Resumo
O estudante Viktor Fabrício mora atualmente na cidade de Umeå, situada no condado de Västerbotten, no nordeste da Suécia. A distância para Estocolmo – capital do país onde moram familiares e amigos – é de cerca de 600 km.
Umeå é apresentada no site da universidade local como uma cidade verde e limpa, com paisagens típicas da região nordeste e preocupação constante com o meio-ambiente. Do total aproximado de 130 mil habitantes, cerca de 35 mil são estudantes, conferindo um toque especial de ambiente universitário ao local.
(Esta é a segunda parte de uma série especial sobre o coronavírus na Suécia. Na reportagem inicial, a Mídia Caeté conversou com uma jornalista do país para entender como está o gerenciamento da pandemia, e descobriu que a saúde não vai bem: alto número de profissionais da saúde infectados e asilos expostos à Covid-19. Clique aqui para conferir a primeira parte).
Viktor estuda economia na Universidade de Umeå e teve as aulas presenciais interrompidas em função da pandemia do novo coronavírus. Essa foi a alteração mais significativa em sua rotina – na Suécia, as aulas também foram suspensas para o ensino médio, mas liberadas para as crianças e adolescentes.
As autoridades do país não impuseram um lockdown ou medidas mais rígidas contra o coronavírus (ver mais na reportagem anterior). A população segue circulando nas ruas, mas uma determinação do governo proíbe a aglomeração de mais de 50 pessoas nos espaços públicos.
“A universidade foi fechada, mas não afetou muito a educação porque nós, na Suécia, já estamos acostumados com o ensino digital”, pontua o estudante. “Nota-se que há alguma conscientização entre a população e a maioria das pessoas tenta manter uma distância social. Isso não impede que as pessoas visitem restaurantes porque existem diretrizes e recomendações claras sobre como se comportar”.
Sair de casa torna-se especialmente atrativo neste período do ano. Em abril, a primavera mostra suas credenciais e vai deixando para trás o rigoroso inverno – em Umeå, a temperatura média em janeiro e fevereiro é de -8,5ºC. À medida que o tempo vai esquentando além da janela, a rua passa a ser um ambiente mais convidativo, e os excessos no comportamento passam a ser um risco.
“Há, no entanto, uma preocupação de que os jovens não tenham atitude e respeito em relação a essa pandemia. Existem vários que continuam a viver como de costume saindo para festejar com amigos etc.”, adverte Viktor. “Eu acho que havia mais respeito pelas recomendações no início da pandemia, mas agora as pessoas começaram a se cansar da situação e você vê que muitas estão começando a viver como antes”.
Apesar da aparente normalidade na vida e nas ruas, restaurantes e lojas precisaram se adaptar às medidas que as autoridades e a Covid-19 impõem. Marcações indicam a distância necessária entre os consumidores e mesas são posicionadas estrategicamente para garantir a segurança. Mas nem mesmo as mudanças foram capazes de impedir a queda nas vendas, e muitos negócios se veem obrigados a fechar as portas.
“Vários restaurantes estão fechando porque a demanda diminuiu, tanto porque houve uma queda de movimentação mas também por causa das novas restrições. Várias lojas nos shoppings estão indo à falência devido à redução de visitas e demanda. Por causa disso, não conseguem pagar os aluguéis, salários etc”, explica. “Então mesmo assim estamos sofrendo na economia, mas acredito que estamos sofrendo menos em comparação a outros países que tiveram um lockdown total”.
A realidade sueca mostra a dificuldade de alinhar o discurso de normalidade na economia quando não existe o isolamento social, como pretendem os adeptos no Brasil de medidas menos duras de isolamento e ao mesmo tempo liberação de mais atividades.
Os números do mercado de trabalho recentemente revelados pelo governo do país nórdico mostram uma realidade dura.
O Serviço Público de Emprego Sueco (Arbetsförmedling) informou em um comunicado recente que a taxa de desemprego atinge agora 8% da população. De 1 de março a 20 de abril, mais de 95 mil pessoas estavam desempregadas. Entre 13 e 19 de abril, 13.190 pessoas disseram estar sem emprego, o que representa 8.189 a mais que a mesma semana em 2019, quando a taxa era de 6,7%. A cidade mais afetada é a capital Estocolmo, epicentro do coronavírus no país.
“Os efeitos da desaceleração no mercado de trabalho são claros com um grande número de pessoas despedidas e desempregadas”, disse Annika Sundén, chefe de análise do Serviço de Emprego em um comunicado à imprensa, embora fosse possível vislumbrar uma queda em relação à última semana de março.
“ Esta é uma marcada redução no número de notificações, que pode se dever ao apoio outorgado para o trabalho a curto prazo pela Agência Sueca para o Crescimento”, complementou Annika Sundén.
As previsões para o PIB tampouco são otimistas. Segundo a CNBC, o Riskbank, banco central da Suécia, fez duas previsões para 2020: no primeiro cenário, haveria uma retração de 6,9% em 2020 para um crescimento de 4,9% em 2021; no cenário B, o PIB poderia cair até 9,7%, com um crescimento baixo de 1,7% em 2021. A título de comparação, as vizinhas Finlândia e Dinamarca, que impuseram lockdowns, previram retração de 6% e 6,5%, respectivamente.
Indústria hoteleira acende o sinal de alerta
A rede hoteleira coça a cabeça em sinal de preocupação. Nem mesmo a proximidade do verão é capaz de mitigar os impactos da crise provocada pela pandemia, época do ano em que turistas e os próprios suecos circulam pelo país e aquecem o setor.
De acordo com notícia veiculada pelo tabloide Aftonbladet, mais de 30 mil empregos já foram perdidos no setor hoteleiro, e muitos mais podem estar a caminho. O Instituto Sueco de Investigação (HUI, em sueco), estima 85 mil vagas de emprego em risco de desaparecer e mais de nove mil empresas ameaçadas.
“É uma situação extremamente grave. Agora a pergunta é se será um verão ruim ou catastrófico”, afirmou Jonas Siljhammar, CEO da organização comercial Visita em entrevista ao portal.
O empresariado do camping reclama de mensagens confusas entre as autoridades. As recomendações da Agência Pública de Saúde recomendam viagens de no máximo duas horas de carro pelo país, mas recentemente o Conselho Nacional de Saúde e Bem-Estar disse ser melhor não viajar. O clima de incerteza e as mudanças provocadas pelo novo coronavírus ocasionaram a demissão de um terço dos 120 funcionários permanentes, e o emprego de 700 temporários para o período do verão está incerto.
Setor de aluguel de carros sofre redução brusca
Com menos suecos e turistas trafegando nas estradas, as empresas de aluguel de carros encaram uma redução no número de reservas. Segundo o portal “Dagens Nyheter”, o último relatório da Administração Sueca de Transporte informa que as viagens de carro sofreram forte redução recentemente em comparação com o mesmo período de anos anteriores.
“Se olharmos para a situação da reserva daqui para frente, é um declínio de cerca de 40% em relação a 2019”, diz Anders Trollsås, CEO da organização do setor Biluthyrarna, onde várias empresas como Hertz, Avis, Europcar e Circle K são membros, em entrevista ao site.
Com eventos e negócios empresariais ao longo do país comprometidos, as empresas venderam parte da frota de veículos para diminuir o impacto orçamentário. E empregados foram demitidos.
A busca pelo equilíbrio em meio às mortes
Tanto em Estocolmo quanto em Umeå, Viktor assegura que o país nem parece estar encarando uma pandemia, dada a movimentação nas ruas. De um modo geral, a população se divide entre uma parte que não está preocupada e outra, assustada.
“Na Suécia, há algumas diferenças de opinião sobre o manuseio da Covid-19. Mas em geral eu diria que há um alto nível de confiança mútua entre a população e as autoridades”, analisa.
“Eu, pessoalmente, não sei mais. Varia muito dependendo do número de mortes confirmados por dia. Houve um período em que o número de mortes aumentou drasticamente, mas no momento parece que diminuiu e está se tornando mais estável”.
Entre a população há o receio pelo atraso de até duas semanas na atualização dos números em relação aos óbitos e casos registrados, além da subnotificação das mortes, comum também no Brasil, segundo especialistas da área.
“Isso é devido ao fato de que muitas pessoas provavelmente morreram em casa e, em vários casos, eles não fazem teste se a pessoa falecida não foi internada no hospital”, explica Viktor.
Até o fechamento desta reportagem, a Suécia – país com pouco mais de 10,2 milhões de habitantes – acumulava 34.440 casos do novo coronavírus e 4.125 mortes, tendo registrado recentemente o maior número registrado em um mês desde dezembro de 1993.