O Dia da Consciência Negra é uma data que proporciona um momento de reflexão sobre como o racismo, que – diga-se de passagem – se trata de crime imprescritível e inafiançável previsto na Constituição Federal de 1988 e é o catalisador de uma série de violências contra a população negra, afeta diretamente e negativamente a vida destas pessoas, sendo um dos principais responsáveis pela grande desigualdade social que atinge o Brasil.
O fato é que, mesmo após anos da abolição da escravidão, os pretos ainda sofrem na pele o preconceito, que nem sempre é explícito; aliás, a maioria dos crimes de racismo acontecem de uma maneira, infelizmente, naturalizada e, por isso, algumas das vítimas demoram a perceber que foram alvo de preconceito racial.
Relatório do Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que 720.927 pessoas negras foram assassinadas no Brasil durante as últimas duas décadas.
Como mostram dados do 17º Anuário, dentre as crianças de até 11 anos vítimas de homicídio, 67,1% eram negras. O documento também aponta que os adolescentes de 12 a 17 vítimas de homicídio, 85,1% eram negros
Ainda segundo o relatório, no ano de 2022, as pessoas negras representavam 76,9% das mortes violentas intencionais, além de aparecerem nas estatísticas como 83,1% das mortes decorrentes de intervenções policiais e, por outro lado, dentre a morte dos próprios policiais, os dados do anuário mostram que 67,3% dos que morreram eram negros.
O documento ainda aponta que no ano de 2022, foram registrados – em território nacional – 4944 casos de racismo, o que em relação ao ano de 2021 significa um aumento de 35%. No que toca à injúria racial, foram registrados no Brasil 11.153 casos (aumento de 29,9% em relação a 2021)
No ano de 2023, em Maceió, já foram registrados 55 casos de racismo em delegacia especializada.
Para trazer uma reflexão sobre essa temática, a Mídia Caeté conversou com a delegada Rebecca Cordeiro, que – desde o ano passado está à frente da Delegacia Especial dos Crimes contra Vulneráveis Yalorixá Tia Marcelina, inaugurada em 24 de agosto de 2022 e, que portanto conta com pouco mais de um ano de atuação.
De acordo com ela, entre os meses de janeiro a outubro de 2023, foram registados 55 Boletins de Ocorrência (B.Os) denunciando crimes de racismo; para a delegada, neste ano, com o maior conhecimento sobre a delegacia, houve um expressivo aumento no número de denúncias, no entanto, como a instituição ainda é recente, não há como fazer um comparativo entre as denúncias apresentadas no ano de 2022 e 2023 na capital alagoana.
Rebecca Cordeiro faz questão de ressaltar que é necessário denunciar o racismo e instrui como fazer isso: “a prova é necessária, e depende do caso. Se o crime tiver sido cometido através de mídia social, é importante ter os prints dos fatos. Se foi presencialmente, vamos precisar de testemunhas. Caso tenha ocorrido em um local com câmeras, é importante a vítima vir aqui na própria delegacia o mais rápido possível, para que façamos a requisição das imagens, já que elas não costumam ficar gravadas por muito tempo”, explica.
É válido lembrar que – ainda no ano de 2023 – foi sancionada a lei que equipara o crime de injúria racial ao racismo: CONFIRA A LEI NA ÍNTEGRA.
RACISMO ESTRUTURAL E COMO ELE AFETA A AUTOESTIMA DA POPULAÇÃO NEGRA
Para o articulador social Gabriel Cunha, que trabalha há dois anos em territórios periféricos de Maceió, desenvolvendo um trabalho educativo contra o racismo, com jovens periféricos negros, às vezes as atitudes racistas são sutis e, por isso, ações que trabalhem a consciência de raça são imprescindíveis. “estou desenvolvendo o trabalho de articulação social desde 2021, hoje, trabalho com jovens periféricos da cidade sorriso, no Benedito Bentes, observo forte a violência policial e simultâneo a isso, a questão da percepção é algo sensível; às vezes o racismo é sutil. bato na tecla de que existe um projeto de genocídio dentro das periferias. Trabalhamos a percepção de que por que será que a violência institucional ocorre contra negros”, afirma.
De acordo com o articulador, “o racismo é um processo de menosprezo de depreciação da cultura, da cor. Então, a autoestima da criança e do jovem negro é afetada. 64% dos jovens negros consideram que a escola é o lugar onde eles mais sofrem racismo”, explicou.
Quanto à sua experiência pessoal, ele afirma que, como negro ter sido incentivado desde a infância a pensar as questões raciais o ajudou a construir uma autoestima saudável e lutar contra o racismo: “me sinto privilegiado, porque sempre me reconheci como negro. Isso é importante, cresci em escola privada, muitas vezes o único aluno negro na turma, ou com mais um ou dois negros. Na coletividade, sentimos na pele”.
COMO DENUNCIAR?
Em Maceió, o registro da ocorrência pode ser feito na delegacia de Vulneráveis, de segunda a sexta, das 08 às 17 ou ainda na Central de Flagrantes, a qualquer dia ou horário.