aguentar esse tipo de situação”, diz. 

Psiquiatra Pedro Victor Santos alerta para os riscos da síndrome de Burnout. | FOTO: arquivo pessoal.

SAÚDE MENTAL, PANDEMIA E RELAÇÕES DE TRABALHO

Carlos Lopes continua o raciocínio afirmando que a pandemia pegou todos de surpresa, inclusive as empresas. Para ele, muitas dessas organizações já se diziam voltadas à transformação digital, mas não possuíam o mínimo de estudo teórico ou prático para redirecionar um ambiente que antes era 100% presencial para um 100% remoto. 

“Para muitos funcionários, essa travessia foi caótica. Não ter um mínimo de suporte – psicológico, estrutural e financeiro – piorou ainda mais a situação. Algumas empresas ainda ensaiaram a oferta de ‘benefícios’ para os funcionários, mas oferecer um aplicativo que possui meditação no catálogo não resolve os problemas de ninguém. O movimento aconteceu na contramão: no lugar de suporte e auxílio para as diversas vivências que cada funcionário estava passando, recebeu-se ainda mais trabalho”, relata o funcionário. 

Um novo conceito que veio à tona recentemente é a “Exaustão Pandêmica”. O psiquiatra Pedro Victor Santos atribui esse sentimento ao isolamento e frisa que as empresas precisam ter um olhar atento em relação às consequências dessa época na saúde mental dos colaboradores.

“A Covid-19 aumentou a sensação de solidão devido ao isolamento social. Além disso, aumentou a ansiedade devido à contaminação relacionada ao vírus, sem contar as milhares de pessoas que perderam familiares para a doença. A uma empresa que preze por seus empregados, cabe o cuidado em relação às cobranças excessivas por rendimento, pelo fato de que estamos em um momento de difícil conciliação entre tempo, motivação e produtividade”. 

Seguindo a mesma linha de pensamento, a professora Karolline Helcias Pacheco relaciona tal exaustão à insegurança emocional e econômica ocasionada pelo período.

“A pandemia intensificou esse sentimento de exaustão e insegurança, bem como trouxe a possibilidade de um eventual abalo econômico. Então, o trabalhador lida com várias frentes – responsabilidades do cotidiano, se manter saudável, cuidar da família – e ainda com a responsabilidade de atingir uma renda que lhe seja confortável e que arque com suas despesas. Isso tudo vem afetando de forma direta os trabalhadores, pois – além de dar resultados necessários – a remuneração precisa dar conta dos custos e dos impactos econômicos, que também entram fortemente como mais um gatilho para o adoecimento psíquico”, contextualiza a psicóloga.

AS EMPRESAS E AS SUAS OBRIGAÇÕES

De acordo com Pedro Victor Santos, existem sim formas de as empresas lidarem com os transtornos de saúde mental recorrentes entre os funcionários. O psiquiatra afirma que a promoção de saúde e a prevenção de agravos devem ser prioridades.

Karolline Helcias Pacheco é psicóloga e professora da Unit Alagoas. | FOTO: arquivo pessoal.

“É preciso promover locais menos insalubres para o trabalho, modificar a ideia de ser obrigação do empregado estar sempre disponível (fato ainda maior nos tempos de isolamento social e WhatsApp), diminuir a frequência de reuniões, assim como oferecer orientações sobre sinais e sintomas de transtornos de saúde mental e como proceder para se cuidar e procurar um profissional especializado na área”, elenca.

Pedro mantém o discurso lembrando que muito é prometido e pouco é, de fato, executado nas organizações.

“A impressão que fico, em relação aos cuidados das organizações com suporte emocional de seus funcionários, é de que muito é falado sobre tomar as melhores medidas, mas pouco é visto ou percebido por quem teria seus benefícios. Então, acredito que se as empresas dispuserem de meios para suporte emocional, que deixem claro e que façam ser acessíveis e discretos”.

Carlos Lopes conta que a temática de saúde mental tem sido comum nas conversas com amigos, familiares e colegas de trabalho e cobra que um suporte emocional seja oferecido pelas empresas.

“O suporte emocional deveria estar presente em setores de Recursos Humanos, mas sabemos que muitas empresas nem RH possuem, por aí já sabemos a ausência de preocupação das empresas em olhar com mais cuidado para as vivências de seus funcionários. Não é que falta maior investimento, é que nem investimento existe. A importância de oferecer esse suporte traria funcionários mais realizados, confortáveis, seguros e plenos de que seriam escutados. Sabemos que, quando um dos setores da vida não vai bem, nenhum outro irá. Não adianta exigir alta performance se você não se importa em como está a saúde mental do seu funcionário”, conclui.

Já a psicóloga Karolline Helcias Pacheco diz que ainda é discreta a atenção à saúde mental dos colaboradores. 

“Evoluímos quanto ao olhar para a saúde do trabalhador a nível orgânico e físico, mas, em relação ao âmbito emocional, ainda há um esquecimento por grande parte dos gestores. Não se percebe ainda que o adoecimento psíquico pode muitas vezes trazer prejuízo maiores para a própria empresa. Adoecimentos como a depressão e transtorno de ansiedade são preocupantes e atingem diretamente funções cognitivas importantes na execução de um trabalho”.

 

ASSÉDIO MORAL E CONDUTAS ABUSIVAS

Karolline fala ainda sobre como identificar possíveis práticas abusivas dentro ambiente de trabalho.

“As práticas abusivas podem ser identificadas dentro do que lhe é pedido pelo seu gestor e não entra nas suas descrições de atividades. O que ocorre é que muitos funcionários não sabem ao certo qual é o seu papel na empresa, suas funções detalhadas. Isso o fragiliza. Assim, o que lhe é pedido ele entende que deve fazer. Dessa forma, fica mais vulnerável a um abuso no trabalho e, consequentemente, sobrecarregado”.

“É importante que os colaboradores saibam a descrição de seus cargos, quais tarefas são de sua competência para que ele possa se organizar e cumpri-las, assim como – ao mesmo tempo – não seja vítima de solicitações que não estejam relacionadas à sua função”, finaliza a professora de Psicologia Organizacional da Unit Alagoas.

Condutas abusivas cerceiam as opiniões e intimidam funcionários, segundo especialistas. | FOTO: banco de imagem.

Carlos Lopes relata que já viveu situações de intimidação no trabalho e lembra que há muitos gestores que não conseguem criar cenários de diálogos e trocas saudáveis.

“São criadas situações onde há apenas uma opinião e onde só uma decisão é a palavra final. São processos altamente transversais e cansativos. Acredito que, se a sua voz não é escutada e levada em consideração, então, sua presença não é bem-vinda. Agora, imagine todo esse tipo de relação em um ambiente remoto que, por si só, já possui outras relações que precisam ser levadas em consideração”, evidencia.

O psiquiatra Pedro Victor Santos pontua que toda e qualquer ocasião de assédio moral, quando alguém tenta exercer sobre o outro constrangimento e ataque à dignidade e à autoestima, deve ser comunicada ao médico do trabalho, por configurar acidente de trabalho.

“Bastante prejudicial [uma gestão abusiva], visto que pode agravar quadros de transtornos de saúde mental, como depressão e ansiedade. O que ocorre nessas situações são pessoas que deixam de ser funcionais, deixando de lado seu trabalho e entrando num ciclo de culpa e sensação de incompetência”. 

Por fim, Carlos faz questão de incentivar que as pessoas busquem um acompanhamento terapêutico. Ele afirma que faz e que já enxerga os benefícios do tratamento.

“No passado, já tive medo de expor as minhas opiniões no trabalho, mas hoje não passo mais por isso. Não podemos deixar que esses ambientes, nos quais passamos a maior parte da nossa vida, sejam portas de entrada para abusos e transtornos mentais. É no silêncio e no medo que grandes empresas crescem, mas às custas de muitos trabalhadores doentes”.

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