Reuniões e trocas de notas oficiais e de repúdio têm se multiplicado desde que a Universidade Federal de Alagoas decidiu suspender aulas presenciais em cinco cursos de graduação que compõem o Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes (ICHCA), justificando episódios de insegurança vivenciados por funcionários da instituição. Representações da comunidade acadêmica reclamam terem sido surpreendidos com um informe feito de forma falha e insuficiente. Além da falta transparência, denunciam a repercussão na imprensa de que professores e estudantes podem estar cometendo tráfico de drogas nas dependências do campus.
A surpresa e a consternação relatada por estudantes do curso de História começou a ser relatada em uma nota publicada no perfil do Diretório Acadêmico, em que contam terem sido informados na segunda-feira, 20, algumas horas antes da recepção aos calouros, de que a secretaria não funcionaria presencialmente.
“Faltando duas horas para a programação de calourada do DAHIS, e praticamente durante a programação do CAFIL, a Filosofia e a História se reuniram, com representantes desses Ca’s para discutir as consequências no funcionamento do bloco. Descobrimos que a suspensão do funcionamento presencial possivelmente tinha relação com um grave problema de segurança, informação que não nos foi repassada de forma clara pela administração do bloco”, relatam na nota.
Os estudantes prosseguem questionando: “se haviam ‘ocorrências’ que prejudicaram fortemente o funcionamento presencial da secretaria, como informado por e-mail, possivelmente envolvendo a segurança do bloco, o que garante a nós que essas ocorrências não aconteceriam na semana de calourada dos CA’s e DA?”
Diante da situação de insegurança, e sem maiores informações, Centro e Diretório Acadêmicos decidiram transferir a “calourada” para o prédio da Reitoria da Universidade. A transferência também foi motivada pela necessidade de passar uma mensagem: “Garantir que as maiores instâncias administrativas da universidade sejam devidamente cobradas sobre a sua irresponsabilidade e desleixo com os estudantes do curso de história, e também com os demais cursos de artes e humanidades. Reforçamos que, dentre todos os cursos e blocos da universidade, isso ocorre no Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da UFAL, um espaço que é constantemente prejudicado, mal visto e IGNORADO pela reitoria da Universidade. Não basta a omissão pela reitoria e direção do ICHCA sobre os ataques policiais recentes, ainda somos privados de informações coerentes, sólidas e que garantam a nossa segurança. ”
Nesta sexta-feira, 31, a Universidade Federal de Alagoas emitiu uma nota em que enumerava medidas administrativas adotadas para reforçar a segurança. “Ampliação de segurança privada no referido instituto, determinação de abertura e fechamento das salas por parte da segurança privada em atuação na universidade, flexibilização dos horários de expediente dos servidores do instituto, além de providenciar a inclusão do tema como ponto de pauta prioritário na primeira sessão do ano do Conselho Superior Universitário (Consuni), a ser realizada na terça-feira, 4 de fevereiro, onde serão discutidas, com todos os conselheiros e conselheiras docentes, servidores técnicos, servidoras técnicas e discentes, novas deliberações a serem realizadas”, relata.
A nota acrescenta que já há espaço programado para discutir sobre o assunto : “Ressalta-se que, por se tratar de uma questão sensível que permeia o campo da segurança pública, fez-se necessária a escuta do Conselho Acadêmico do Instituto, respeitando todo espírito democrático que embasa a Universidade. Na terça-feira (4) a sessão do Conselho Universitário irá expandir a escuta dessa situação para toda a comunidade acadêmica.”
Cinco cursos – de um total de 11 no ICHCA, sendo nove de graduação e mais dois de pós-graduação – suspenderam as aulas presenciais. Os demais seguem funcionando em seus respectivos prédios.
Criminalização, reforço de estereótipos e discussão de competência sobre segurança
O repúdio dos centros acadêmicos e professores não se limitou à forma com que a universidade decidiu suspender as aulas, mas também a repercussão trazida em sites da imprensa que afirmaram haver estudantes e professores envolvidos com tráfico de drogas. O texto, que você pode ler na íntegra clicando aqui, relata que o “tráfico de drogas, aos poucos, vai avançando na universidade. E existem professores e alunos que, além de consumidores, também comercializam entorpecentes.”
A alegação, publicada no site Repórter Nordeste, foi rebatida por representantes da comunidade acadêmica. Em uma nota intitulada “A QUEM INTERESSA CRIMINALIZAR O ICHCA? – DAHIS EM DEFESA DOS ESTUDANTES DE HISTÓRIA 🔥✊🏽”, os estudantes destacam:
“Não nos calaremos diante das mentiras contadas sobre nós. Nós, enquanto estudantes de História, continuaremos resistindo e ocupando um espaço que nos pertence. Repudiamos toda e qualquer tentativa de criminalização de nossa área e de nosso território, e exigimos uma retratação com o corpo discente, mais uma vez estigmatizado enquanto delinquentes e até criminosos. Não toleraremos que nossos corpos e nossa existência na universidade seja CRIMINALIZADA, muito menos que nossos blocos se transformem em prisões a céu aberto. Não viveremos com medo, mas vivemos com revolta o suficiente para lutar. Diretório Acadêmico de História Dirceu Lindoso, gestão Paula Palamartchuk, Presente!”
Já um perfil que se identifica como cursos de graduação e pós-graduação de História remete expressamente o repúdio à reportagem do site Repórter Nordeste, retratando tratar-se de informações inverídicas e caluniosas. O grupo relata que nem todos os cursos optaram por suspender as aulas presenciais. “A decisão do curso de RP em suspender as aulas presenciais não é unânime no instituto. Vale informar que o próprio curso de jornalismo, que se encontra no mesmo prédio que RP, manteve a decisão de continuar com suas atividades presenciais. Os cursos de História, em deliberação coletiva de docentes e discentes, por sua vez, mantém suas atividades acadêmicas presenciais”.
Entre diversos outros esclarecimentos, também mencionam sobre a possibilidade de entrada de policiais militares no local, rememorando o motivo de serem contrários a esta alternativa. “De fato, a violência advinda das forças de segurança do Estado não atinge os indivíduos da mesma forma: a imensa maioria dos nossos estudantes são filhos da classe trabalhadora. Dentre estes, jovens negras e negros, estudantes LGBTQIAPN+, e periféricos são muito mais atingidos nessa violência que outras categorias e grupos sociais”, descrevem, ressaltando a importância de que as políticas de segurança pública sejam construídas a partir de diálogo com a comunidade acadêmica e melhoria na estrutura dos prédios”.
Finalmente, a nota exige uma retratação do repórter, o que ensejou mais uma nota. Intitulando “O que nota apócrifa do curso de História quer de mim? O apoio aos traficantes?”, Odilon Rios rebate, mas desta vez não atribui a comercialização de drogas a professores e alunos:
“Em nota apócrifa, a direção do curso de História da UFAL exige que este jornalista peça desculpas públicas após matéria revelando a suspensão das aulas presenciais de alguns cursos no Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes (ICHCA). Acusa-me de espalhar “informações inverídicas e caluniosas”, inicia
“Exige ainda da universidade uma posição contra este jornalista e o site, por revelar que a suspensão das aulas presenciais é causada pela insegurança mais a ação do tráfico de drogas. Informação confirmada pela universidade, a direção do instituto, alunos, professores etc. Além de outros colegas da imprensa. Sorte que não vivemos tempos autoritários porque “adotar posição” contra jornalista pelo que ele escreve significaria uma injunção de crimes como tortura e desaparecimento. Também sorte que o defensor de crimes deste tipo foi defenestrado da presidência da República. Mas, voltando à nota, sem assinatura e sem rosto: a quem devo pedir desculpas? Aos traficantes que ameaçam o ICHCA? Ou quem sabe a outros criminosos rondando a universidade?” Para ler a nota na íntegra clique aqui.
Após a publicação da reportagem, o jornalista Odilon Rios emitiu outra nota, informando que mantém na íntegra o que publicou em seu primeiro texto. Segue a nota:
Olá Wanessa, como vai?
Ao citar meu nome em seu texto, alegando “desta vez não atribui a comercialização de drogas a professores e alunos”, quero dizer:
1) a apuração do primeiro texto está mantida na íntegra, portanto sem mudanças;
2) O segundo texto – resposta à nota apócrifa do curso de História- é um complemento do primeiro. Ambos os textos dialogam entre si. Portanto, o segundo não exclui informações sobre o primeiro.
Forte abraço, desde já
A ADUFAL, em nota de repúdio, destacou a gravidade das acusações contra alunos e professores da universidade. “Graves acusações têm sido feitas envolvendo docentes e estudantes, ligando-os ao suposto motivo da falta de segurança no local. As informações caluniosas, pois não há qualquer comprovação do que está sendo veiculado, acabam intensificando a tensão e apreensão entre os membros da comunidade acadêmica”, descrevem.
“É de fundamental importância compreender que a propagação de desinformação não contribui para solucionar os desafios de segurança enfrentados no Campus A. C. Simões, mas alimenta, em especial com as acusações caluniosas que têm circulado na internet, a narrativa e o estereótipo construído pela direita brasileira de que a universidade pública é um ambiente de desordem, balbúrdia e insegurança. Por fim, a Adufal reforça seu compromisso com a transparência e a responsabilidade na divulgação de informações, ressaltando que participará de todos os debates para a criação de medidas que garantam a segurança dos/as docentes e os demais membros da comunidade acadêmica.”
As discussões – e, possivelmente, outras notas – seguem acontecendo em torno dos desafios para reforçar o sentimento de segurança no campus por um lado, atendando, por outro lado, com o cuidado para não criminalizar estudantes ou professores.