Três perguntas e respostas que ajudam a entender a “PEC de privatização” das praias

Explicações do servidor da Divisão de Praias da CGMAR (SPU), João Azevedo, explicam o motivo da Proposta ser refutada pelo Executivo e entidades ambientais.
PEC discutida no parlamento pretende “privazitar” praias. | FOTO: Jonathan Lins.

Mais uma vez, o parlamento brasileiro se debruça sobre um projeto legislativo que tenta privatizar as praias. Nesta segunda-feira,  27, o Senado Federal promoveu audiência pública para debater a proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê a transferência de propriedade de terrenos da Marinha – ou seja, do litoral brasileiro –  para estados, municípios e proprietários privados.

De autoria do ex-deputado federal Arnaldo Jody (Cidadania-PA), a PEC chega ao Senado sob relatoria de Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Por todos os lados, o Projeto vem sendo considerado um retrocesso, abrindo espaço para a boiada da especulação imobiliária em territórios que deveriam ser protegidos constitucionalmente, o que pode agravar ainda mais o racismo ambiental contra os povos das águas (comunidades pesqueiras, ribeirinhas, etc), e aprofundar catástrofes ambientais em um contexto em que as mudanças climáticas ocupam o cerne do debate sobre a segurança da humanidade. Até a noite desta segunda, 27, a consulta pública no site do Senado – que você pode visualizar e votar clicando aqui – apontava uma rejeição impactante à proposição com 55.645 votos contrários à PEC e apenas 917 favoráveis.

O servidor da Divisão de Praias da Gestão de Territórios Costeiros e Marginais – CGMAR, da Secretaria do Patrimônio da União, João Azevedo, elucidou algumas informações que explicam a PEC – e o porquê de dizer não a essa proposta. Segue na íntegra:

Por que ser contra a PEC n.° 03/2022 (Privatização dos Terrenos de Marinha):

Primeiro: O que são os Terrenos de Marinha?

No Decreto-Lei 9.760, 1946, os Terrenos de Marinha se estendem por uma faixa de 33 metros medidos a partir da Linha Preamar Médio (LPM) de 1831, nas áreas com influência das marés. Além disso, os terrenos de marinha se constituem ainda em importante transição entre a praia (bem público de uso comum do povo) e terras alodiais (privadas, ainda que possuídas, ou eventualmente devolutas), em face das suas possibilidades de enquadramento na condição de uso comum do povo ou dominial.

Segundo. Por que a União (SPU) tem de continuar com a propriedade dos Terrenos de Marinha?

Como os Terrenos de Marinha se localizam no pós-praia, para o lado continente, frequentemente sobrepostos com áreas de grande importância ambiental e densamente povoadas hoje (2024) que após a grande crise climática no Rio Grande do Sul, a União por meio da SPU de forma transversal com Ministério do Meio do Ambiente e do Clima e Ministérios das Cidades poderá com a propriedade dos Terrenos de Marinha contribuir na gestão patrimonial e ambiental para evitar estes riscos climáticos e sociais que ocorrem na costa marítima brasileira:

1.° Risco de alteração da dinâmica/perda na biodiversidade costeira e marinha (ecossistemas, espécies e diversidade genética);

2.° Risco de perda dos serviços ecossistêmicos, turísticos e bem-estar humano;

3.° Risco da alteração do modo de vida e usos do espaço e recursos naturais da sobrevivência das comunidades tradicionais, a exemplo, dos pescadores, marisqueiros e quilombolas e demais grupos minoritários que vivem das atividades oriundas do mar para subsistência e criação cultural; e

4.º Risco de danos às infraestruturas presentes nas zonas costeiras (portos, aeroportos, usina nuclear, ferrovias, hidrovias e rodovias).

Terceiro. Quem é o melhor gestor dos Terrenos de Marinha entre Estado e Mercado?

A tese equivocada da interpretação da economia neoclássica (neoliberalismo) do pós a Segunda Guerra Mundial (1945) que só o mercado (indivíduos e agentes privados) resolve todas as falhas do Estado (gastão e corrupto) e assim promove uma gestão eficiente para distribuição da riqueza; que é repetida e vendida como a solução no caso da transferência para o particular a gestão dos Terrenos de Marinha não é decisão certa e estratégica.

Estado brasileiro (CF/1988) deve ser o verdadeiro responsável pela gestão dos Terrenos de marinha para defesa do acesso gratuito e livre às praias (bem de uso comum do povo), para proteção ambiental e para garantia da sobrevivência econômica, social e cultural das comunidades tradicionais.
Se não fosse a insistência do Estado brasileiro na Nova República Federativa de 1988 em se tornar um líder, articulador e coordenador do território, da população e da economia no país, estaríamos subordinados à ganância e às falhas do mercado.

Se dependesse só do mercado ele faria, o que já se faz na clandestinidade, comercialização de órgãos humanos e tráfico de crianças, bem como, a desigualdade de oportunidade, renda, gênero e raça dentro da legalidade institucional brasileira. É assim muito importante, que Estado Brasileiro continue como grande responsável pela gestão dos Terrenos de Marinha como uma grande defesa estratégica para proteção territorial e ambiental de mais de 60 % (segundo IBGE, 2019) da população brasileira que vivem defrontes do mar, na costa de mais 10.000 quilômetros ao longo do Oceano Atlântico.

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