Suspensão de termo de comparecimento em UPAS de Maceió é repudiada por defensores da saúde pública e trabalhista

Secretário municipal de Saúde, Claydson Moura, alegou que suspensão se dava porque pessoas 'lotam UPAS para matar trabalho'

Defensores da saúde pública e da área trabalhista classificam como “perversa” e “sem dados de realidade”  a decisão do secretário municipal da saúde de Maceió, Claydson Moura, em suspender o fornecimento dos termos de comparecimento aos usuários do SUS que comparecerem às Unidades de Pronto Atendimento (UPA) administradas pela Prefeitura de Maceió. A decisão, adotada a partir deste sábado (14) se estende às unidades do Benedito Bentes, do Trapiche e da Santa Lúcia. O gestor de saúde pública alegou que o fornecimento “acabou” porque pessoas que não precisam estariam “lotando as UPAS” para “matar trabalho”.

Secretário municipal de saúde diz que pessoas lotam UPA para “matar trabalho”.

No vídeo em que anuncia a suspensão, divulgado nas redes sociais, Claydson Moura justifica: “Muita gente que não precisa, que não está doente, lota nossas UPAS, atrasando e dificultando o atendimento para quem realmente precisa para justificar uma ausência no emprego, para ‘matar’ o trabalho, para faltar o trabalho como se diz. A partir de hoje, não tem mais isso. Nós não vamos seguir compactuando com essa prática nociva, danosa, para a população e para os nossos equipamentos. UPA é lugar de quem realmente precisa de tratamento. Quem precisa de cuidado médico. Então você que está acostumado a ir para as UPAS somente para pegar uma declaração de comparecimento, e faltar o seu serviço de forma justificada, acabou. Não vai mais receber estes documentos nas nossas UPAS”.

Nas redes sociais da Secretaria de Saúde de Maceió, a reação foi imediata com  comentários da população criticando a decisão:

 

Para a coordenadora do Fórum Alagoano em Defesa do SUS, a assistente social e professora da UFAL Valéria Correia, a decisão e o pronunciamento do secretário demonstram uma lógica perversa e profundo desconhecimento dos processos de adoecimento  que a população maceioense tem enfrentado.

“Existe um processo de adoecimento da população de forma geral, cuja situação de vulnerabilidade social agrava. A saúde é resultado das condições de vida, num conceito amplo. Temos situações de desemprego, pandemia do COVID, falta de acesso a serviços de saúde, más condições de moradia, sem falar  nas ondas de H1N1, e influenza, agora. As pessoas têm adoecido. Temos índices bastante altos. Então as pessoas não procuram uma unidade de saúde, onde passam o dia para serem atendidas, para justificar uma ausência de trabalho. É uma acusação que não existe”, relata. ” Ninguém vai perder um dia para justificar a ausência no trabalho. Essa é uma lógica perversa. E mais perverso ainda é esse autoritarismo de negar um direito do usuário do SUS.”, descreve.

Assistente social e Professora Valéria Correia em atividade junto ao Forum Alagoano em Defesa do SUS. Foto: divulgação.

De acordo com Valéria Correia, a ausência de dados de realidade é evidente. “É uma acusação que não existe dados de realidade que comprovem. Na verdade, o que os dados indicam é o aumento do adoecimento da população, pelas condições de vida, pelas epidemias, viroses, agravados pela crise climática. A preocupação de um gestor deve ser organizar a rede pública para atender às necessidades em saúde das usuárias e dos usuários do SUS. O Fórum Alagoano repudia essa decisão monocrática do secretário, que contraria o direito do usuário do SUS”.

Na mesma linha de pensamento, o advogado trabalhista Marcos Rolemberg critica a generalização incutida na lógica do secretário. “Proibir a emissão desse documento com base numa alegação genérica de que pessoas estão usando dele para faltar no trabalho é perigoso. Esse pensamento é preconceituoso e generalista porque estigmatiza todas as pessoas que já precisaram ou precisam desse documento como preguiçosas e malandras. Não podemos presumir que quem procura a Unidade de saúde e pede esse documento faz porque não está a fim de trabalhar. Não podemos presumir que as pessoas preferem perder um dia todo na fila de atendimento do SUS ao lado de pessoas doentes apenas porque não querem trabalhar”, relata. “E mesmo se existir esse tipo de pessoa – que gosta de passar o tempo na UPA ao invés de trabalhar – não podemos presumir que essas pessoas são a maioria”.

Advogado trabalhista Marcos Rolemberg critica generalização e decisão da Secretaria da Saúde de Maceió.

Além do mais, segundo Rolemberg, há uma série de condições com as quais a necessidade de certidão de comparecimento não pode ser dispensada. “Primeiro é uma questão de prova. Se você esteve numa unidade de saúde, seja por que motivo for, o órgão precisa ter o registro de controle das pessoas que estiveram no local. Para além de questões trabalhistas, esse controle de quem esteve na unidade pode auxiliar a polícia em investigações criminais. Ter a prova de que você esteve na unidade é uma garantia constitucional de produção de prova”, explica.

Além do mais, também é fundamental para o enfrentamento à violência contra as mulheres. “Quantas mulheres sofrem agressões e preferem mentir dizendo que houve um acidente doméstico por medo de exposição e risco à segurança? Essas declarações de comparecimento com as datas, devem ser consideradas quase que como o prontuário médico. E ter acesso ao prontuário médico, aliás também é um direito do paciente”, menciona.

Há ainda situações de pessoas que acompanham parentes doentes nas unidades de saúde. “Pais que levam filhos para o médico e até pessoas que são responsáveis pela tutela de parentes enfermos necessitam desse documento, pois nem sempre os médicos querem fornecer atestado médico”.

É neste sentido que o advogado rememora que há médicos que optam por não fornecer atestado médico porque também temem a responsabilização pela emissão do documento, ainda que haja pessoas que realmente precisem dessa comprovação porque cuidam de parentes dependentes. “É um pensamento preconceituoso e generalista este de que as pessoas conseguem atestado como se estivessem indo comprar banana na feira. Não é assim”, relata, acrescentando a dificuldade de alcançar documentos, como, por exemplo, atestado médico.

“Infelizmente, a gente está com uma presunção contrária. Não é simples conseguir um atestado. A medicina é uma profissão séria e os médicos, para entregarem esse atestado, estão cada vez mais rigorosos justamente para evitar serem responsabilizados juridicamente por entregar um atestado que depois, muitas vezes, essas pessoas acabam tentando usar para conseguir benefícios no INSS, por exemplo. E aí acaba dando problema, quando se descobre que a pessoa realmente não precisava. Então, por isso que os médicos estão cada vez mais rigorosos”, explica.

Além disso, o advogado acrescentou que não há sentido em pressupor que quem procura a UPA sempre estaria em busca de um alibe para faltar ao trabalho .”E isso daí, a gente considerar que a maioria da população está tentando agir com malandragem, é perigoso, porque é preciso ter em mente que nem todo mundo gosta de estar ali passeando, que passa até essa ideia de que a pessoa está indo lá passear na UPA para pegar esse documento. E não, a UPA é um ambiente desconfortável. Estar na fila do SUS ali para você ser atendido é uma fila desconfortável. Então, presumir que as pessoas estão fazendo isso de forma divertida é algo perigosíssimo. É um pensamento de profundo desconhecimento da realidade brasileira”, conclui.

 

 

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