Um salto para as Pequenas Mortes: literatura e erotismo na obra da escritora Flor de Lótus

Pausa para a leitura e conversa com a escritora alagoana que produziu "Les Petites Morts".
Ilustração Desejo Reprimido, de Catharine Gomes, retirado da obra de literatura erótica ‘Les Petites Morts’, de Flor de Lótus

 

Hora de dar uma pausa e dar uma olhada nisso aqui. Quase dá para sentir o cheiro e ouvir os movimentos: são as páginas de um livro. A Mídia Caeté começa agora a trazer algumas obras de quem faz arte, literatura, cultura em Alagoas. Mais que isso, convidamos você a puxar a cadeira e participar da primeira conversa que tivemos – com a escritora Flor de Lótus, Monick Gomes, em sua obra Les Petites Morts.

O título “Les Petites Morts significa ‘As Pequenas Mortes’, “mas há, contudo, em sua definição, um significado mais íntimo e sexual: é a forma como os franceses denominam o período pós-orgasmo. Esse momento onde o corpo processa o prazer proporcionado, aflorado pelo ápice”.

São estas as primeiras palavras da escritora alagoana Flor de Lótus, pseudônimo de Monick Gomes, ainda na orelha de sua primeira publicação literária. Lançada em 2020, com o lançamento adiado em razão da pandemia, a obra passou por todo um processo de produção que começa lá nos meados de 2015.

“Sempre gostei de escrever, mas fiz cursos que me direcionaram melhor e fui modificando textos também que eu já tinha. Então, quando participei do Primeiro Laboratório SESC de Expressão Literária, com Nilton Resende, houve a ideia de participar de um edital da Graciliano, e foi quando comecei a reunir o que tinha escrito para a obra. Não lembro se cheguei a tentar me inscrever ou nem isso, mas o fato é que não houve a publicação, mas o livro estava ali pronto”, conta.

O segmento do erotismo também já veio de trajetória iniciada ainda no Trabalho de Conclusão de Curso de Biblioteconomia. “Tratava do processo de seleção de bibliotecários na literatura erótica, e como aconteciam os processos de seleção dos livros que constam nos acervos. Livros que foram censurados, autocensura. Naturalmente as coisas foram acontecendo e fui tendo mais essa pegada na literatura e na poesia a partir desse gênero”, explica.

Foi em 2019, durante conversa de bar, que Monick decidiu pela publicação. “Um amigo que tem uma editora, a Sirva-se, insistia muito para eu publicar, daí nesse dia decidi que iria publicar”. Os textos então foram reunidos, alguns modificados, e outros criados especificamente para a nova obra. Os escritos estavam prontos. Restava então as ilustrações, que Flor de Lótus também tinha um projeto em mente.

“Queria publicação própria, ao invés de edital, justamente para ficar tudo do meu jeito. E neste projeto novo, o design gráfico ficou lindo, como queria”, diz Monick. Para além de todos o desenho, cores e linha, as ilustrações receberam uma atenção especial.

“Entrei em contato com 32 ilustradores. Cada texto enviei para uma pessoa diferente, e a única exigência era ser preto e vermelho, pela questão do erotismo, e também que fosse ilustração e não pintura. No mais, todos tiveram total liberdade criativa”, conta. Flor de Lótus também fez uma ilustração para a obra, totalizando 33 ilustradores, e conta que, do total, apenas dois são de outro Estado. “Tem uma pessoa de Minas e duas que estão em São Paulo, mas uma delas é daqui de Alagoas”, diz.

Me satisfez. Me satisfiz”

Ilustração “Sonoridades Noturnas’, de Aline Silva – Retirada da obra Les Petite Morts, de Flor de Lótus

Trazer algumas das últimas palavras do livro de Flor de Lótus não anteciparão o conteúdo da obra, já que a autora faz questão de reforçar sua satisfação pessoal a todo momento diante do livro. Não à toa, declara que a pergunta mais recorrente que a fazem é o quanto daquele livro representa suas próprias vivências. “Acho que uma das maiores curiosidades que as pessoas têm é em saber se o livro é biográfico. Então, digo que é basicamente tudo biográfico. Não necessariamente aconteceram do mesmo jeito que estava ali, mas tudo sempre tem algo relacionado. São textos antigos que fui coletando e alguns modificando”. E assim ela vai exemplificando: Matéria-Prima é um dos que mais gosta. Obsoleto escreveu em em um bar, bebendo”, comenta.

Ocorre que, o declaradamente erótico – para Monick – não significa linguagem necessariamente explícita. Daí o uso de analogias ser recorrente ao longo de toda a obra. “Alguns mais antigos, como Cartas, embora seja erótico tem um tom mais suave. A linguagem que uso no geral não é muito direta – com exceção de alguns poucos poemas que fui deixando para o final – mas prefiro usar um pouco mais a linguagem abstrata. E assim um evento sexual coloquei em uma árvore, fazendo referência à seiva, ramos, e vou buscando as palavras”.

A linguagem metafórica, por outro lado, guarda referências bem definidas também na escolha de leituras da autora. As inspirações são nada menos do que gigantes como Afonso de Sant’anna, Carlos Drummond de Andrade, Alice Ruiz, Hilda Hilst, Chico César. Ainda que não sejam autores voltados especificamente ao segmento erótico, definitivamente escreveram trouxeram a inspiração necessária para as escolhas e forma de escrever da escritora alagoana.

Escritores alagoanos também estão entre as inspirações de Monick: “Tem a Catarina Muniz, que tem um foco em romances, o Nilton que tem alguns textos em Amores Ébrios. Também o Magno Almeida, Bruno Ribeiro, Arriete Vilela, e a Sara Albuquerque”, cita. “São autores que têm trânsito com a literatura erótica, mas não necessariamente se colocam como escritores deste gênero”, explica.

Flor de Lótus vem arriscado ainda na fotografia junto à literatura. “Acredito que também busquei me expressar com a ideia de que não é o ato da coisa em si, mas envolver o corpo e todas as sensibilidades possíveis que estão ali naquele momento”, comenta. “Gosto de fazer a fotografia com meu corpo, embora eu saiba que é mais difícil fazer consigo próprio. Esta foto, por exemplo, me remete a borbulhas, que acabou me lembrando muito um dos poemas escritos”, diz.

Fotografia de Flor de Lótus

Se engana, entretanto, quem pensar que a sutileza – inclusive abandonada em alguns dos poemas no fim da obra – tenha qualquer coisa relacionada a algum tipo de retração. Aliás, Flor de Lótus conta que se tem uma dificuldade que não enfrentou ao longo da produção foi com os famosos bloqueios criativos.

“Acho que isso vem muito de como as pessoas pensam as relações, o erotismo e a sexualidade. Se for pessoa de boa em relação a isso, talvez não sinta. E, em teoria, a maioria das pessoas que vão para esse lado não tem problema não. Escrevo de forma abstrata, fico pensando e repensando como dizer determinadas coisas, mas bloqueio mesmo não tive”, conta.

A situação nem sempre se aplica, no entanto, quando se trata de divulgação. “Nesse caso, pode haver bloqueio na hora de divulgação a depender do ambiente, mas de maneira particular, como se trata de uma obra independente, não precisei passar por algo assim. Sempre levo para lugares onde acho que devo levar”.

Por outro lado, há um desafio quando se trata de furar as bolhas ou tentar ir além dos círculos sociais mais imediatos para divulgação da obra. E Monick não esconde o quanto é seletiva na hora de levar sua obra aos lugares.

“Não consegui muito em razão da pandemia também. O lugar mais alternativo foi em alguns bares, quando converso sobre o assunto e alguém faz referência”, relata. “Entendo que a gente precise levar o livro para ambientes propícios e às vezes falta esses lugares e com a pandemia piorou, mas sei que tem lugar em que o pessoal se interessa e onde sei que as pessoas brilham mais os olhos. Não vou chegar em um bar que, só por ter karaokê, levar meus livros, porque não é um lugar que vai ter absorção e eu não vou ficar falando para ninguém. Quero um lugar em que as pessoas curtam, porque felizmente ou infelizmente eu não vivo das obras. É um investimento que foi total meu, e busco pessoas que realmente se interessem quando levo meus livros aos lugares”, diz.

Quem quiser saber mais informações sobre a obra e a autora, basta acessar o link de sua página nas redes sociais: instagram @lotusphotografia Até a próxima conversa!

Apoie a Mídia Caeté: Você pode participar no crescimento do jornalismo independente. Seja um apoiador clicando aqui.

Recentes