Covid: aumento de casos preocupam profissionais de saúde

Com uma iminente nova onda da doença, profissionais denunciam problemas e afirmam que falhas podem comprometer o tratamento correto aos pacientes
Nova onda de Covid-19 pode causar superlotação nos hospitais alagoanos | Foto: Jonathan Lins.

Não é segredo para ninguém que o Brasil é um dos piores países do mundo a lidar com a pandemia de Covid-19. A sistemática conduta anti cientificista e negligente do Governo Federal tem sido devastadora. 

Foi exatamente esse o termo usado pela alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet, para classificar a gestão brasileira sobre o assunto, em entrevista coletiva dada em 09 de dezembro, véspera do Dia Internacional dos Direitos Humanos.  

Além de Bachelet, a epidemiologista e vice-diretora do Sabin Vaccine Institute, Denise Garrett, também fez um alerta ao jornal norte-americano The New York Times: “o Brasil está brincando com vidas” no que diz respeito à organização de um plano de imunização. 

Tais falas só comprovam que não estamos no “finalzinho da pandemia” no Brasil. Muito pelo contrário. Em Alagoas, não teria como ser diferente. 

Gráfico analisa dados em Alagoas. | Foto: Reprodução/ Observatório Alagoano de Políticas Públicas para o Enfrentamento da Covid-19

De acordo com uma avaliação realizada pelo Observatório Alagoano de Políticas Públicas para o Enfrentamento da Covid-19 – vinculado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal) – a tendência é que ocorra uma segunda onda intensa nas próximas semanas.

Ainda segundo a pesquisa, que foi divulgada na última segunda-feira (14), o aumento dos casos se deu devido ao descontrole da transmissão, o que reitera a importância de condutas preventivas, como evitar aglomerações, usar máscara e reforçar a higiene.   

A Mídia Caeté colheu relatos de uma médica plantonista, que trabalha nas redes pública e privada de saúde de AL, e de uma técnica em enfermagem, que atua na linha de frente gratuita. A pedido, seus nomes serão mantidos em sigilo. Utilizaremos os pseudônimos Sílvia Costa – para a médica – e Eduarda Silva – para a técnica em enfermagem.

Além das profissionais, foi ouvido o médico Henrique Marques, que também atua diretamente no enfrentamento da pandemia e é diretor médico de uma empresa que presta serviços para o Hospital da Mulher, em Maceió.

Para Sílvia Costa, a situação da saúde no Estado é bastante preocupante. Ela diz que os hospitais não terão capacidade de abarcar todos os potenciais infectados por Covid-19, no caso de uma nova onda.

Aglomerações de fim de ano podem elevar número de infecções. | Foto: Jonathan Lins.

“O que mais preocupa é se um grande número de pessoas adoecer simultaneamente nessa segunda onda, que se difere da primeira, pois – na anterior – conseguimos separar os leitos, as enfermarias e as equipes; além do que existia um isolamento social obrigatório. Agora, estamos com pacientes internados com outros problemas e com a iminência de um surto devido às aglomerações deste final de ano”, alerta.

Tal raciocínio segue a mesma linha do que acredita a pneumologista e pesquisadora da FioCruz, Margareth Dalmolmo. No evento ‘E agora, Brasil?’ – organizado pelos jornais O Globo e Valor Econômico – Dalmolmo afirmou “o que vai trazer a segunda onda para o Brasil são as festas de fim de ano”. E concluiu: “teremos o janeiro mais triste da nossa história, porque falhamos em trazer uma consciência cívica da gravidade do que estamos vivendo”. 

Henrique Marques também segue esse viés. Para ele, era muito previsível que a segunda onda iria chegar e que a pandemia se agravaria depois da eleição e com a reabertura comercial. Ele menciona ainda a polarização política e o negacionismo como agravantes.  

“Já sabíamos que essa nova onda chegaria, era só uma questão de tempo. A pressão pela reabertura do comércio e as campanhas eleitorais contribuíram muito, já que o brasileiro tem por costume não ter educação. Não podemos esquecer também da influência negativa que a polarização política traz. Estão lutando contra a ciência.”, lembra.

Segundo Sílvia, existe um risco de superlotação dos leitos das redes pública e privada, o que geraria um colapso da saúde alagoana. “É matemático. Se você tem uma quantidade de doentes acima da média que o sistema suporta, é inevitável que pessoas fiquem sem assistência”, frisa a médica. 

Hospital Geral do Estado (HGE) | Foto: Jonathan Lins.

Sílvia Costa lembra ainda que, em um intervalo muito curto de tempo, foram esgotados os leitos dos hospitais privados, em Maceió. Diversas emergências particulares foram fechadas justamente por não haver vagas em apartamentos, em enfermarias e em UTIs. 

“Há casos onde os pacientes têm que esperar por três dias por uma vaga. Não é diferente no setor público, hospitais da capital e do interior estão sobrecarregados e serão obrigados a recusar doentes – culpa de um sistema que simplesmente não comporta a demanda”.

Além da superlotação, a falta de estrutura dos hospitais públicos causa apreensão em muitos profissionais. É o caso da técnica em enfermagem, Eduarda Silva. Para ela, as unidades não apresentam condições de suportar uma onda mais forte de Covid-19.

“Os hospitais não estão preparados. Eles possuem UTIs muito pequenas, alguns deles apresentam somente 10 leitos, sendo que só 2 são direcionados para Covid-19. São restrições que comprometem. Nenhum deles sustenta. No começo do ano, hospitais de campanha foram abertos, porém já fecharam. É muito necessário que sejam reabertos!”, afirma.

Já Henrique Marques crê que o problema não diz respeito à estrutura dos hospitais, que – para ele – são bem equipados e oferecem boas condições, mas sim à gestão pública insatisfatória das unidades. Henrique reforça que importantes pólos de combate à Covid-19 foram fechados e que é preciso um olhar mais especial para o setor. 

A falta de assistência adequada pode significar a perda de muitas vidas. | Foto: Jonathan Lins.

“Eu acredito que os hospitais em Alagoas conseguem suportar uma nova onda, possuímos bons hospitais no interior e, sobretudo, em Maceió – os hospitais regionais são exemplos disso. A questão gira em torno da gestão das unidades e do interesse dos governantes. O foco sempre foi a eleição. Resta agora saber se, com a derrota dos candidatos do apoiados pelo governo, haverá boa vontade de enfrentar tudo com o mesmo afinco da primeira onda”, afirma o médico.  

A falta de apoio das esferas estadual e federal e o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) também são citados por Eduarda como agravantes para a precariedade da saúde em Alagoas.

“Em que podemos acreditar quando temos um presidente que está querendo acabar com tudo, até mesmo com o SUS? Falta medicação apropriada, foram indicados medicamentos ineficazes, o protocolo não foi seguido adequadamente. Até hoje, no Hospital Escola Hélvio Auto, não temos remédios essenciais no tratamento. Somos boicotados pela Federação, pelo Estado e pelo Município. Pessoas precisam de atendimento apropriado e não possuem. É muito triste”.     

A médica Sílvia Costa também aponta o descaso das autoridades e atribui a precariedade dos serviços e da infraestrutura, em grande parte, à negligência dos órgãos competentes. 

“As autoridades estão achando que não tem nada. Estamos com um aumento enorme dos casos. Estamos desamparados. Não temos mais medidas de isolamento, o comércio está aberto, os bares estão abertos. Existe muita publicidade em torno do protocolo e das medidas preventivas, mas não é o que vemos de fato. Além disso, unidades como o Hospital Geral do Estado (HGE) e o Hélvio Auto estão muito aquém do necessário para combater a pandemia adequadamente”, denuncia.      

Problemas podem afetar o enfrentamento da Covid-19 em AL | Foto: Jonathan Lins

Eduarda Silva finaliza lembrando que os profissionais atuantes na saúde são desvalorizados e não têm o suporte necessário, bem como não são devidamente reconhecidos profissionalmente e tampouco possuem uma remuneração justa. 

“Nós não temos direito nem nos tratarmos no próprio hospital onde trabalhamos, estamos a esmo nesse aspecto, poderíamos estar sob risco de morte que não teríamos nenhuma assistência. É muito importante expor toda a situação e falar sobre a estrutura dos hospitais, sobre o espaço oferecido e também sobre a falta de assistência aos funcionários da linha de frente. Todos já estão muito nervosos e assustados temendo uma segunda onda”.  

O médico Henrique Marques reforça essa insatisfação. “De uma hora para outra, houve uma redução leviana da quantidade de plantonistas e dos seus respectivos salários. Os profissionais, que eram tidos como super-heróis, passaram a ser encarados como descartáveis.”.

Posicionamento da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau)

A Mídia Caeté também procurou a Sesau que, em nota, se posicionou sobre o assunto. Segue abaixo na íntegra.

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) ressalta que o Governo de Alagoas se mantém na linha de frente no combate à Covid-19. O Estado dispõe, atualmente, de 601 leitos exclusivos Covid-19, localizados tanto em Maceió quanto no interior do Estado. São 174 leitos de UTI, 33 leitos intermediários e 394 leitos clínicos. Deste total, 207 leitos contam com respiradores. 

Vale destacar que durante o período mais agudo da pandemia da Covid-19, o Governo do Estado entregou hospitais novos, a exemplo do Hospital Metropolitano, em Maceió, e Hospital Regional do Norte, em Porto Calvo, com leitos exclusivos para Covid-19. Transformamos, antes mesmo da fase aguda da pandemia, o perfil assistencial do Hospital da Mulher, em exclusivo para atender pacientes com a doença.

Atualmente, a ocupação dos leitos exclusivos Covid-19 geridos pela Secretaria de Estado da Saúde está em 34%. Alagoas tem condições de continuar fazendo o enfrentamento à pandemia da Covid-19 com todos os seus hospitais novos que foram entregues à população. Se houver necessidade, com certeza, o Hospital de Campanha será novamente estruturado e os leitos nos hospitais privados e filantrópicos serão contratualizados. 

A Sesau também continua mantendo, com regularidade, o envio de medicamentos e insumos para as unidades. Neste enfrentamento à pandemia da Covid-19, em mais de oito meses, mais de 1.5 milhões de medicamentos foram distribuídos para as unidades, além de mais de 17 milhões de insumos estratégicos.

Também é válido informar que a Secretaria de Estado da Saúde tem monitorado, diariamente, toda a situação epidemiológica da Covid-19 e destaca que não existe, neste momento, uma segunda onda da doença e sim uma continuidade da primeira onda. Todas as decisões tomadas pela Sesau são inteiramente direcionadas pela ciência.

Até a publicação desta reportagem, Alagoas já perdeu 2.399 vidas por Covid-19 e possui 100.619 casos confirmados, de acordo com o Boletim Epidemiológico da Sesau.

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