Violência, trabalho escravo e alimentos contaminados: o alerta dos movimentos do campo à população alagoana

Durante o Festival da Reforma Agrária, ocorrido no úlimo final de semana, na Praça da Faculdade - centro de Maceió, foi divulgado um relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que revelou a violência que ainda assola o campo

O relatório da Comissão Pastoral da Terra, publicado neste ano, revelou que a violência segue aterrorizando as áreas rurais em Alagoas. O documento registra pelo menos 61 pessoas resgatadas de trabalho análogo ao escravo, 36 conflitos no campo, 28 conflitos por terra, além de ocorrências de conflitos trabalhistas e disputas por água.

Divulgado durante o Festival da Reforma Agrária Zumbi e Dandara dos Palmares, o documento chama a atenção para a perpetuação do quadro de ataques aos povos das florestas, das águas, e do campo.

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O relatório é disponibilizado, ainda, como uma ferramenta para um alerta didático dos movimentos à população alagoana: é preciso que a pauta da Reforma Agrária e as lutas agrárias sejam estendidas para o povo da cidade.

A coordenadora do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras rurais sem Terra (MST) em Alagoas, Débora Nunes, chama atenção para a publicação.

“São dados que apontam para a preocupação, porque há 524 anos no Brasil continua-se a violência predominando o campo brasileiro, o campo alagoano. Há 524 anos desde os povos originários, passando por quilombo,passando por tantas lutas, os trabalhadores sem terra, herdeiros dessas lutas todas, seguem sendo violentados. Isso tudo porque clamam e reivindicam a terra como forma de vida”, relata a coordenadora do MST.

Esse aumento da violência não pôde deixar de ser atribuído ainda aos privilégios concedidos à extrema-direita durante os últimos anos, segundo o coordenador da CPT, Carlos Lima, muito embora também se tenha registros de um aumento da mobilização no campo para confrontar esses ataques.

“ Alagoas tem um quadro de violência crescente também, e aumenta o número de manifestação e de mobilização, mas isso é fruto de duas coisas, primeiro a crescente luta por Reforma Agrária e, depois, a facilidade que a extrema-direita encontrou para se organizar e combater as lutas camponesas, muitas vezes armada, porque também houve um crescimento da pistolagem. Isso é um quadro caótico, muito difícil”, revela.

Débora Nunes também reforça o vínculo entre os problemas e a ausência de política de distribuição de terras. “Esses dados precisam chegar na sociedade. Se a gente enfrentar toda essa violência, enfrentar a concentração de terra, enfrentar a fome, a miséria, o aquecimento global e todos os problemas e mazelas vivenciados pelo povo brasileiro, que tem uma relação direta com a não realização da reforma agrária”, conta. “A cidade inchada, a fome, a falta de mobilidade, os desastres ambientais têm uma relação direta com o modelo hegemônico de agricultura que é desenvolvido no campo brasileiro e alagoano chamado agronegócio”.

Agro nada pop

Para a coordenadora do MST, o entendimento de como o alimento saudável chega na mesa é fundamental para que as mobilizações recebam mais apoio da população.

“É preciso compreender que só é possível ter esses alimentos chegando sem o uso de agrotóxico, de forma saudável, por um preço justo para quem produz, mas também para o trabalhador e trabalhadora da cidade, porque existe um processo de luta anterior, de cobrança do Estado brasileiro para realizar a reforma agrária”, explica.

Festivais e feiras agroecológicas são exemplos de mobilização para conscientizar população. Foto: Ascom CPT.

No entanto, além da realização da Reforma Agrária, outras situações precisam ser garantidas. “É o crédito, a mecanização, a água industrial, os bioinsumos, enfim, as condições necessárias para a gente poder produzir alimento saudável. E, fazendo isso, nós não estamos pedindo nada demais, nada fora da realidade, muito pelo contrário, porque quem tem sido sustentado pelo Estado brasileiro é o agronegócio, que efetivamente não contribui para o desenvolvimento do nosso país, não contribui para a geração de emprego, não contribui para a produção de alimentos saudáveis, mas carrega uma narrativa falaciosa, que é quem carrega o Brasil nas costas. É mentira”, acrescenta.

“O agro que se diz pop é o agro do veneno, é o agro do agrotóxico, é o agro que é isento de exportações e que não tem nenhum compromisso com enfrentar e superar a fome no nosso país. É o agro que, quando o mercado externo está pagando mais caro, manda para fora sem nenhuma preocupação com o mercado interno, com o abastecimento do nosso país. Então, esse é um debate importante”.

A histórica luta e as demandas imediatas

A luta por reforma agrária é pauta de longa data por movimentos sociais agrários em todo o país, que fazem uso das mais diversas formas de mobilização para alertar sobre a gravidade da situação nas áreas rurais e os impactos na região urbana. Um vínculo ilustrado pelo conhecido bordão: ” se o campo não planta, a cidade não janta”.

O Festival da Reforma Agrária Zumbi e Dandara dos Palmares, que terminou neste domingo, 5 de maio, foi uma destas atividades. Além dos esperados alimentos da roça, do artesanato e arte camponesa, indígena e quilombola, e das apresentações culturais, o evento ocorrido na Praça da Faculdade, Centro de Maceió, também se propôs a reforçar o debate sobre as condições no campo.

A atividade está associada, inclusive, a uma outra mobilização: a ocupação realizada feita no Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em Alagoas, em repúdio contra a decisão do governo federal de nomear para o Instituto mais um indicado do deputado federal Arthur Lira (Progressistas). Os povos do campo estavam confiantes na nomeação do servidor de carreira do Incra, José Ubiratan, após a exoneração do primo de Arthur Lira, quando foram surpreendidos pela nomeação de mais um bolsonarista, Júnior Rodrigues do Nascimento.

Ocupação no INCRA confrontou a nomeação de superintendente indicado pelo deputado Arthur Lira. FOTO: Delanisson Araujo.

A coordenadora do MST, Débora Nunes, retrata as consequências dessas escolhas. “Desde o governo Temer, que a reforma agrária está paralisada em Alagoas. Não tem nada para atender às necessidades dos trabalhadores, em termos de crédito, em termos de estrada, em termos de habitação. E, de repente, se tira o superintendente depois de quase oito anos à frente do órgão, e nomeia algum que não tem nenhuma vinculação, nenhum compromisso, alguém que não representa os anseios e as necessidades dos trabalhadores”.

Em mais uma declaração, o coordenador da CPT em Alagoas, Carlos Lima, critica a postura do governo petista. “Infelizmente o governo de esquerda não compreendeu a necessidade da reforma agrária, demorou a apresentar um plano para a sociedade, e também demorou a fazer a exoneração dos superintendentes. Em mais de 100 dias do governo Lula, se conviveu com superintendentes bolsonaristas. E aqui em Alagoas, um ano e quatro meses, e, quando troca, coloca alguém do mesmo grupo político inimigo da reforma agrária”.

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